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Jason Bourne: entre a segurança pública e a privacidade individual
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Fui ver neste domingo “Jason Bourne”, a volta do agente da CIA interpretado por Matt Damon, que perdera a memória após ser transformado numa máquina assassina pela agência de espionagem e está em busca de respostas. A trilogia fora um sucesso, e o novo filme é igualmente bom. Adrenalina do começo ao fim, cenas incríveis de perseguição, muita ação que prende o público na poltrona, anestesiado de tanto estímulo audiovisual. Diversão garantida.

Mas há também um bom dilema filosófico e político como pano de fundo: até que ponto devemos ir no avanço sobre a privacidade em busca de segurança pública? Em tempos de vazamentos da Wikileaks, de Edward Snowden, de Facebook e WhatsApp acusados de servirem aos interesses de terroristas, seria legítimo o governo bisbilhotar com a cumplicidade dessas empresas de redes sociais a vida dos indivíduos?

Não há resposta fácil aqui, e o filme rompe com o modelo maniqueísta de bonzinho e malvado. Não fica claro quem joga a favor da nação e quem é inimigo na trama. Há uma região cinzenta, apesar de a CIA ser sempre retratada com certo desprezo por Hollywood. Até onde o pragmatismo patriota pode ir no processo de ignorar direitos básicos dos cidadãos para garantir a segurança geral?

Não é um dilema nada novo, claro. Foi tema de debate entre os “pais fundadores”. É uma preocupação de todo liberal desde sempre. A resposta simples é, como quase sempre, equivocada. Meu novo livro Panaceia, o primeiro de ficção com as aventuras do padre Otávio de Ramalho, lida com essa questão. Eis as frases que destaco na epígrafe:

“Os maiores e mais importantes problemas na vida são todos de certa forma insolúveis; eles não podem ser solucionados, mas apenas superados.” (Carl Jung)

“Para cada problema complexo, há uma resposta clara, simples e errada.” (H.L. Mencken)

“Não sou jovem o suficiente para saber tudo.” (Oscar Wilde)

“Todo o problema com o mundo é que os tolos e fanáticos estão sempre tão certos de si mesmos, mas as pessoas mais sábias estão tão cheias de dúvidas.” (Bertrand Russell)

“Muitos problemas não são resolvidos; eles são substituídos por outras preocupações.” (Thomas Sowell)  

“Somos condenados a escolher, e cada escolha traz o risco de uma perda irreparável.” (Isaiah Berlin)

O livro é dedicado a todos aqueles que sonham encontrar A Cura. Em alguns dilemas morais, como o nome já diz, não há uma única resposta correta, inequívoca, óbvia. Quem pensa assim está navegando em águas perigosas. A escolha, na prática, costuma ser um trade-off: prefere-se o ganho esperado à perda projetada. Mas não há certezas. Busca-se um equilíbrio, por tentativa e erro. Cede-se um pouco mais de liberdade e privacidade em troca de um pouco mais de segurança, sem jamais o ponto perfeito ser encontrado.

Como um liberal, prefiro sempre errar para mais liberdade, ainda que represente, talvez, um pouco menos de segurança. A privacidade dos indivíduos é um bem valioso demais para ser entregue de bandeja em troca da sensação de mais segurança. Mas não sejamos utópicos e infantis também. Não ataquemos os esforços dos governos democráticos de garantir nossa proteção como inexoravelmente autoritários.

Podemos pensar em ações preventivas da polícia na questão da segurança doméstica: é mesmo um erro algum tipo de profiling na hora de abordar ações suspeitas? Mesmo quando sabemos, estatisticamente, que ações deste tipo reduzem a criminalidade? E no que tange o terrorismo islâmico? Devemos simplesmente ignorar as ameaças em nome da total proteção dos direitos individuais?

Quando um Donald Trump propõe de forma simplista um banimento temporário de qualquer imigrante muçulmano, sabemos estar diante de uma proposta absurda. Mas até que ponto o outro lado não cai no mesmo erro, ou até num maior ainda, ao se recusar falar em ameaça coletiva que vem claramente de uma determinada religião, e não de outras?

Durante a Segunda Guerra, decisões drásticas foram tomadas contra os japoneses na América, mesmo que certamente isso significasse uma injustiça com muitos indivíduos. No mundo real não há espaço para soluções mágicas e perfeitas. O debate adulto não pode se pautar por utopias e romantismo. Como dizia Truman, quem não aguenta o calor deve se retirar da cozinha.

PS: O alerta de filmes que sempre batem na CIA é válido nesse aspecto ao menos: o poder corrompe. E por isso é preciso buscar mecanismos de pesos e contrapesos, pois o risco de abuso de tanto poder secreto será sempre enorme.

PS2: É cômico ver os filmes do personagem Bourne, repletos de tiros e violência, e depois ver o ator Matt Damon bancando o pacifista a favor do desarmamento, chegando a afirmar que recusa filmes muito violentos para não incentivar seu público na direção errada. Imagina se ele aceitasse fazer filmes violentos…

Rodrigo Constantino

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