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Governo estuda reduzir exigências em privatizações, mas ainda é muito pouco
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Já contei essa história aqui algumas vezes, mas vou repetir, pois acho que ela ilustra bem aquilo que vejo como o DNA ideológico da presidente. Assim que o PT foi eleito em 2002 e Dilma foi apontada como ministra de Minas e Energia, fui, com outros analistas, a uma reunião em Brasília com ela para debater o futuro do setor. Quando perguntada sobre declarações do petista Pinguelli Rosa sobre um retorno “justo” de apenas 5% para investimentos em energia, e se isso não afastaria interessados, Dilma colocou o dedo em riste e disse: “Quem foi que disse que é preciso mais do que 5% de retorno nesse setor?”

Ali eu tive certeza estar diante de uma talibã do estatismo, de uma intervencionista empedernida que realmente acreditava no estado como locomotiva do progresso e que desconhecia por completo o funcionamento do mercado. A arrogância fatal dos “desenvolvimentistas” que enxergam a economia e a sociedade como um tabuleiro de xadrez em que podem mexer nas peças ao seu bel-prazer, impunes. Eles ignoram os preceitos básicos da economia. Ali eu já sabia que o fator ideológico seria determinante no governo Dilma, que lhe faltaria pragmatismo, humildade.

Pois bem: essa lembrança veio à mente ao ler que o governo, com a crise econômica e a Lava-Jato no cangote das empreiteiras, pretende reduzir as exigências nos leilões de privatização das rodovias e aeroportos:

Diante do agravamento da crise econômica e do impacto da Operação Lava-Jato no setor de infraestrutura, o governo estuda reduzir as exigências previstas nas privatizações da segunda fase do Programa de Investimento em Logística (PIL 2). Na avaliação da área econômica, embora já exista um interesse genuíno pelos projetos do PIL 2, é preciso fazer ajustes que assegurem um nível mínimo de concorrência. Até agora, o governo recebeu nada menos que 414 Propostas de Manifestação de Interesse (PMIs) para as obras de rodovias e aeroportos e aprovou 316. Mas esses pedidos não asseguram, na prática, a participação desses potenciais investidores nos leilões.

Uma das mudanças em estudo é diminuir a necessidade de investimentos dos grupos que vencerem as concessões de rodovias para a duplicação de estradas antes do início da cobrança de pedágios. Na proposta inicial, as empresas deveriam duplicar até 10% do trecho total num período mínimo de um ano para poder começar a cobrar as tarifas. Mas a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda já propôs à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) que o percentual seja reduzido pela metade, para 5%.

— Dadas as circunstâncias econômicas que a gente vive, valeria a pena considerar até que ponto se poderia flexibilizar algumas exigências — afirmou ao GLOBO o secretário de Acompanhamento Econômico, Paulo Corrêa.

Sem dúvida um passo positivo, se ocorrer. Mas é muito, muito pouco! E ainda denota o ranço ideológico estatizante. Reparem que o governo ainda parte da premissa de que sabe melhor o que deve ser feito, qual deve ser o investimento e onde. As concessões, fruto da dura realidade, ainda não levam em conta a essência da mentalidade adequada do livre mercado, em que o governo deve deixar a própria iniciativa privada decidir seus investimentos, e no máximo regular e cobrar as regras do jogo. Mas não cabe ao governo substituir os empresários no processo de decisão dos investimentos.

Em artigo publicado hoje no GLOBO, o economista Raul Velloso defende exatamente essa ideia, que parece radical apenas num país atrasado como o Brasil, onde o estado ainda é visto como um messias salvador da Pátria, uma locomotiva do progresso e um bom empresário. Após defender uma reformulação total do modelo de concessões, Velloso conclui:

O governo precisa entender melhor como funciona a economia de mercado, onde atua seu principal parceiro nas concessões, o investidor privado. O ponto central é que o investidor compara alternativas de investimento disponíveis e só abraçará as concessões de infraestrutura se o retorno esperado for competitivo com os demais.

Em vez de aceitar que a competição nos leilões leva naturalmente às tarifas e retornos adequados, o governo insiste em jogar toda a força de sua pesada atuação no sentido de reduzi-las, se não na largada do processo, quando o privado tem mais opções para decidir, mas ao longo de todo o período que dura uma concessão de infraestrutura. Resultado: os planos acabam não se materializando.

O novo comando, então, deveria ser: equipemos melhor as agências reguladoras e deixemos o setor privado atuar livremente, que eles darão conta do recado.

Exatamente. Mas, para tanto, é preciso mudar a premissa, aceitar que é o setor privado, não o governo, quem melhor sabe investir. É preciso abandonar a crença boba de que cabe ao governo decidir níveis de retorno de investimento como se ele tivesse a capacidade de adulterar as leis de mercado com seus decretos. É preciso, acima de tudo, não ter uma presidente arrogante que acredita no modelo estado-empresário como quem crê numa seita religiosa, a despeito de todas as evidências de que tal modelo é um fracasso.

Com Dilma lá, não corremos esse “risco” de ir pela direção correta. A “presidenta” só consegue olhar para a esquerda. É mais forte do que ela. Está em sua natureza “desenvolvimentista”.

Rodrigo Constantino

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