• Carregando...
“Desfamilização”: o impacto do “welfare state” no processo de destruição da família
| Foto:

Após um texto introdutório, outro sobre o sistema de saúde, e um terceiro sobre o ensino público, chego agora ao quarto artigo como resenha do excelente livro Welfare of Nations, do britânico James Bartholomew. Dessa vez o tema será o impacto do estado de bem-estar social na família.

O autor sustenta a tese de que o mundo ocidental sofre hoje o que poderia ser descrito como uma “desfamilização”, ou seja, o esgarçamento e a destruição das famílias. São vários os suspeitos do crime, como o sempre citado avanço tecnológico e a mudança de valores, alimentada pelo movimento feminista. Mas o autor encontra o DNA de um principal culpado – que nunca é mencionado – em todas as cenas do crime: o “welfare state”.

Por conta de um perverso mecanismo de incentivos, os governos acabam fomentando os “lares partidos”. Um exemplo bem básico é a maior facilidade concedida pela maioria deles a mães solteiras, especialmente em relação à moradia. Ora, se é muito mais fácil conseguir furar a fila e obter um “abrigo social” sendo divorciada ou solteira, é claro que os mais pobres vão se adaptar e reagir a esse incentivo. O resultado é uma descriminação às famílias mais pobres, com pais e mães, que lutam para sustentar seus filhos. Diz o autor:

É um pensamento grotesco que os pais deixariam suas famílias ou que as crianças negariam a presença de um pai, mas a situação pode surgir porque o custo e a alocação de habitação pública na América, como na Grã-Bretanha, são ajustados de acordo com as necessidades dos inquilinos. […] Desta forma, a habitação pública pode fazer da “monoparentalidade” uma opção mais atraente do que seria de outra forma. Pode penalizar casais.

Como as filas de espera para uma habitação dessas são enormes e crescentes, há todo tipo de incentivo perverso em jogo: não arrumar logo um novo emprego, especialmente se for longe dali; não casar para não perder o benefício para uma outra mãe solteira; mentir sobre eventuais trabalhos para continuar podendo pleitear as vantagens; etc. Na Inglaterra, mais de 1,8 milhão de pessoas aguardavam uma habitação em 2011, um aumento de 76% em relação a 2000. Na França eram 1,2 milhão, e na Itália 630 mil. Eis o resultado da política adotada: mães solteiras correspondem a 57% das inquilinas em idade adulta nas casas populares americanas, enquanto apenas 8% são de casais.

Isso sem falar que vários desses projetos de habitação social se mostraram totalmente fracassados, tornando-se redutos de crime, prostituição, tráfico de drogas, apesar dos bilhões e bilhões gastos, muitas vezes sem a devida transparência. Os franceses sequer sabem a quantia certa gasta nesses projetos, mas sabem que é bem vultuosa. Nos Estados Unidos o orçamento é superior a $ 40 bilhões para projetos de moradia popular. São subsídios cada vez maiores, enquanto os problemas parecem só aumentar.

Outro efeito indireto na destruição da família vem por conta da mentalidade que o “welfare state” produz como substituto dela. Em Cingapura, onde o “welfare state” é bem menor (justamente porque não há democracia plena), o governo só ajuda depois que as alternativas se esgotaram, a começar pela própria família. Não se consegue um só centavo do governo se você vive com os pais e eles têm condições de te ajudar. Espera-se que a família possa ser o porto-seguro, o emprestador de última instância.

Mas nos países com pesado “welfare state” isso não é mais assim. A própria ideia de que há um dever moral das famílias em oferecer ajuda em casos de crise tem desaparecido, e vem sendo sistematicamente substituída pela crença de que é dever do estado cuidar de todos em situação delicada. A palavra “dever” (“duty”) despencou de uso: pesquisas apontam para uma redução de até 70% em apenas um século!

“Nós oferecemos ajuda, mas de tal maneira que somente aqueles que não têm outra escolha irão buscá-la. Isso é o oposto das atitudes no Ocidente, onde os esquerdistas encorajam ativamente as pessoas a exigir seus direitos sem nenhum sentimento de vergonha, causando uma explosão de custos de bem-estar”, disse Lee Kuan Yew, o “pai-fundador” de Cingapura. Será que ele não tem um ponto?

Se incentivos importam, os valores também. No Japão, por exemplo, a crença de que o melhor para as crianças é ter os pais biológicos juntos cuidando delas (crença corroborada por todas as principais pesquisas já realizadas até hoje na área) está bem enraizada na população. Por isso que as taxas de divórcio são bem menores do que a média ocidental: uma em cada 50 crianças nascem fora do casamento.

