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O Reino Unido decidirá seu futuro hoje, se será dentro ou fora da União Europeia (o que ficou conhecido como Brexit). Há argumentos legítimos de ambos os lados, e não se trata de escolha trivial. Na vida real é assim mesmo: não existem soluções definitivas, apenas alternativas melhores ou piores. A vida é um constante trade-off, e uma escolha sempre deixa vantagens para trás, ainda que se espere ganhar mais do que se perdeu.

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A fim de elucidar um pouco o contexto em que os ingleses farão essa importante escolha hoje, segue um artigo meu antigo, resenha de um ótimo livro de um europeu pessimista, preocupado demais com os rumos do continente. Acredito que esse seja o pano de fundo que explica tanta gente cansada da “união forçada” e desejando mudanças.

A crise da Europa

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“Nas circunstâncias, um declínio lento e gradual parece mais provável do que um grande colapso.” (Walter Laqueur)

O continente europeu tem sido o berço e a locomotiva da civilização por vários séculos. Dali saíram os principais pilares do mundo Ocidental. No entanto, vários problemas sérios, culturais e econômicos, têm ameaçado essa liderança. A Europa vem perdendo força no cenário mundial, e podemos estar diante do começo de seu declínio. Eis a tese defendida pelo historiador Walter Laqueur no livro Os Últimos Dias da Europa, cujo título já deixa evidente o teor pessimista da mensagem.

O autor lembra que a história está cheia de casos de países e impérios que desapareceram ou perderam sua hegemonia. A Europa não está livre dessa ameaça, e pode acabar se transformando num grande museu. O alarmismo quanto a esta possibilidade para a Europa não é infundado.

O foco de Laqueur foi o aspecto cultural, ainda que ele tenha citado o problema econômico, que merecia uma atenção maior, em minha opinião. Ele dissecou a questão da imigração nos diferentes países europeus, mostrando como esse fator representa um enorme risco devido a suas peculiaridades no caso da Europa. A imigração sempre existiu, mas existem diferenças para o que se passa atualmente. Em primeiro lugar, os imigrantes se esforçavam para se integrar social e culturalmente. Havia uma elevada taxa de casamento entre pessoas de nacionalidades distintas. Atualmente, muitos imigrantes vivem à margem da sociedade na Europa, sem um esforço claro de integração.

Em segundo lugar, ninguém os ajudava, não havia assistentes sociais nem governos oferecendo moradia subsidiada, serviços médicos gratuitos e todo tipo de programa de “discriminação positiva”, como ocorre hoje. O imigrante tinha que se virar sozinho. Isso estimulava a procura por trabalhos produtivos e não gerava ressentimento nos cidadãos locais. No modelo de welfare state, o pagador de impostos acaba alimentando um sentimento de rancor por ser obrigado a sustentar milhões de imigrantes que, muitas vezes, nem mesmo abraçam os valores culturais do país. O modelo está induzindo a um parasitismo social. A taxa de desemprego já chega a 40% para jovens imigrantes em alguns locais. O autor conclui: “Se há mais xenofobia agora, isso talvez se deva em parte à reação da classe trabalhadora branca contra o tratamento preferencial que costuma se dar aos novos imigrantes”.

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Fora isso, a grande maioria de imigrantes é formada por muçulmanos, e a religião pode se tornar um entrave na adaptação, principalmente para os mais ortodoxos. Para piorar a situação, o terrorismo, associado muitas vezes ao islamismo, é um problema. “Se houve uma animosidade crescente para com os muçulmanos na Europa em anos recentes”, diz o autor, “não foi em resposta à religião deles per se, mas devido ao fato de que a maioria dos ataques terroristas foi realizada por muçulmanos”. Uma retórica antiocidental constante por parte de muitos desses imigrantes muçulmanos e a ênfase na necessidade da jihad certamente não ajudam. Existe uma postura muitas vezes hostil por parte desses próprios imigrantes. Laqueur afirma que “existe consideravelmente mais fobia com referência aos ocidentais e às coisas do Ocidente do que islamofobia”.

O fato de a Europa ter se tornado um gigantesco lar seguro para os terroristas tampouco ajuda. Várias células terroristas surgiram em diferentes países europeus, muitas vezes sob o excesso de complacência das autoridades, e muitos terroristas chegaram a viver anos à custa da assistência social. Para o autor, “a imigração descontrolada não foi a única razão do declínio da Europa”. Entretanto, “considerada junto com outras desgraças continentais, ela remete a uma crise profunda; será preciso um milagre para tirar a Europa desses apuros”.  

Um dos assuntos que mais receberam a atenção do autor foi o aspecto demográfico. A taxa de natalidade na Europa está caindo faz tempo. A população mundial em 1900 girava em torno de 1,7 bilhão de pessoas, das quais uma em cada quatro morava na Europa. As estimativas existentes para os próximos anos são sombrias. As Nações Unidas estimam que a população da Alemanha irá cair de 82 milhões hoje para 61 milhões em 2050. Os 57 milhões de italianos passarão a apenas 37 milhões no meio do século. Praticamente nenhum país importante da Europa escapa deste destino preocupante.

Além disso, as pessoas estão vivendo cada vez mais, ou seja, a população está envelhecendo rapidamente. Pela primeira vez na história, existem mais pessoas acima dos 60 anos do que abaixo dos 20 em países importantes como Itália, Alemanha, Espanha e Grécia. Laqueur lembra: “Quando o Estado do Bem-Estar Social foi inicialmente implantado após a Segunda Guerra Mundial, a estrutura populacional das sociedades européias era muito diversa da de hoje; além disso, a expectativa de vida aumentou consideravelmente e continuará aumentando”. Há uma bomba-relógio pronta para detonar.

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A parte econômica é justamente a que mereceu pouca atenção do autor. Os principais países da Europa possuem uma elevada dívida pública, um passivo previdenciário crescente e uma carga tributária que já absorve praticamente a metade do PIB. Reformas que cortem as despesas estatais são uma necessidade, mas encontram forte resistência por parte dos grupos organizados, que não desejam abrir mão dos privilégios. Juntando os problemas provenientes da tensão cultural causada pela imigração descontrolada, a demografia desfavorável e o excesso de governo atravancando a economia, o cenário para o futuro europeu não é dos melhores.

Se nada significativo se alterar nesse curso, poderemos presenciar, nesse século ainda, o declínio da Europa. Somente o tempo vai dizer se essas previsões mais pessimistas irão mesmo se concretizar. Mas os riscos existem e não podem ser minimizados. A Europa está em crise.

Rodrigo Constantino