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O historiador econômico Niall Ferguson esteve no Brasil esses dias e falou sobre a polarização das redes sociais, que estaria ameaçando a própria civilidade e, com isso, a civilização ocidental, calcada na tolerância e no respeito ao contraditório. Ele disse:

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A minha preocupação hoje é que a sociedade civil foi tão erodida pelo advento das redes sociais que não podemos mais falar em sociedade civil. Os EUA se tornaram em uma sociedade não-civilizada. A polarização se tornou um veneno. Eu me perguntou se a civilização não está se se tornando em algo diferente, em uma não-civilização ocidental. […] Uma das consequências das redes sociais gigantes é a polarização. As pessoas se agrupam em grupos de esquerda ou de direita. O que notamos é um maior engajamento em tuítes de linguagem moral, emocional e até obsceno. As redes estão polarizando a sociedade, produzindo visões extremistas e “fake news”. Essas empresas não estão nem aí com a saúde da sociedade civil. O efeito disso tudo é muito mais tóxico do que percebemos.

As redes sociais são um instrumento, e podem servir para o bem e para o mal, para dar voz a quem não se sentir representado, ou para disseminar o ódio, para unir pessoas que pensam de forma parecida, ou para formar grupelhos monolíticos que não toleram uma vírgula de divergência.

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Enfim, não podemos culpar apenas as redes sociais quando se trata de uma característica humana, demasiada humana. Mas parece inegável que elas colaboram de certa forma para essa polarização e também radicalização. Tivemos um bom debate sobre isso no podcast Ideias da Gazeta:

Essa introdução toda foi para chegar no assunto central, com base numa excelente coluna de Ana Paula Henkel. Ela lamenta que perdeu um amigo por conta de divergências políticas, sendo que ele se limitou a usar rótulos batidos em vez de debater de verdade com ela sobre as diferenças. Para Ana Paula, os políticos vêm e vão, mas o Brasil fica. E por isso devemos pensar num projeto maior do que uma só candidatura, uma só eleição. Diz ela:

Sou eleitora no Brasil mas ainda não decidi meu voto para a próxima eleição presidencial. Como diz o genial Guilherme Fiuza, “faltam dez anos para 2018”. Se discutir nomes e candidatos com tanta antecedência é um exercício apenas especulativo e fútil, o que dizer de quem rompe amizades sob o mesmo pretexto? Somos ou deveríamos ser melhores que isso. Pra quê essa saia justa?

E vamos ser francos, numa saia justa está o Brasil, ou melhor, numa encruzilhada. Depois de mais de dez anos sequestrado por um projeto cleptomaníaco de poder que dinamitou a economia, minou as instituições e dividiu a sociedade como nunca se viu antes, temos a chance rara de discutir um novo rumo fora das respostas fáceis e erradas para problemas muito difíceis. Não podemos desperdiçar mais uma vez a oportunidade de repensar o país além de candidaturas. Políticos vêm e vão, o Brasil fica.

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[…]

Quem adere ao erro de apenas defender nomes em vez de propostas neste momento tão delicado da nossa história está abdicando de pensar e tudo que precisamos agora é de cabeças pensantes e questionadoras que ofereçam alternativas para o país fora das amarras do pensamento hegemônico que nos trouxe até aqui. Ver intelectuais como meu ex-amigo seduzidos pelo jogo baixo da rotulação barata é mais um sinal de como ainda precisamos avançar politicamente, independente do resultado de eleições.

[…]

Meu desejo é que outras amizades não se percam por política. É hora de conversar mais e rotular menos, de pensar mais e gritar menos, de apontar o lápis e não o dedo, de propor sem impor ou supor. Faça um exercício: escreva cinco propostas objetivas para o país e apresente para os amigos. Argumente, discuta, ouça e troque ideias com respeito, empatia e curiosidade sincera pelas dúvidas e objeções dos outros. É só assim que vamos avançar, votando em políticos que defendam nossas ideias e não as deles.

Ana Paula está certa e demonstra maturidade. Infelizmente, qualidade escassa na gritaria das redes sociais. Posso entender o desespero de muitos brasileiros, que encaram a eleição de 2018 como questão de vida ou morte e depositam em seu candidato toda a esperança de salvação. Mas daí a considerar que qualquer crítica, qualquer divergência é sinônimo de alta traição, de que se está diante de um inimigo mortal, vai uma longa distância, que separa o sujeito razoável do fanático.

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Esse tipo de conduta existe da esquerda à direita. Bolsonaro, que desperta essa esperança salvacionista em muitos, tem uma militância aguerrida, fiel, um exército de soldados dispostos a brigar para defendê-lo sempre, ou para atacar impiedosamente qualquer crítico. Entendo, mas não aprovo. E o Brasil perde quando movimentos como o MBL passam a ser demonizados por essa turma, ou quando projetos como o Novo são tidos como um “cavalo de Tróia” para salvar o socialismo. Menos…

A disputa por território à direita, como se somente 2018 importasse e nada mais depois, não pode levar a um clima de tudo ou nada que transforma automaticamente aquele que ousa discordar de alguns pontos num inimigo terrível, num socialista disfarçado, num traidor da Pátria. Claro que é uma minoria que adota esse tom, mas se trata de uma minoria barulhenta, e que goza da simpatia da própria família, o que é lamentável.

É preciso separar aqueles que só conseguem pensar em 2018 daqueles que pensam o Brasil a longo prazo, e que estão lutando, há anos em muitos casos, pela construção de um país melhor, mais livre e próspero, assim como mais decente. Como o editor Carlos Andreazza já resumiu com perfeição, não se vive eternamente como se estivesse num segundo turno de uma eleição. A vida é mais do que isso.

E também é preciso considerar a função de cada um nesse despertar da “nova direita”: analistas e pensadores não podem se resumir ao papel de agitadores de massas, líderes de torcida ou bajuladores de políticos. Eis o que a militância não consegue compreender. Aliás, Olavo de Carvalho, que foi considerado guru de Bolsonaro, é o primeiro a lembrar que a conquista deve ser pelas bases e que será um trabalho lento, de gerações:

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O Brasil merece mais do que um só nome político. Merece um projeto de nação, que contará necessariamente com vários pontos de vista, com uma gama de alternativas dentro do que se chama direita. E mesmo alguns da “esquerda civilizada” merecem ser ouvidos, ter seus pontos considerados, pois é assim que se constrói uma Grande Sociedade Aberta, sem a presunção da infalibilidade típica dos totalitários que habitam seitas fechadas.

Rodrigo Constantino