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As duas cartas petistas: esquizofrenia ou partes de uma só estratégia?
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Amigos do peito…

Em sua coluna de hoje, Denis Rosenfield lembra que Lula só teve sucesso eleitoral quando escreveu a famosa “Carta ao povo brasileiro”, prometendo que as tradicionais bandeiras petistas seriam colocadas de lado em prol de concessões importantes ao “sistema”. Ali, Lula prometia ser responsável e abandonar o ímpeto revolucionário do PT.

Dito e feito. Ao menos por algum tempo. Palocci e Meirelles representaram esta guinada, que poderia até mesmo ser rotulada de “neoliberal”, segundo Rosenfield. Porém, essa carta jamais se tornou um documento partidário oficial, ou seja, uma grande ala do PT continuou flertando com movimentos revolucionários de esquerda, com viés claramente anticapitalista e antidemocrático.

Enquanto o governo Lula mantinha uma política macroeconômica típica da social-democracia tucana, boa parte do próprio PT insistia em medidas revolucionárias, criando assim uma espécie de esquizofrenia partidária. Claro que é possível e até saudável haver divergências dentro de um mesmo partido, mas não em pontos tão básicos e essenciais.

O PT convive, portanto, com duas metades em permanente conflito. Com a aproximação das eleições, essas divergências se acentuam, e tanto o partido como a presidente Dilma parecem ter escolhido o lado mais sombrio e revolucionário. Rosenfield desenvolve o raciocínio:

A eleição, contudo, está levando a uma aproximação com posições partidárias que contradizem a própria prática petista de governar nesses últimos anos. Em vez de retomar e aprofundar uma “Carta ao povo brasileiro”, que deveria ser um documento partidário, a presidente e o PT estão, em sua estratégia política, formulando praticamente uma “Carta aos petistas”. A presidente afasta-se de sua própria prática de governo e o PT retoma as suas posições doutrinárias tradicionais. A esquizofrenia ganha novos contornos.

Explico-me. Há um texto implícito na atual estratégia que merece a denominação de “Carta aos petistas”. Ela está voltada principalmente para o seu público interno. Em contradição explícita com a política do governo Dilma até aqui, ela se caracteriza, entre outros quesitos: a) pela recuperação da política de “democratização dos meios de comunicação”, com o objetivo de controle destes mesmos meios, que estariam fazendo o “papel das oposições”, o jogo dos “conservadores”; b) pela retomada da interlocução com os ditos “movimentos sociais”, em particular o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), braço urbano do MST, agora voltado contra a “especulação imobiliária”; c) pela aposta na fratura social e política por intermédio do discurso que tinha sido enfraquecido dos “ricos” contra os “pobres”, em um jogo canhestro de reafirmação da “luta de classes”; d) pela racialização da política, tornando o xingamento em um estádio a manifestação de uma “elite branca”.

A radicalização pode ter como intuito atrair novamente os mais esquerdistas, inconformados com o que chamam de migração para a “direita” do PT. Seria um discurso “intramuros” para conquistar os tradicionais militantes que debandaram para novas siglas que representam o velho PT utópico, pois afastado ainda do poder.

Segundo Rosenfield, a atual estratégia parece a de um partido que se prepara para ser oposição, não de um partido que está no governo há 12 anos. O autor conclui questionando qual carta está valendo. A pergunta é legítima: qual cara o PT pretende adotar, sendo ele um partido de duas caras?

Há, porém, uma interpretação alternativa: a de que as duas caras sempre foram partes da mesma estratégia, qual seja, a permanência no poder. A carta de Lula seria, então, um ato de puro pragmatismo para chegar ao poder, assim como a escolha de Henrique Meirelles para o Banco Central. Puro estelionato eleitoral. Mas sua natureza sempre foi autoritária e antidemocrática.

Quando o PT achou que era possível mudar, abandonar a responsabilidade macroeconômica para eleger Dilma, ele não pensou duas vezes. Sua natureza autoritária veio à tona novamente. A imprensa só não foi controlada porque conseguiu resistir, não por falta de desejo do PT. A carta ao povo não passava de uma máscara temporária, por essa ótica.

Os militantes radicais nunca foram traídos, apenas tiveram que esperar mais tempo do que os vizinhos bolivarianos. A revolução leva tempo, pois segue a lógica de Gramsci, não de Lênin. Essa é a visão de boa parte da direita, que sempre enxergou o PT como um partido revolucionário, e não mudou de opinião só por causa de Palocci e Meirelles.

Minha opinião? Alguma coisa entre os dois extremos. Que o PT tem uma natureza revolucionária representada por uma ala expressiva é fato inegável. Por outro lado, muitos descobriram os encantos do poder e querem preservar suas tetas estatais, nada mais. Se o caminho para isso for fazer concessões aos “neoliberais”, escrever uma nova carta ao povo, que seja. Vale apenas não perder a boquinha. Seria o PMDB fisiológico dentro do PT.

O PT é, portanto, uma mistura de PSOL com PMDB, reunindo o que há de pior em cada um deles. Bolivarianos de um lado, corruptos pragmáticos do outro, quando não ambos em um só. Independentemente de qual seja o PT verdadeiro ou mais forte, o fato é que ele representa, no poder, uma ameaça enorme ao país e nossa democracia. O cientista político Nelson Paes Leme, em artigo publicado no mesmo jornal, escreve:

O poder corrompe, já disseram Lao Tzu e Maquiavel, mas também aliena. Quanto mais tempo no poder, mais corruptos, impunes mas, sobretudo, mais alienados seus ocupantes. Como obter lisura e isonomia em eleições adredemente corrompidas, onde o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, nomeado por uma candidata, exatamente a ocupante do Executivo, foi até ontem militante e advogado do partido político desta candidata? Como obter lisura e isonomia numa eleição onde a candidata do governo dispõe do dobro de tempo de propaganda eleitoral de todos os candidatos da oposição? Como acreditar em um governo cuja cúpula dirigente está atrás das grades, com um diretor da maior empresa estatal também preso e outro do maior banco estatal, condenado e foragido na Itália? Desde os brioches de Maria Antonieta na França da Bastilha decaída, ao Baile da Ilha Fiscal que pôs fim ao Império no Brasil que os decadentes alienados se sucedem. O poder petista desses tempos não estaria imune a essa fatalidade histórica. Nunca se viu tanta corrupção, tanto descaso e escárnio com a coisa e com a opinião públicas e tanta alienação para o que está por vir. Preveem-se tempos sombrios e confusos. Quem viver, verá. Ninguém se dispõe a enterrar essa fétida senhora: a república lulopetista. Não há coveiro que resista a tanta putrefação. E o mais incrível de tudo: a única proposta de reforma política do Estado vem pelas mãos exatamente do próprio PT.

Não importa qual lado petista seja o predominante: ambos vêm, juntos, destruindo nossas instituições republicanas, aparelhando completamente o estado, rasgando as regras do jogo, cuspindo nas leis e derrubando os pilares democráticos. O PT revolucionário, pois isso é o que sempre desejou; o PT fisiológico e corrupto, pois essa foi a maneira que encontrou de se perpetuar no poder. Só há mesmo uma solução, que não é uma nova carta ao povo brasileiro: retirar o PT do poder!

Rodrigo Constantino

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