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A solução espontânea e privada dos pobres para a educação
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Meio século atrás, o casal Milton e Rose Friedman escreveu um “paper” sobre o papel do governo na educação, e defendeu o “voucher” como solução. A lógica era cristalina: o mercado funciona para produzir diversos bens e produtos para todos os gostos e bolsos, e não seria diferente no setor de ensino. Com o governo financiando os mais pobres e permitindo a livre escolha dessas famílias, haveria competição no lado da oferta e isso levaria a um serviço melhor.

A mesma lógica estava por trás do programa de “renda mínima” defendido também por Friedman, que está na origem do Bolsa Família do PT. Críticas sobre seu uso eleitoral e a ausência de uma estratégia de saída à parte, o fato é que a esmola estatal funcionou muito melhor do que outros programas como o Fome Zero, justamente porque deixou com a própria família a decisão sobre o uso dos recursos.

A premissa básica aqui é que cada um sabe o que é melhor para si, e isso inclui os mais pobres e também a escolha da escola para os filhos. Muitas vezes a elite arrogante ignora essa possibilidade, achando que os pobres são ignorantes que nunca darão o devido valor à educação, e que, portanto, cabe ao estado e aos burocratas “ungidos” cuidar de tudo por eles. Nascem os grandiosos programas nacionais burocráticos, caros e ineficientes, enquanto os pobres ficam sem boa qualidade de ensino.

Mas eles buscam para seus filhos o melhor. Mesmo nos recantos rurais mais afastados, ou nas favelas. Eles sabem que o ensino privado e pago costuma ser melhor, pois há mais accountability, os pais podem exercer maior pressão sobre os proprietários ou diretores das escolas, ameaçando retirar seus filhos caso o ensino não seja bom ou os professores faltem muito, o que seria a bancarrota da instituição. O mecanismo de incentivos é mais adequado.

E, de fato, milhões de pobres do mundo todo optam por esse caminho. Foi o que mostrou James Tooley em seu excelente livro The Beautiful Tree: A personal journey into how the world’s poorest people are educating themselves. O autor era um socialista romântico que começou sua carreira no Zimbábue de Robert Mugage, colaborando com o “ensino universal” igualitário. Sua decepção foi enorme ao descobrir que as elites concentravam para si as boas escolas – privadas – enquanto o povo tinha que arcar com o ensino público de péssima qualidade.

Ele resolveu fazer uma intensa pesquisa em inúmeros países pobres para verificar como as famílias pobres educavam seus filhos, e descobriu, um tanto chocado, que as escolas privadas eram muito comuns, apesar de todos os especialistas no assunto ou negarem essa realidade, ou a desqualificarem. A solução proposta era sempre a mesma: mais ajuda humanitária dos países ricos para fomentar o ensino público nos países pobres, a despeito dos péssimos resultados evidentes.

Os especialistas não suportam a ideia de empreendedores lucrando no mercado de ensino básico para pobres, o que enxergam como exploração, além de acharem que é simplesmente inviável os pobres efetivamente pagarem por tal serviço. Como mostrou o pesquisador, eles pagam. São valores bem reduzidos, poucos dólares por trimestre, que representam uma fatia tolerável de suas baixas rendas (entre 5 e 8%). Ainda assim, toda quantia é um sacrifício para quem ganha tão pouco, e o simples fato de que tantos escolhem essa alternativa, em vez de colocar seus filhos na escola pública “gratuita”, já demonstra como valorizam a educação dos filhos e preferem a oferta privada.

O que mais deixou Tooley espantado ao longo de sua jornada foi a reação das elites e dos especialistas, que simplesmente negavam a possibilidade de existir um mercado tão ativo de ensino particular para os pobres. Todos criticam a qualidade das escolas públicas nesses países, mas curiosamente sempre demandam mais e mais recursos para esse mesmo sistema! É como se não tivessem vontade de enxergar a alternativa bem debaixo de seus olhos, pois ela fere sua visão de mundo preconcebida.

Longe de parecerem exploradores que enganam os pobres, esses empresários da educação em favelas ou áreas rurais que o autor conheceu eram pessoas que efetivamente ligavam para as crianças, que lutavam para lhes dar o melhor possível dentro das restrições pesadas da pobreza local. Alguns se empenhavam até no fim de semana. Sim, eles tinham algum lucro na operação, apesar das mensalidades extremamente reduzidas. Mas não só o lucro é legítimo numa transação livre, atestando a satisfação do consumidor, como ele é o oxigênio que permite novos investimentos em melhorias do serviço.