Na Suécia, muitos sequer entendem o choque que pode causar nos outros falar em tantos pais separados: o índice chega a 60% no país escandinavo! E o estado faz de tudo para facilitar a vida da mãe solteira, como se fosse a melhor coisa do mundo para as crianças. As creches estatais estimulam que os bebês sejam colocados nelas cada vez mais novos, apesar de estudos apontarem para a importância das mães com seus filhos nos primeiros anos de formação. A religião mais fanática dos suecos hoje é a “independência das mulheres”, e nada que afete isso pode ser sequer debatido.

Na Itália, onde a família tradicional sempre foi um conceito bem estabelecido, a preocupação com as mudanças tem sido crescente, e foi lá que o termo “desfamilização” foi cunhado. Bartholomew comenta o quão rápido tem sido essa mudança: “A proporção de nascimentos fora do casamento em todo o mundo avançado saltou para um novo patamar. Isso aconteceu em uma única geração. Em 1980, uma em cada nove crianças nasceu fora do casamento. Em 2007, a proporção subiu para uma em cada três”. 

Mas a mudança não é na mesma velocidade em todo lugar, mostrando que a tecnologia por si só não dá conta de explicar o fenômeno. Os fatores cultura e incentivos estatais são muito relevantes. Na Islândia, dois em cada três nascimentos ocorrem fora do casamento. Na Coreia do Sul, apenas um em cada 66! O mundo moderno sozinho não explica tais variações. Não há uma inevitabilidade de maternidade solteira em massa. E não pensemos que isso é irrelevante, pois, como mostra o autor após longos estudos:

Em comparação com as crianças que crescem em famílias estáveis e com dois progenitores, as crianças nascidas fora do casamento chegam à idade adulta com menos educação, ganham menos renda, têm um status ocupacional mais baixo, têm maior probabilidade de estarem ociosas (isto é, não empregadas e fora da escola), são mais propensas a ter um filho fora do casamento, têm casamentos mais problemáticos, experimentam taxas mais elevadas de divórcio e relatam mais sintomas de depressão.

A probabilidade de abusos sexuais também aumenta, assim como de delinquência juvenil para filhos sem seus pais juntos. Um estudo mostrou que a proporção de “drop outs”, ou seja, daqueles que abandonam o ensino, era de 13% para crianças com os pais casados e 37% para crianças sem os pais casados. A conclusão é inequívoca para o autor: “crianças estão em situação melhor com seus pais naturais casados”.

E não adianta o leitor pensar nos seus amigos de elite; estamos falando principalmente dos mais pobres, alvos do “welfare state”. São eles os que mais sofrem com essas mudanças todas. Os negros e latinos nos Estados Unidos nascem fora do casamento em proporção muito maior do que os brancos: acima de 70% dos casos! E as consequências são terríveis. Quem não quer acreditar em mim, no autor ou nas estatísticas, talvez queira acreditar em Barack Obama, que disse em 2008: “Sabemos as estatísticas: que as crianças que crescem sem um pai são 5 vezes mais propensas a viver na pobreza e cometer crimes; 9 vezes mais propensas a abandonar a escola; e 20 vezes mais propensas a acabar na prisão”.

“Trazer uma criança à existência sem uma perspectiva justa de poder não só alimentar seu corpo, mas a instrução e treinamento para sua mente é um crime moral, tanto contra a criança infeliz como contra a sociedade”, escreveu John Stuart Mill. Mas isso foi em outros tempos! Hoje, ninguém mais precisa se sentir culpado por colocar no mundo crianças sem ter a menor noção de como sustentá-las, ou dedicar tempo e atenção para educá-las. Para isso há o “welfare state”, o estado-babá, que vai cuidar de todos do berço ao túmulo.

O que podemos extrair disso tudo? “A relevância é a seguinte: os estados assistencialistas podem estar influenciando a incidência da ‘monoparentalidade’ e da creche. Desta forma, eles podem estar afetando a felicidade e o bem-estar de milhões de crianças e seus pais”. O que era para ser em prol da felicidade geral, tem se mostrado uma grande tragédia, que tem nos mais pobres as maiores vítimas. Talvez esse seja o mais grave sintoma de fracasso do “welfare state”: a destruição da família e, com isso, do futuro de milhões de crianças.

Rodrigo Constantino

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]