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A síndrome de Simão Bacamarte no bolsonarismo
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Traidores! São todos uns traidores! Essa tem sido a acusação do núcleo duro do bolsonarismo àqueles que vão debandando, mudando de lado, passando a criticar mais do que a elogiar o governo.

Do lado dos que se tornam alvos, também há o sentimento de que foram traídos. "Então, é claro que é uma traição absolutamente clara. Mas eu deixei também de forma muito franca que eu jamais seria a primeira a trair. Mas eu sabia que cedo ou tarde eu seria traída, porque é o modus operandi", disse a deputada Joice Hasselmann em entrevista ao GLOBO, após ser destituída da função de líder do governo no Congresso.

De fato, o modus operandi do bolsonarismo parece ser o das intrigas permanentes, e cada vez a lista de "traidores" aumenta mais. Ou se demonstra fidelidade total ao "mito", ou passa para o time dos "inimigos" a serem destruídos. Não há nuances, cinza, gradação: é tudo binário nessa guerra tribal. Enquanto Reagan lembrava que se alguém concorda com você 80% do tempo é 80% amigo, e não 20% inimigo, o bolsonarismo traça uma linha divisória a partir do 1% de discordância.

Se Bolsonaro se cercou de tantos "traidores" assim, então, na melhor das hipóteses, podemos ao menos culpa-lo por péssima capacidade de escolha, não? Parece aquele corno manso que levou mil chifres, mas é incapaz de reconhecer que tem um dedo podre para selecionar suas parceiras...

Gustavo Bebianno, General Santos Cruz, Paulo Marinho, Kim Kataguiri e o MBL, Danilo Gentili, Lobão, André Guedes, Nando Moura, João Doria, Wilson Witzel, Luciano Bivar, Alexandre Frota, Delegado Waldir, Joice Hasselmann: a lista de "traidores", entre políticos e formadores de opinião, é grande, e crescente. Isso sem falar do próprio vice-presidente Mourão, que já foi alvo dos ácidos ataques bolsonaristas, acusado de... traidor.

Não nego que alguns da lista sejam questionáveis mesmo, pois parecem oportunistas que surfaram na onda bolsonarista e nada mais. Mas todos? Não seria o caso de um mea culpa, uma reflexão sobre o tal modus operandi, sobre a postura desagregadora que fomenta intrigas o tempo todo?

Kim Kataguiri, que passou a ser demonizado pelos bolsonaristas, mesmo sendo um dos que mais lutaram pela reforma previdenciária do governo, desabafou em entrevista a Virtù News: “Nem o Collor metendo a mão na poupança conseguiu queimar capital político tão rápido.”

Simão Bacamarte, o "alienista" de Machado de Assis, queria trancar a cidade inteira na Casa Verde, pois eram todos uns doidos. Até ele perceber que talvez o doido maior fosse ele mesmo, e assim se trancou sozinho na cela. Troca-se doido por traidor e temos a síndrome de Simão Bacamarte acometendo o bolsonarismo. São todos traidores! Ninguém demonstra fidelidade! Uns ingratos! Uns oportunistas!

Talvez fosse o caso de reavaliar a premissa. Talvez fosse o caso de questionar se o traidor maior não é o próprio Bolsonaro, que vai afastando todos os mais moderados ou independentes, e restando quase sozinho, cercado apenas de seus filhos ou de bajuladores oportunistas...

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