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Monstrinhos rebeldes, a turba descontrolada e o rebolado dos bolsominions
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Quem não aprende com o passado está condenado a repeti-lo. O brasileiro, sendo preguiçoso, não quer estudar história – quer “agir”. O resultado é essa revolta difusa contra “tudo e todos que estão aí”, contra o “sistema”, depositando sua fé no “povo”, normalmente por meio de um líder popular (populista?) que saberá incorporar as demandas legítimas desse povo. Povo, essa linda abstração, como se fosse algo monolítico, coeso, uno, e não milhões de pessoas diferentes com pautas distintas. Nada mostrou melhor isso do que essa greve dos caminhoneiros.

Um agitador jogaria para a plateia, atiçaria os ânimos, insuflaria as massas. Alguém mais responsável faria alertas sobre o perigo da coisa sair de controle, da anarquia vingar, do caos reinar. “Revolucionários de Facebook” preferiram o primeiro caminho, mais fácil, mais irresponsável – e serão cobrados por isso. Eu cerrei fileira no segundo grupo, sabendo que perderia seguidores, que levaria chumbo grosso de quem se julga patriota porque resolveu aplaudir grevistas e baderneiros.

Em sua coluna de hoje, Carlos Andreazza, que sempre esteve no segundo time, subiu o tom e foi duro com os inocentes úteis, essa massa de manobra dos oportunistas de plantão. Diz ele:

Não se engane, leitor. O povo entrou de gaiato. Apoia hoje. Será tarde quando não apoiar mais. Para isso servem as massas de manobra. Manobra de quem? A ação bandida que paralisou o Brasil articula interesses de grupos de pressão classistas — inclusive patronais — e de movimentos político-partidários infiltrados e influentes entre os caminhoneiros autônomos, miseráveis instrumentos na disputa eleitoral de poder, pelo controle narrativo da obstrução do país, que opõe bolsonaristas e esquerdistas.

O investimento no caos é asqueroso e evidente: quer-se sequestrar o país, inviabilizar a administração pública e, se possível, derrubar o governo. O irmão caminhoneiro Janot já mostrara o caminho. A pauta do preço do combustível é secundária. O ímpeto está em fomentar a desordem — a anarquia. Tanto quanto óbvio é quem afinal vencerá — a história ensina — uma batalha que instrumentaliza o trabalhador. Não terá sido por falta de aviso.

[…]

Não importa, pois, a tunga do mundo real: que o governo, para além de anunciar que bancará o fim do PIS/Cofins e da Cide, tenha arriado as calças da responsabilidade para distribuir concessões que beneficiarão exclusivamente uma categoria, mas cuja conta será paga por todos. O liberalismo de beira de estrada, encarnado pelos patriotas de classe, e percebido e incensado pelos sensíveis intelectuais do jacobinismo de para-choque, outra vitória não merecia senão, por exemplo, a reserva de 30% dos fretes da Conab — uma estatal de abastecimento — para caminhoneiros autônomos, sem licitação. Parabéns.

Invista no caos e colha mais Estado. Invista no caos e revitalize — novamente — o lulismo. Invista no caos e eleja a esquerda. Parabéns.

Muitos investiram no caos, apostaram na desordem, promoveram a bagunça. Mas a coisa sai de controle, não é mesmo? Robespierre foi degolado. Danton foi guilhotinado também. Os líderes jacobinos sabiam como agitar o coreto, como instigar os revoltados, como alimentar os ressentidos. Só não sabiam como parar a turba desenfreada depois.

Agora temos Bolsonaro pedindo recuo, depois de seu assessor Bebiano tentar tirar uma casquinha da paralisação e de ele mesmo enaltecer a coragem dos caminhoneiros. Agora é só cautela, alertando que é hora de parar, pois a conta, que é do governo, vai recair em seus colos. Em entrevista, o pré-candidato parecia a voz da moderação, dizendo:

A coisa chegou num ponto que precisa refluir. Aí entra o aspecto político. Não interessa, acredito eu, para mim, para o Brasil, para quem quer a democracia, o caos agora. Querem tirar o Temer? A eleição está chegando, faltam cinco meses. Se faltasse um ano e meio, dois, três, tudo bem, pô. Estão faltando poucos meses. Por isso eu estou batendo na tecla de que a lei do voto impresso precisa ser cumprida, acabar com aquela suspeição sobre fraude.

