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Sei que a coisa é triste. Sei que deveria estar até vertendo lágrimas. Mas confesso ao leitor, do fundo do meu âmago sombrio: não resisto ao riso. Ele vem mais forte do que minha capacidade de controle. Ao ler essa notícia, de que um casal jovem resolveu circular com suas bikes por território dominado pelo ISIS para provar como a humanidade é “bondosa” e acabou morrendo, veio uma incrível e pecaminosa vontade de gargalhar. Como podem ser tão idiotas?!

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A ideologia é uma máquina de destruição de cérebros. No afã de suportar melhor um mundo indiferente ou mesmo hostil aos nossos anseios, nesse vale de lágrimas e sofrimento, alguns correm para o refúgio das ilusões, doces ilusões românticas. Uma delas é justamente a infinita bondade, como se bastasse um afago para que o estuprador de criancinhas se tornasse um bom samaritano. Gentileza gera gentileza: alguns levaram muito a sério a frase de parachoque de caminhão.

A maldade seria um conceito falso criado pelos homens para lidar com as complexidades dos seres humanos. Era nisso que o casal ciclista acreditava. Jay Austin e Lauren Geoghegan, com seus vinte e poucos anos, saíram de seus empregos em Washington e embarcaram numa jornada. Ele era um vegano funcionário público, e ela uma vegetariana que trabalhava numa universidade. Ambos concluíram que estavam desperdiçando suas vidas com trabalho. Foram viver a vida.

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Nessa nova fase, com mais tempo para ver o pôr do sol, o casal passou a postar nas redes sociais suas aventuras, sempre com a mente e o coração abertos para estranhos, já que a postura bondosa seria certamente reciprocada. Se você ler os jornais, disse o rapaz, vai acabar acreditando que o mundo é um grande lugar assustador. Ele jamais acreditou nisso. As pessoas não são ruins. Às vezes autocentradas, é verdade, egoístas ou míopes. Mas se ao menos demonstrarmos generosidade para com elas…

Quando o casal chegou a Tajikistan, um território dominado pelos terroristas do ISIS, a experiência tomou um rumo trágico (ou tragicômico, se o leitor tiver espírito de porco). O casal pedalava quando um carro bateu em suas bikes e os derrubou. Cinco homens teriam saído do veículo e esfaqueado ambos até a morte. Era o fim da generosidade.

Os “liberais progressistas” consideram os dois mártires da boa luta. Afinal, toda narrativa “progressista” hoje depende dessa visão romântica (ingênua) da natureza humana. Se ao menos estendermos a mão aos imigrantes islâmicos… se ao menos fizermos um carinho nos jovens marginais… e por aí vai. Já os conservadores resgatam Joseph Conrad nessas horas e alertam: “O horror! O horror!”

Mais realistas, eles sabem do que a natureza humana é capaz, de como domesticar a besta selvagem que há em nós é fundamental para abandonar a barbárie e entrar na civilização, e como esta nunca pode ser tida como indestrutível.

Afinal, a besta humana é similar à besta animal, e é curioso que tanta gente à esquerda também idealize o mundo animal. Alguns vão tão longe nessa “vibe” que chegam ao outro extremo: demonizar o ser humano, tratado como a maior praga do planeta. Nesse caso, os ursos e gorilas seriam bondosos, e o homem seria o monstro. Essa mentalidade também não costuma acabar bem. Relatei um caso em Esquerda Caviar:

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O cantor Timothy Treadwell, um ambientalista de Malibu (habitat onde pululam esquerdistas de limusine), experimentou na pele o preço dessa visão romântica do mundo selvagem. Ele viveu uma vida dedicada aos ursos, e insistia que eram criaturas dóceis. Queria cantar-lhes canções de amor.

Acabaria devorado por um deles, e ainda levaria a namorada junto na aventura. Pode ser que tenha desafinado demais, ao que o urso apenas reagiu indignado. Prefiro outra lição, porém: é nisso que dá confundir filmes da Disney, como O irmão urso, com a realidade.

“It is what it is”, eis a máxima realista dos conservadores. Podemos tentar melhorar os homens, e isso é possível justamente com a civilização, com um conjunto de valores e freios morais, que impõem limites aos instintos humanos. É preciso ler Mal-estar na Cultura, de Freud, para entender melhor isso. O nosso estado natural não é o de “bom selvagem”, como queria Rousseau, e também não precisa ser o “homem como lobo do homem”, como dizia Hobbes (ainda que estivesse bem mais perto da verdade).

O ponto de largada é a barbárie, sem dúvida, mas o homem é capaz de coisas maravilhosas também. Podemos avançar muito na moralidade, desde que jamais esqueçamos da besta latente, sempre à espreita, que habita em todos nós. Quando alguém se olha no espelho e enxerga a criatura mais bondosa e fantástica que já pisou sobre a Terra, aí temos um enorme perigo.

Infelizmente, muitos esquerdistas hoje agem exatamente assim: eles precisam se ver como seres “ungidos” e maravilhosos, desprovidos de preconceitos, ódios e paixões negativas, caso contrário não suportam a vida. O problema é que largam de uma premissa mentirosa, irreal. O mundo seria de fato um lugar melhor se todos partissem do mesmo ponto de largada, mais realista: somos criaturas falíveis, propensas a atos imorais, com a capacidade de fazer o bem dentro de nós.

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Mas, para tanto, necessitamos de um mecanismo de incentivos mais adequado. Precisamos de um arcabouço de valores morais bem sólido sustentando a sociedade, nosso entorno. E temos que punir com severidade os desvios de comportamento mais perigosos, para induzir o homem ao caminho da retidão. A alternativa é sair por aí achando que basta sorrir para receber sorriso em troca, que basta soltar pombas ou abraçar árvores para ter paz. Esse caminho normalmente termina em sangue.

Os cínicos, porém, diriam que é apenas a evolução darwinista em funcionamento. O casal felizmente não deixou herdeiros…

Rodrigo Constantino