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Jairzinho: o presidente que virou rainha da Inglaterra
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Era uma vez o Jairzinho. Ele jamais empreendeu na vida, nunca gerou um emprego na iniciativa privada. Descobriu que poderia levar uma vida muito boa como deputado de um nicho ideológico, inclusive emplacando três filhos na política, sem ter sequer que trabalhar muito no Parlamento. Bastava fazer discursos, atacar os inimigos, reais ou imaginários. Trocar insultos era mais interessante do que propor projetos de lei, pois atraía os holofotes da mídia. E quando era para votar, normalmente escolhia o lado errado.

Até que um dia os astros conspiraram a seu favor e, após uma facada, Jairzinho conseguiu o impensável: virou mesmo o presidente daquele grande país! Muitos liberais festejaram, não tanto pela capacidade dele ou seu histórico, mas pelo “posto Ipiranga” que ele apontou para cuidar da área econômica, um liberal de verdade, e também porque a alternativa era muito pior: a volta da quadrilha vermelha, que havia destruído o país.

Mas vários levantavam pontos importantes: há equipe suficiente para tocar uma nação complexa dessas? O compromisso com o liberalismo é real ou oportunista? Sem base partidária, detonando a própria atividade política e investindo contra o Congresso nos discursos, como governar de fato, como aprovar reformas, emendas constitucionais? Aquela ala mais ideológica e fanática não vai criar polêmicas desnecessárias? Eram todos ignorados: questões insignificantes. É uma “nova era”, e o “mito” vai impor a agenda do “povo” aos safados da “velha política”. Como? Não importa!

E aí começaram os problemas. Falar no palanque é uma coisa; administrar um governo federal é outra, bem diferente. Em apenas seis meses de governo, vários ministros já tinham sido demitidos, normalmente após fritura nas redes sociais. Era a nova forma de governar: um dos filhos de Jairzinho, que tinha o controle de sua conta nas redes sociais, passava o dia atacando “traidores”. Contava com o apoio do seu guru, um velho doido que vivia num país distante e, de lá, passava o dia a conspirar por uma revolução, entre um xingamento e outro aos seus desafetos.

Metade do primeiro ano de gestão, e ao menos 30 pessoas de ministérios ou alto escalão já tinham ido para o olho da rua. Diante desse fato incômodo, havia duas narrativas possíveis: endossar as paranoias do filho e chamar todos de traidores; ou admitir que os críticos tinham razão ao apontar para as potenciais falhas de experiência e time de quem surfou uma onda conjuntural sem se preparar bem para a possibilidade de vitória, ou seja, de quem viveu em eterna campanha eleitoral. Os seguidores de Jairzinho, bastante fanáticos, escolheram a primeira opção sem pestanejar: o mito não erra!

Só há um pequeno problema com essa versão: ao se tornar presidente, Jairzinho virou o chefe do governo, o responsável pela escolha de sua equipe, seu ministério. E muito foi festejado no começo, quando os critérios para tais escolhas foram apontados como estritamente técnicos, sem qualquer conchavo político. Foi ignorado que, em política, é preciso contemporizar, compartilhar o governo, ceder pastas para ter base de apoio maior. Chama-se “fazer política”, ou articulação, termo que foi demonizado pelos fieis de Jairzinho.

Só que isso produziu um efeito ainda pior em termos de responsabilidade do presidente: se ele não havia aderido aos velhos hábitos, se suas escolhas foram totalmente técnicas, então isso significava que ele tinha mais ingerência ainda no governo, chamando para si o fardo da decisão, sem precisar se submeter às imposições partidárias. O mérito de seu governo seria quase todo seu, investido numa figura de “déspota esclarecido” que peitava o Congresso corrompido. Mas… o corolário disso é que o demérito também seria quase todo seu!

Qualquer CEO de empresa que concentrasse tanto poder e apontasse inúmeros subalternos seria sumariamente demitido se vários se mostrassem depois incompetentes ou traidores. No mínimo ele seria responsabilizado por sua incapacidade de detectar falta de caráter. Mas Jairzinho tinha um efeito Teflon e nada sujo grudava nele. Sua militância era voraz na hora de blindar o mito de qualquer crítica ou ataque.

Quando as reais dificuldades de se governar foram se mostrando evidentes, os alertas dos críticos precisaram ser abafados, esquecidos. Eram apenas “corneteiros do fracasso”, que torciam contra o sucesso do governo, e também do país. Entender que era perfeitamente possível desejar o avanço do país, das reformas, e por isso mesmo tecer críticas construtivas não fazia parte do repertório binário dos maniqueístas.

O tribalismo já era total: como numa torcida organizada de futebol, ou o sujeito estava totalmente ao lado do governo, com lealdade canina ao presidente, ou era um dos traidores comunas. Não havia mais espaço para nuances, para o cinza. Aqueles liberais que temiam a falta de experiência de Jairzinho, o fanatismo de parte de seus aliados, e o discurso antipolítica de sua campanha, tinham de ser ridicularizados nas redes sociais como uma cambada de frouxos, incapazes de entender que guerra é guerra, e que nosso capitão pode tudo.

Prever que haveria uma inevitável reação do Parlamento era um ato de traição já, de falta de imaginação: as mudanças seriam aprovadas “na marra”, com o “apoio popular”, com o “povo” nas ruas. Estamos, afinal, na nova era! E quando uma espécie de “parlamentarismo branco” foi de fato surgindo no país, os seguidores de Jairzinho intensificaram os ataques à política, como se não tivessem qualquer ligação com aquilo.

Um conservador de boa estirpe, porém, lembrou que o conservadorismo defende um Parlamento forte, não o poder ilimitado de um presidente, como se fosse um imperador ou monarca absolutista. A Carta Magna, assinada em 1215, era o símbolo desse limite ao poder Executivo imposto por um Parlamento independente. Descentralização de poder, pesos e contrapesos, democracia representativa em vez de direta ou plebiscitária, instituições sólidas em vez de culto à personalidade: esses eram os valores conservadores!

Foi então que aqueles com mais conhecimento não acharam tão ruim assim quando Jairzinho, de presidente, virou uma rainha da Inglaterra. Ele poderia focar em Golden Shower, em Fórmula 1, em tomadas de três pinos ou pontos de multa para bebê sem cadeirinha, enquanto seu “posto Ipiranga” fazia o trabalho duro de articulação com o Parlamento, finalmente aprovando a reforma mais necessária da lista, a mesma que Jairzinho nunca demonstrou ter de fato como sua prioridade.

Rodrigo Constantino

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