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Há uma postura associada ao liberalismo radical que já denuncio faz algum tempo, e que ganhou o apelido de “liberteen” nas redes sociais. É quando libertários, normalmente jovens, parecem ter descoberto a “pedra filosofal” e, com típica cabeça de planilha, resolvem pregar uma revolução da sociedade, para que tudo se encaixe em seus dogmas. Foi por entrar em choque com esse tipo de mentalidade que abandonei de vez o libertarianismo, a ponto de meu próximo livro ser justamente sobre as confissões de um ex-libertário.

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Para esses “liberteens”, a narrativa costuma ser bem simplista, quase marxista até: existe uma luta de classes em curso no mundo, e de um lado temos os malvados do estado, enquanto do outro temos o povo oprimido. Se o estado for destruído, teremos finalmente a liberdade plena, com agências de segurança sendo contratadas voluntariamente para proteger nossos direitos naturais. Utopia à parte, o que chama atenção é o maniqueísmo desse discurso.

Não há espaço para qualquer tom de cinza, para realismo, para a realidade. Ou o sujeito é totalmente contra o estado, ou ele é um agente da opressão estatal. Como um funcionário público poderia, por essa ótica, ser um liberal? Na cabeça dos “liberteens” mais radicais, impossível. Como um empresário que sobrevive na selva burocrática brasileira pode ser um liberal “de verdade”? Se já usou algum benefício legal do estado, não pode.

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E esse foi justamente o caso que suscitou esse artigo. A turma do ILISP, que gosta de colocar o liberal do Instituto Liberal entre aspas, pois nos considera “socialistas” ou “reacionários”, publicou um ataque desnecessário e infantil a Flávio Rocha, dono da Riachuelo e que tem liderado um movimento de nova independência do Brasil. Eis a mensagem:

Essa rapaziada provavelmente nunca empreendeu de fato no Brasil, nunca produziu nada, nunca teve uma lista com centenas ou milhares de funcionários que dependessem do sucesso da empreitada. Desconfio que alguns dependem do papai até hoje. Um grande empresário não pode jantar com uma presidente, não pode jamais ter tomado empréstimo do BNDES, senão já era, não presta, é comuna. Luciano Ayan rebateu o papelão:

Sim, eles passaram vergonha com essa postagem, ao menos em círculos mais sérios. É uma pena, pois o ILISP acerta de vez em quando, tem alguns textos bons. Mas é por esse tipo de conduta que eu faço questão de deixar claro que eles não têm ligação alguma com o tradicional Instituto Liberal, fundado na década de 1980 por Donald Stewart Jr. e que teve o apoio de empresários como Salim Mattar, da Localiza.

É por essas e outras também que lancei meu curso “Civilização em Declínio: Salvando o liberalismo dos “liberais”“, tentando afastar a tradição liberal dessa juventude rebelde e revolucionária, aprisionada em sua Torre de Marfim. Na coluna da IstoÉ desta semana, que já conta com mais de 35 mil curtidas, toco no assunto, celebrando os empresários que finalmente saem da toca, citando inclusive o nome de Flavio Rocha. E explico sobre o BNDES:

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Aqueles que cobram coragem dos empresários, portanto, podem estar exigindo um grau de heroísmo quase suicida. Querem mártires, não empresários conscientes. Os que exigem total afastamento do governo pedem ainda mais: acham que o empresário deve virar as costas para instrumentos legais disponíveis, sendo que seus concorrentes não farão o mesmo.

Tal postura seria imprudente e condenada pelos diversos acionistas de suas empresas, pois o gestor tem um dever fiduciário de, dentro da lei, buscar maximizar o valor dos ativos. Não é crime pegar um financiamento subsidiado. O liberal quer acabar com o BNDES justamente porque entende a distorção que ele causa no mercado, levando as empresas a “investir” em lobby em vez de produtividade.

No mundo real da política, um mínimo de pragmatismo se faz necessário. Ao menos na conversa de adultos. Agora, se o objetivo é só jogar para a plateia adolescente, alimentando a sensação de “pureza” que as “seitas fechadas” fornecem, aí tudo bem. Aí o “liberteen” pode ligar sua metralhadora giratória contra tudo e todos, e posar de único defensor da verdadeira liberdade – aquela inexistente e utópica.

Mas num país que tem 60 mil homicídios por ano, um governo inchado que controla metade do PIB, mais de 13 milhões de desempregados, doutrinação ideológica nas escolas, falta de saneamento básico e tantos outros problemas causados pelo excesso de estado, ficar brincando de revolucionário purinho nas redes sociais não é algo muito útil, ainda que possa ser divertido.

Detonar os grandes empresários que lutam por mais liberdade, com o argumento de que não lutam por liberdade “plena e absoluta” ou que não se mantiveram totalmente afastados do governo, pode até dar uma “vibe” na galera, produzir uma adrenalina em quem se julga o cruzado contra hereges, mas não vai resolver o problema de ninguém.

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Até porque no final do dia algum político terá de ser eleito, e ele será mais ou menos alinhado ao liberalismo. Não há alternativa no mundo real…

Rodrigo Constantino