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Bolsonaro aposta no tudo ou nada da ruptura institucional: vai dar certo?
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O ambiente político brasileiro está contaminado pelo cansaço de muitos com o que se chama establishment. A indignação é compreensível e mesmo legítima, mas o uso que o bolsonarismo faz dela é no mínimo arriscado. O establishment do bolsonarismo virou as elites do petismo. O autor do texto que o presidente divulgou sobre o país ser ingovernável é da CVM. Establishment? Sergio Moro era juiz. Establishment? Mentes binárias ignoram nuances…

Bolsonaro, que foi deputado do baixo clero por quase 30 anos e tem os três filhos na esteira do seu nome como políticos, inclusive um vereador que pensa ser ministro e nunca está em sua função e outro que é senador com fortes indícios de praticar a “rachadinha” no seu gabinete, é o grande líder ético inimigo do tal establishment; mas críticos que nunca quiseram trabalhar em governo na vida, que têm diferentes empregadores na iniciativa privada, que sempre pregaram menos estado, viram ícones do “centrão” fisiológico e do tal establishment, só porque não concordam com a postura radical do bolsonarismo, que julgam suicida.

Como liberal-conservador, considero os MEIOS mais importantes do que os fins. Todo autoritário apela para seu “fim nobre” para justificar o autoritarismo. Os nacional-populistas influenciados por Steve Bannon alegam que estamos numa guerra cultural (verdade) para defender o direito de usar os MESMOS MÉTODOS dos inimigos de esquerda, mas isso é inaceitável para conservadores. Afinal, seria uma vitória de Pirro. Se vamos virar socialistas com sinal trocado, então já perdemos, e o conservadorismo já era.

Temos visto muita falácia do espantalho, quando se ataca um inimigo imaginário, ou uma falsa dicotomia: se você discorda dos métodos revolucionários e populistas dos olavistas, então você está satisfeito com as instituições, defende Rodrigo Maia e o Congresso e adora Dias Toffoli e o STF. Besteira! Os liberais e conservadores que estão contra esse “protesto governista” repudiam o fisiologismo também, mas entendem que as soluções precisam ocorrer de dentro do sistema, não por meios revolucionários. Quem não aceita essa visão se mostra intolerante e arrogante, ao falar como se fosse a única “direita verdadeira”. Mais humildade faria bem a essa turma…

A deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP), conhecida por ter sido uma das autoras do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, publicou uma série de mensagens no Twitter na qual afirma ser contra as manifestações que estão sendo convocadas para apoiar o presidente Jair Bolsonaro no dia 26 de maio. Para ela, se as ruas estiverem vazias, Bolsonaro perceberá que terá de parar de “fazer drama” para trabalhar.

“Pelo amor de Deus, parem as convocações! Essas pessoas precisam de um choque de realidade. Não tem sentido quem está com o poder convocar manifestações! Raciocinem! Eu só peço o básico! Reflitam!”, escreveu. “Àqueles que amam o Brasil, eu rogo: não se permitam usar! Não me calei diante dos crimes da esquerda, não me calarei diante da irresponsabilidade da direita”, afirma também. “O presidente foi eleito para governar nas regras democráticas, nos termos da Constituição Federal. Propositalmente, ele está confundindo discussões democráticas com toma-lá-dá-cá”, escreveu.

Essa convocação de ala do bolsonarismo, que atua constantemente como se fosse oposição mesmo no poder, atacando todas as instituições e o establishment, acabou rachando o que restava da direita. O MBL, que se colocou contrário a essa estratégia um tanto revolucionária, foi massacrado nas redes sociais por bolsonaristas, que não querem conversa ou articulação com o Congresso, o que já consideram corrupção, mas tampouco explicam como esse caminho rebelde vai efetivamente ajudar a aprovar as reformas.

O fato é que o clima anda tenso, e esse parece um resultado inevitável da estratégia adotada pelo presidente: a do combate direto contra a “velha política”. O que vai sair desse embate só o tempo dirá. Mas já há quem compare a situação com aquela de Jânio Quadros ou mesmo Collor, que convocou o povo às ruas, mas acabou isolado. Emoções fortes à frente, sem dúvida…

O clima político brasileiro está cada vez mais tenso e polarizado, como se fosse uma final de futebol. Cada um se mostra apaixonado por seu time, sem qualquer possibilidade de buscar compreender os argumentos do outro lado. André Guedes comentou: “Essa ressignificação das palavras é o primeiro sintoma de que padecemos de uma doença grave. Percebo que as pessoas acham que MODERAÇÃO ou qualquer termo que denote algum equilíbrio de julgamento é sinônimo de centro político/isentão. Quem faz isso assume o próprio radicalismo.”

Não concordo com a postura de ala do bolsonarismo, que investe pesado na “pressão das ruas” para conseguir impor sua pauta. Também me desagrada muita coisa que vem do nosso Congresso, mas é preciso lembrar que os deputados ali foram eleitos e representam parcela da população. As mudanças democráticas são mais lentas do que gostaríamos, mas a alternativa de seguir por uma concentração de poder no líder populista “amado” pelo povo costuma terminar muito mal. Ao expor esse raciocínio, passei a atrair a fúria da militância virtual bolsonarista.

Mas lembro de Edmund Burke, o “pai do conservadorismo”, para reforçar a ideia de que há uma maioria silenciosa que tem sua voz abafada pelos gritos das minorias organizadas e estridentes: “Porque meia dúzia de gafanhotos sob uma samambaia faz o campo tinir com seu inoportuno zumbido, ao passo que milhares de cabeças de gado repousando à sombra do carvalho inglês ruminam em silêncio, por favor, não vá imaginar que aqueles que fazem barulho são os únicos habitantes do campo; ou que logicamente são maiores em número; ou, ainda, que signifiquem mais do que um pequeno grupo de insetos efêmeros, secos, magros, saltitantes, espalhafatosos e inoportunos.”

Deixo à guisa de conclusão para a reflexão dos leitores: o grupo de “comunistas vendidos traidores” só aumenta. Já conta com os de sempre, além de Janaina Paschoal, Joice Hasselmann, Lobão, eu, Carlos Andreazza, a turma do MBL, o humorista Joselito Muller, os militares e quem mais ousar discordar de uma vírgula da ala mais radical do bolsonarismo. Pergunto: isso é uma forma de agregar? Isso contribui para construir pontes? Se a “direita verdadeira” afasta cada vez mais gente de direita, não é indício de que há algo de errado com essa postura intransigente ou fanática?

O universo dos “puristas” tende a nulo, eis o ponto. Eventualmente quem tiver alguma independência vai esbarrar numa bandeira que rejeita, e isso será o suficiente para se tornar o mais novo herege. A quem interessa essa mentalidade? Ao governo? À direita? Ao Brasil?

Rodrigo Constantino

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