Nas escolas públicas, há constantes greves, os professores não ensinam, faltam com frequência, tudo porque não há um mecanismo adequado de incentivos: eles não são punidos por tal negligência. No máximo são transferidos. Os sindicatos poderosos os protegem. O mesmo não acontece nas escolas privadas: como a renda do proprietário depende da satisfação dos pais, ele garante a presença dos professores. Também se mostra mais sensível às verdadeiras demandas dos pais, como, por exemplo, aprender inglês. Na escola pública o professor não precisa levar em conta os anseios dos pais. Pode enfiar Marx e Foucault goela abaixo das pobres crianças indefesas.

Quando o estado aparece nas escolas privadas, normalmente é para cobrar propinas após infindáveis regulações que os donos das escolas são incapazes de cumprir. Como ter um pátio grande numa escola na favela? São obrigações burocráticas desligadas da realidade, criadas por burocratas distantes de classe média. Mesmo assim, os pais dessas comunidades escolhem essas escolas pelo que elas oferecem em troca, principalmente no conteúdo. Eles não são explorados pelo proprietário da escola, mas pelos inspetores do governo que encarecem suas mensalidades com as propinas que exigem das escolas. A corrupção é endêmica nesses países.

Talvez os especialistas e os professores não tenham tanto interesse em considerar essa alternativa porque a atual lhes favorece bastante. O poder que vem com o carimbo que destina bilhões em ajuda humanitária, a influência que esses especialistas exercem em governos ocidentais, a estima perante a própria elite por posarem de abnegados e altruístas que se preocupam com os pobres do Terceiro Mundo, os empregos garantidos independentemente do resultado oferecido, tudo isso atua contra a solução de mercado.

Amartya Sen, Jeffrey Sachs e tantos outros consultores de governos ou entidades como a ONU costumam reconhecer as dificuldades do setor público nesses países pobres, mas ainda assim pregam mais recursos para esse modelo, pedindo paciência – algo que as famílias pobres não podem se dar ao luxo de ter em abundância. Nunca a solução particular é mencionada por esses especialistas. É como se ela não existisse!

Mas existe, e aos montes. Tooley visitou e pesquisou em detalhes diversas favelas e locais rurais de Gana, do Quênia, da Índia, China, etc. Em todos ele e sua equipe encontraram centenas de escolas privadas cobrando valores baixos dos pobres, que pareciam satisfeitos com essa alternativa. Pesquisas qualitativas também mostraram que tais escolas não ficam atrás das públicas com seus professores mais graduados. Ao contrário: elas se saem invariavelmente melhor.

O que o autor mostra é que a “mão invisível” também funciona no mercado de ensino, como em todos os outros. Os proprietários de escolas para pobres aparentam ter boas intenções quase sempre, segundo a experiência de Tooley, mas mesmo assim elas não são o suficiente ou nem mesmo o principal. Como sabemos pelo ditado popular, o inferno está repleto de boas intenções. O que vale mais é o mecanismo de incentivos. E esses empresários precisam levar em conta a demanda dos pais, caso contrário sabem que vão perder seus alunos, até porque a alternativa é uma escola “gratuita” oferecida pelo governo.

Os pais pobres não são tão ignorantes, ao contrário do que pensam os especialistas arrogantes. Não necessitam da tutela do governo, e não vão sacrificar o futuro dos próprios filhos por estupidez. Alguns realmente não colocam seus filhos nas escolas. Isso acontece ou porque são muito miseráveis e precisam de renda extra obtida com o trabalho infantil, ou porque não enxergam valor no ensino público de má qualidade. A maioria, porém, sabe que precisa investir no melhor para seus filhos, e isso muitas vezes significa o esforço de pagar por um ensino privado.

Além da jornada geográfica, Tooley fez uma jornada histórica no tempo, e pesquisou como era a educação nesses países antes da chegada dos imperialistas. O que ele descobriu foi igualmente chocante: havia, na maioria dos casos, um mercado espontâneo e privado de educação, que foi dificultado ou impedido pelos colonizadores bem-intencionados. Ele cita o caso da Índia, com declarações do próprio Gandhi nesse sentido, lamentando que a “bela árvore” que crescia fora cortada pelos ingleses, que impuseram um modelo centralizado totalmente desconectado da realidade local. Daí o título de seu livro.

Os “vouchers” podem funcionar de maneira bem mais eficiente do que enterrar bilhões dos pobres dos países ricos no sistema de ensino público universal dos países pobres. Os pais permanecem com o poder de escolha, e os empresários precisam atender às suas demandas, caso contrário perderão alunos para a concorrência. A simples ideia de um mercado lucrativo para algo tão importante e nobre como o ensino desperta aversão em muita gente. Mas o que elas querem afinal? Preservar suas próprias fantasias românticas, ou que os pobres tenham o melhor possível?

Rodrigo Constantino

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