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Camille Paglia responde pergunta tendenciosa de historiador sobre Escola Sem Partido: e ele não deve ter gostado!
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Camille Paglia tem bagagem cultural, estofo intelectual, e credenciais de ex-feminista radical. Ela tem denunciado hoje o radicalismo desse movimento, assim como o marxismo cultural. Em entrevista ao Estadão, feita por troca de emails com o historiador Gunter Axt, uma pergunta bastante tendenciosa sobre o Escola Sem Partido recebeu uma resposta um tanto desconcertante, e certamente inesperada do ponto de vista do entrevistador. Paglia não passou recibo, não entrou na narrativa do entrevistador, e fez o contrário: insistiu na importância da pluralidade de ideias em sala de aula e denunciou a doutrinação “liberal”, lembrando que o termo, para americanos, quer dizer esquerda. Vejam:

GA – No Brasil vivemos um momento polêmico, em que se discute um projeto de lei intitulado “Escola sem partido”, que visa garantir a imparcialidade dos professores em sala de aula, não só do ponto de vista partidário, mas também teórico e ideológico. Os críticos deste projeto de lei dizem que o dirigismo ideológico de qualquer tipo não é resolvido por meio de uma lei e que tal lei abriria as portas para a censura, bem como para a introdução de teorias não científicas, como o Criacionismo e o Design Inteligente. Você acha que é possível para um historiador ser imparcial? Você apresentaria a perspectiva nazista na sala de aula, por exemplo, como um contraponto à visão dos vencedores da Segunda Guerra Mundial? Há consensos humanistas acima do direito ao contraditório? Por outro lado, existe um equilíbrio possível? Como podemos promover um ambiente de pensamento livre nas salas de aula que celebre a tolerância e a diversidade?

CP – Como professora universitária de carreira, eu sempre me oponho a qualquer intrusão de governo – local, estadual ou nacional – na deliberação e procedimento acadêmicos. No entanto, tenho ficado horrorizada nos últimos 40 anos com a precipitação de professores liberais numa apologia ideológica sem remorso na sala de aula. Essa tendência é eticamente errada e profissionalmente irresponsável, uma traição aos nossos princípios vocacionais básicos. A sala de aula é um laboratório de pensamento objetivo e destacado, um território para aquisição de conhecimento; não é uma arena para experimentos de bem-estar social ou ativismo pessoal.

A meu ver, o professor deve informar regularmente a classe que todo estudante tem direito a suas opiniões sobre qualquer assunto, não importando o quanto seja contestado ou controverso, e que não existe uma “linha partidária”, promulgada e aplicada pelo professor. Eu faço isso, mesmo na minha aula de “poesia lírica”, onde devo ser totalmente honesta sobre minha tendência em favor da linguagem de rua da Escola Beat de poesia e minha rejeição aos poetas americanos mais celebrados, como John Ashbery e Jorie Graham, que considero afetados empolados.

Uma de minhas experiências intelectuais formativas foi a leitura do primeiro livro exigido em meu curso de Biologia básica na faculdade: uma pesquisa com os filósofos pré-socráticos. Nós estávamos sendo introduzidos a teorias sucessivas sobre as origens do Cosmos, começando no mito religioso e culminando na invenção e refinamento do método científico. Esta foi uma maneira sensacional de ensinar, e nunca me esqueci disso.

Portanto, não consigo ver o que há de errado em pedir aos professores de Biologia que apresentem, ainda que de forma breve, visões e modelos alternativos da cosmologia, sobretudo teorias com impacto contemporâneo contínuo, como o Criacionismo e o Design Inteligente. Certamente é importante identificar e avaliar quaisquer objeções persistentes à Teoria da Evolução de Darwin, incluindo o que muitos cristãos acham que é uma evidência contraditória. Os alunos merecem ouvir todos os aspectos dos grandes debates contemporâneos: suprimir os argumentos é tratar a ciência como um dogma estabelecido. Mas a ciência deve estar em um processo constante de investigação e revisão dinâmica.

Quanto à “perspectiva nazista” sobre a Segunda Guerra Mundial, não posso imaginar como seria possível falar ou mesmo resumir essa terrível guerra (como frequentemente o faço ao ensinar a cultura do século XX) sem explicar exatamente isso: a humilhação da derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial; o colapso da economia alemã na década de 1920; a ascensão de Hitler por meio de apelos messiânicos à identidade alemã medieval, refratada por Wagner; o bode expiatório dos judeus na obsessão nazista pela pureza racial; a evocação do idealismo grego sendo transmitida pelo fogo da tocha a Berlim no início de Olympia, de Leni Riefenstahl.

Em suma, é do melhor interesse da educação apresentar todas as visões possíveis de cada questão controversa. Se os professores se afastarem dessa obrigação, estamos simplesmente levando os alunos a explorar alegações alternativas na internet, que se tornaram cada vez mais um pântano de opiniões histéricas, erros factuais e absolutas alucinações.

A resposta foi destaque na página do Escola Sem Partido, que ironizou: “o entrevistador confundir Camille Paglia com Leandro Karnal”. De fato, a reposta foi desconcertante para o historiador, que esperava um ataque ao projeto Escola Sem Partido. Em vez disso, a pensadora praticamente endossou a agenda do projeto, que visa a expurgar das salas de aulas o pensamento único “progressista”, garantindo ao aluno o direito ao contraditório e sua liberdade de expressão.

Rodrigo Constantino

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