Mas não era exatamente isso que nós liberais estávamos falando desde o começo? Defender só um pouquinho de revolução é como aquele malandro que promete só ficar nas preliminares no motel. E tem trouxa que acredita! Como vemos no vídeo que Bolsonaro gravou, a intenção era chamar a atenção para o problema, intimidar o governo, mostrar força, mas logo depois voltar ao normal. Isso soa como oportunismo eleitoral, não? Vejam:

O pior não é nem Bolsonaro mudar tanto de opinião em pouco tempo, mas sim seus seguidores fanáticos, conhecidos como “bolsominions”, que precisam concordar com o guru o tempo todo, e de forma cega, fervorosa. Logo, se antes era para aplaudir os caminhoneiros e agora é para voltar ao trabalho, então claro que isso é o certo, pois antes a greve era linda, libertadora, patriota, e agora é perigosa, esquerdista e oportunista.

Posso admirar o “rebolado bolsominion” pela lealdade, mas não pela honestidade ou inteligência. Então quer dizer que até ontem a greve dos caminhoneiros era o máximo, necessária, ia derrubar o sistema podre etc, mas hoje tudo mudou, houve infiltração esquerdista, o caos passou do limite e é preciso cautela? Mas não era exatamente isso que eu e outros “liberais covardes” estávamos falando, alertando, que ia acontecer?

No mínimo, essa turma tinha, então, que ter mais humildade para respeitar quem costuma acertar previsões, não quem estava jogando lenha na fogueira, insuflando a turba e agora se arrepende, não é mesmo? É preciso ter alguma coerência! Ou podem sofrer de paralaxe cognitiva e ficar reféns dos “revolucionários de Facebook” e filósofos distantes…

Claro que entendo o clamor legítimo de muitos caminhoneiros, a revolta cheia de razão do povo trabalhador. Como não entenderia se sou um dos que falam disso há anos, antes de o PT chegar ao poder, e depois passei toda a era lulopetista criticando a quadrilha socialista?! E querem me dar lição de patriotismo e anticomunismo agora? Mas o fato de terem razão na revolta não é sinônimo e estarem certos na receita. Quem planta vento colhe tempestade, e esta só interessa aos anarquistas baderneiros, à esquerda.

Também passei da idade e da ignorância de apostar todas as fichas no “povo”. Sim, sou aquele que vive atacando as elites “progressistas”, mostrando como elas perderam o contato com a realidade do povo, mas isso não quer dizer endeusar o tal povo, como se vox populi fosse vox dei. Não é! Quando o “povo” foi escolher, soltou Barrabás e crucificou Jesus Cristo. Gustavo Nogy resumiu bem:

Ser contra tudo não quer dizer nada. Dizer que alguma coisa tem de ser feita é aceitar que qualquer coisa seja feita, boa ou ruim. Creio em poucas coisas na vida, mas de uma tenho certeza: é mais fácil acreditar na Transubstanciação que nos poderes demiúrgicos desse desconhecido – o povo. Já não tenho mais quinze anos de idade, meus hormônios deram lugar aos meus neurônios, sinto muito por isso.

Mas muitos, indignados, não querem pensar, estudar, conhecer: querem reagir, quebrar, destruir. O ressentimento foi o motor de muita revolução que levou ao caos. E aqueles que alimentavam o ressentimento na turba acabaram devorados por suas criaturas também. Não dá para controlar uma massa ensandecida. Os mais fiéis ao guru, aqueles que precisam de um Osho para chamar de seu, vão com ele até onde ele diz que é para ir, e depois rompem com as “massas”, sem pestanejar. Mas as massas seguem seu rumo, sem freio, e engolem a todos – inclusive seus criadores.

Meus alertas, desde o começo, foram feitos para esses que querem alimentar monstrinhos como se pudessem depois manter o controle sobre eles, apertando “on” e “off”. Mas os monstrinhos adquirem vida própria. E aí pode ser tarde demais…

PS: Se Bolsonaro quer sair do nicho dos 20-25% dos eleitores, nicho similar ao de Lula, ele terá que ser mais moderado, se aproximar mais de Paulo Guedes e se afastar dos bolsominions, dos Frotas da vida, dessa cambada de fanáticos das redes sociais. Entendo a força da militância, mas há um momento em que esses “soldados” passam a jogar contra, pois ninguém razoável quer ser associado a uma gente tão tosca, fascistoide mesmo.

Rodrigo Constantino

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