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Narloch luta contra a maré vermelha e também contra a maré nacionalista autoritária
Narloch luta contra a maré vermelha e também contra a maré nacionalista autoritária| Foto:

Olavo de Carvalho chamou Leandro Narloch de idiota por conta de sua opinião sobre imigração. Narloch rebatia, por sua vez, Bolsonaro, que tinha chamado de “escória” os imigrantes haitianos. Olavo deveria usar menos adjetivos e focar apenas em argumentos: o debate ganharia muito. Nesse caso em particular, estou mais para o lado do Narloch. Será que sou idiota também?

Narloch apresenta fatos históricos para comprovar que vários povos foram tratados como “escória” no passado, mas ajudaram a construir mais prosperidade para o país. Alguém acha que os italianos que chegaram no Brasil eram da elite educada e esclarecida na média, e foram logo ser industriais grandes em São Paulo? Nada disso. Sei pois minha família por parte de mãe veio de lá, com uma mão na frente e outra atrás. Era da “escória” italiana. Diz Narloch:

Os japoneses, que para Olavo de Carvalho também foram chamados ao Brasil “para elevar o nível técnico da população”, são um belo exemplo. Oliveira Vianna dizia que “o japonês é como enxofre: insolúvel”. A revista O Malho publicava charges ridicularizando os imigrantes japoneses. “O governo de São Paulo é teimoso. Após o insucesso da primeira imigração japonesa, contratou 3.000 amarelos”, diz uma charge de 1908. “Teima pois em dotar o Brasil com uma raça diametralmente oposta à nossa”.

Nos debates da Assembleia Constituinte de 1946, a expressão “aborígenes nipões” é frequente. Por muito pouco os deputados não aprovaram a emenda 3.165, que proibia “a entrada no país de imigrantes japoneses de qualquer idade e de qualquer procedência”. A emenda teve apoio de Luís Carlos Prestes e os demais deputados comunistas.

Vejam só que informação deliciosa: quando o assunto é proibir a entrada de povos considerados escória, Olavo de Carvalho e Luís Carlos Prestes se aproximam. Quem diria.

Infelizmente, há mais pontos em comum na ala mais “reacionária” da direita e na esquerda estatizante, tanto que Geisel, do regime militar, era uma espécie de Dilma sem saias, criando várias estatais, e muitos conservadores ainda elogiam o legado econômico dos militares. Bolsonaro já se colocou a favor da censura prévia de biografias também, condenou a privatização da Vale no passado, chegando a chamá-la de crime de lesa-pátria, etc.

Sou pela aliança de todos – socialdemocratas civilizados, liberais, libertários e conservadores – contra o inimigo comum hoje no poder. Mas nem por isso preciso concordar com tudo que vem da direita mais radical, não é mesmo? Acima de tudo está minha independência de análise e minha honestidade intelectual, meus principais ativos que justificam as cem mil visualizações de página diárias no blog. É em respeito a você, leitor também independente, que escrevo tais linhas.

Não vamos esquecer de uma coisa muito importante: os Estados Unidos foram construídos à base de imigração! Irlandeses pobres, da tal “escória”, para começo de conversa. Vejam “Gangues de Nova York”, com Leonardo DiCaprio, para ter uma ideia de como era esquisito o negócio. Mas vejam onde chegaram, não sem a fundamental ajuda dos imigrantes.

O principal problema não é a imigração em si, e sim o modelo de estado adotado. Se há um “estado benfeitor”, um welfare state inchado e “bondoso” (com o esforço alheio), então a imigração será mesmo um problema, pela carona grátis oferecida que poderá atrair os espertos e vagabundos. Mas se há liberdade econômica e meritocracia, onde o indivíduo só avança se for por conta própria, então os imigrantes colaboram com o progresso da nação. Nesse aspecto, Olavo está certo ao apontar o assistencialismo como fator de atração desses imigrantes haitianos hoje:

Não vou negar que há uma diferença entre um típico imigrante do Haiti hoje e um italiano no passado, mesmo os mais ferrados e aventureiros. O background cultural faz toda a diferença. Mas Narloch tem um ponto sim: erra o alvo quem ataca a imigração por ela supostamente atrair os piores, pois se esses “piores” chegam com vontade de trabalhar para subir na vida, em busca de oportunidades, então eles são um asset, não uma liability.

Claro, estou deixando de lado, aqui, a questão islâmica, da impossibilidade ou dificuldade de assimilação cultural. O choque cultural quando o imigrante não aceita os valores principais de quem o recebe pode ser perigoso, como demonstra a Europa hoje. Mas, novamente, o problema não é bem a imigração em si, e sim o radicalismo islâmico.

Não vamos esquecer que os judeus foram e são tratados como “escória” por muitos, e que, historicamente falando, os povos que os expulsaram ou impediram sua entrada perderam muito com isso. Os judeus também foram fator de progresso em diversos países. Fechar as fronteiras para imigrantes em geral é uma postura típica de um nacionalismo tribal, que não combina nada com o liberalismo que defendo e que fez da América a potência que é.

Sei que não é bem a posição de Olavo e Bolsonaro, mas é o que sua mensagem, mal interpretada, acaba produzindo em muita gente. Já vi alguns por aí condenando qualquer imigração de gente mais pobre pois retiraria empregos dos brasileiros, ou então empurraria seus salários para baixo. Essa mentalidade está equivocada, e creio que Narloch faz bem ao tentar revertê-la, lembrando que imigrantes podem ser a locomotiva do progresso em vez do atraso.

Os cubanos são vistos por muitos americanos como essa “escória”, mas são parte essencial da prosperidade na Flórida. Um direitista americano poderia perguntar o que um típico cubano – ou mesmo um típico brasileiro – agrega ao seu país, condenando qualquer imigração de povos menos desenvolvidos. Seria algo positivo para os Estados Unidos? Creio que não.

Um brasileiro parte da “escória”, que trabalha duro para sustentar sua família, faz muito mais pelos Estados Unidos do que muito “intelectual” infiltrado na Academia e vendendo socialismo para os jovens. A diarista que faz a faxina uma vez por semana na minha casa é infinitamente melhor do que um Noam Chomsky ou um Michael Moore da vida, ambos americanos da elite.

Vamos combater o assistencialismo, o radicalismo islâmico ou o próprio Islã, mas não vamos bater na imigração em si, mesmo quando o imigrante é parte da “escória” sem cultura. Ele pode ser um trabalhador decente, e é isso que importa.

PS: E por favor, discordar dos meus pontos e da minha conclusão é algo legítimo, mas que seja feito com educação e respeito, pois o debate sai enfraquecido quando pululam os adjetivos e rótulos.

Rodrigo Constantino

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