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Lógica elementar: abutres só avançam sobre carniça. Ou: A Argentina cavou seu próprio buraco
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O abutre é sintoma da morte, não sua causa... O abutre é sintoma da morte, não sua causa…

A Argentina volta às páginas dos jornais de economia do mundo todo, com o risco de nova rodada de calotes agora que a Suprema Corte americana reconheceu os direitos dos credores que se recusaram a engolir os termos impostos pelo governo na reestruturação de sua dívida externa no começo do novo século.

A esquerda brasileira, que até ontem defendia o modelo argentino, assume uma das duas posturas: ou procura se afastar taticamente do novo fracasso, como se nunca tivesse aplaudido as medidas do governo Kirchner na esperança de que a memória dos demais seja curta; ou apela à velha vitimização, endossando a retórica sensacionalista do próprio governo Kirchner, como se o país fosse alvo de um “ataque especulativo” dos fundos “abutres”.

Falemos mais do segundo caso, já que o primeiro, apesar da imensa cara de pau, ao menos denota a compreensão de que o desenvolvimentismo falhou uma vez mais no país vizinho. Abutres só avançam sobre carniça. Elementar, meu caro Watson! São animais que se alimentam de carne em estágio de putrefação. Não atacam bichos saudáveis.

Apesar de algo lógico, isso costuma ser ignorado pelos adeptos da vitimização. O termômetro só aponta a febre do doente, sintoma de seus problemas. Ele não cria a própria doença. Os “especuladores” podem até explorar as fraquezas de certos países para ganhar dinheiro, como faz George Soros, o bilionário especulador adorado por parte da esquerda “progressista” por milhões de motivos (muitos milhões). Mas eles não inventam essas fraquezas.

É análogo, se for para forçar a barra, aos agiotas. Quando alguém bate na porta de um, é porque já está encalacrado até o pescoço com dívidas. O agiota não é o culpado por isso. O culpado é o endividado. Quando governos imploram por recursos de especuladores ou do FMI, isso quer dizer que foram irresponsáveis na gestão da coisa pública. E a Argentina desarrumou a própria casa, cavou o próprio buraco. Foi o recado de Alexandre Schwartsman em sua coluna de hoje na Folha:

De fato, até há pouco o país era o preferido dos nossos “keynesianos de quermesse”, com seu modelo que privilegiava a administração da taxa de câmbio, devidamente apoiada pela política monetária que, para manter o câmbio depreciado, não podia ser utilizada para controlar a inflação.

O descaso com a inflação, porém, tem custos. Preços administrados foram “congelados”, desarticulando serviços públicos, assim como alguns preços da cesta básica. Subsídios para compensar este problema foram gradualmente erodindo as finanças públicas e o resultado primário do governo nacional, que havia chegado a 3-4% do PIB entre 2004 e 2008, minguou para um déficit em torno do 1% do PIB no ano passado.

Não bastasse isto, as estatísticas oficiais foram maquiladas: enquanto o índice de inflação calculado pelo governo insistia em taxas inferiores a 10% ao ano, estimativas de consultores privados sugeriam algo entre 25% e 30% ao ano, o que os levou a serem perseguidos pela máquina pública.

O resultado foi desconfiança generalizada, retração do setor privado, reforçadas pela atitude beligerante do governo, e, portanto, baixo crescimento e desorganização da economia.

Isso tudo, somado à fuga de capitais, levou ao caos atual. É uma tragédia anunciada, que surpreende apenas os esquerdistas. Schwartsman ainda ironiza o ataque dessa esquerda aos “pessimistas” e “conservadores” que apontam semelhanças entre o modelo argentino e o brasileiro do governo Dilma. Não vamos aprender nada com os erros alheios?

Apesar do ataque que sofrem dos populistas, os investidores lutam na justiça apenas pelo direito básico de receber aquilo que é seu. Na hora de atrair investidores do mundo todo, com seus demandados dólares, euros e ienes, esses governos de países emergentes fazem de tudo e são só elogios ao capital especulativo. Depois querem simplesmente dar uma banana para os gringos e ficar por isso mesmo? Nem a pau, Juvenal!

A esquerda precisa parar de acreditar em “almoço grátis”. A credibilidade de um país é fundamental para o seu progresso, e esta credibilidade se constrói com muito esforço, respeitando contratos ao longo do tempo, pagando todas as contas devidas. Caloteiros não gozam de respeito e só conseguem atrair capital pagando juros altos demais. O preço sai caro.

O governo argentino, cuja equipe econômica é liderada pelo jovem desenvolvimentista Axel Kicillof, que foi festejado como um grande popstar e gênio das finanças pela ala canhota, escolheu o caminho da retórica sensacionalista, tentando se fazer de vítima. Não colou. Agora parece mais disposto a sentar à mesa e tentar negociar com os credores, que têm direitos legítimos sobre seus recursos.

Veremos o final da novela – ou do tango, que pode ter impacto negativo para o Brasil, caso o calote seja a escolha tomada. É lamentável que de tempos em tempos os países latino-americanos caiam nas mesmas armadilhas do passado. Aprendemos com a História que poucos aprendem com a História…

Rodrigo Constantino

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