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Dando continuidade às reflexões sobre a imprevisibilidade da vida, alimentadas pela trágica morte de Eduardo Campos e toda a mudança que isso gera no cenário político nacional, segue mais um texto antigo, dessa vez com base em ótimo e conhecido livro de Nassim Taleb:

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O cisne negro

“Não importa quantos cisnes brancos você veja ao longo da vida; isso nunca lhe dará certeza de que cisnes negros não existem.” (Karl Popper)

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Antes da descoberta da Austrália, as pessoas do Velho Mundo estavam convencidas de que todos os cisnes eram brancos, e tal crença era altamente corroborada pela evidência empírica. No entanto, bastou verificar a existência de um cisne negro para derrubar essa crença. Isso ilustra os graves limites de nosso aprendizado por observações.

O livro The Black Swan, de Nassim Taleb, trata justamente desse interessante tema, e é possível notar a forte influência de Popper e de Hayek em sua análise. O livro é uma forma de apelo por maior humildade epistemológica, infelizmente algo em falta na maioria dos homens, que necessitam do conforto de previsões e, portanto, costumam ignorar os limites do nosso conhecimento. É um livro sobre a incerteza, sobre os raros eventos que mudam o rumo das coisas sem aviso prévio e sem que os modelos estatísticos possam antecipá-los.

A idéia central de Taleb está relacionada à cegueira em relação ao fator randômico das diferentes áreas da vida. Cada um pode observar sua própria história de vida para verificar quanto os fatos ocorridos divergiram dos planos traçados anteriormente. A escolha da profissão, o encontro com a futura mulher, as mudanças repentinas do rumo da vida, quanto cada uma dessas coisas havia sido corretamente prevista? A lógica do “cisne negro” torna aquilo que não sabemos algo muito mais relevante do que aquilo que sabemos.

Os “pontos fora da curva” ocorrem com muito mais freqüência do que antecipamos, e nossa incapacidade de prevê-los é nossa incapacidade de prever o curso da história. Basta verificar os erros grosseiros das previsões passadas para se ter mais humildade em relação às previsões do futuro. É preciso deixar um espaço enorme para os eventos imprevisíveis. A maioria das descobertas tecnológicas, por exemplo, não foi planejada, mas sim fruto de “cisnes negros”. O mecanismo de tentativa e erro é crucial para garantir esse avanço. Taleb chega a afirmar que o livre mercado funciona porque permite que as pessoas tenham sorte.

Taleb define aquilo que chama de “tripé da opacidade”, algo que a mente humana sofreria ao entrar em contato com a história. Seriam eles: a ilusão de compreensão, com todos achando que sabem o que se passa num mundo que é bem mais complexo do que percebem; a distorção retrospectiva, que transforma a história mais clara após os fatos, organizando-os de forma bem mais simplista do que a realidade; a sobrevalorização da informação factual, particularmente quando “autoridades” criam categorias, quando idealizam os fatos de maneira platônica.

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Tentamos explicar os fatos do passado de forma bem mais simplista do que ocorreram, e tudo parece mais razoável e previsível depois disso. Em retrospecto, chegamos a questionar como outros foram capazes de ignorar o que estava para acontecer. A categorização dos fatos acaba produzindo uma redução de sua verdadeira complexidade. Taleb conclui que nossas mentes são brilhantes máquinas para explicar os fenômenos ocorridos, mas geralmente incapazes de aceitar a idéia da imprevisibilidade acerca do futuro.

O mundo seria dividido, segundo Taleb, entre Mediocristan e Extremistan, os nomes que ele criou para explicar realidades diferentes. No primeiro caso, a distribuição normal da famosa curva de Gauss explica razoavelmente os eventos. No segundo caso, os eventos são escaláveis, e os resultados não se encaixam no padrão estatístico dominante. O peso dos indivíduos, por exemplo, faz parte do primeiro mundo. Já a renda deles está na segunda categoria. A profissão de garçom gera determinado salário médio, com certo desvio padrão.

Mas a profissão de escritor produz resultados bem diferentes, com desigualdades monstruosas e disparidades muito distantes daquelas calculadas pela curva normal. As recompensas de uns poucos escritores que chegam ao sucesso são infinitamente maiores do que as da média, e muitos simplesmente não vendem quase nada. O mesmo vale para atores, onde poucos atingem a fama e a fortuna, enquanto muitos fracassam e ficam no total anonimato.

Para Taleb, a sorte exerce um importante papel nesses resultados, mas a mente humana costuma atribuir tudo às habilidades e esforços apenas. O mundo é cada vez mais Extremistan, com as novas tecnologias e a globalização. No entanto, a maioria ainda usa as velhas ferramentas estatísticas do Mediocristan para analisar os fatos.

A observação de fatos passados para a inferência do futuro carrega enormes problemas. Um exemplo muito bom citado por Taleb é a alimentação de um peru desde o seu nascimento até o Dia de Ação de Graças. Supondo que ele recebeu certa quantia de comida a cada dia, por mil dias, o gráfico de seu peso ou tamanho no tempo será praticamente uma reta, com pouca variância. De fato, a confiança em relação ao futuro, com base nos dados passados, aumenta a cada dia, ainda que ele esteja cada vez mais próximo da morte. Algo funcionou por vários dias de forma bastante regular, até que, de repente, ele deixa de funcionar de forma inesperada.

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Esse tipo de erro – o uso ingênuo de observações passadas como representativo do futuro – é a causa de nossa incapacidade de compreensão do “cisne negro”. O capitão do Titanic afirmou, em 1907, que jamais estivera envolvido em qualquer acidente, com toda a sua experiência. Até que algo deu errado em 1912, e o navio afundou. Quanto realmente os dados passados podem ser utilizados para prever o futuro?

Nassim Taleb vem do mercado financeiro, e essa é uma área excelente para ensinar sobre imprevisibilidade. Em 1982, os grandes bancos americanos perderam praticamente todo o ganho acumulado anteriormente. Tudo que fora gerado antes, na história desses bancos, perdido em um único ano. Eles haviam emprestado grandes somas para países da América Central e do Sul, e esses países deram o calote na mesma época. Um “evento excepcionalmente raro”, conforme as estatísticas. No entanto, ocorreu.

O crash de 1987 nas bolsas é outro exemplo, ou então a bancarrota do Long Term Capital em 1998, criado por economistas com prêmio Nobel, “gênios” que encaravam as finanças como algo pertencente ao mundo “normal”. Seus complexos modelos estatísticos não foram capazes de prever os fatos, que teriam probabilidade infinitesimal, mas aconteceram. A arrogância desses “cientistas” era enorme. Faltaram justamente mais humildade e ceticismo. Faltou entender que “cisnes negros” existem.

O viés de confirmação é um dos grandes inimigos na compreensão do “cisne negro”. A mente humana busca confirmar teorias através da observação dos fatos. Muitas pessoas confundem, por exemplo, a afirmação verdadeira de que “quase todos os terroristas são muçulmanos” com aquela falsa que diz que “todos os muçulmanos são terroristas”. Na verdade, uma minúscula parcela dos muçulmanos é terrorista, mas a confusão produz uma estimativa absurda de que cada muçulmano em particular pode ser um terrorista. As pessoas vão, então, observar os ataques terroristas, quase todos praticados por muçulmanos, e vão concluir que os muçulmanos são terroristas.

As pessoas tendem a procurar fatos que corroboram com suas teorias prévias, e tratam esses fatos como evidências. A grande contribuição de Popper foi justamente inverter o ônus da prova, tentando refutar as teorias em vez de confirmá-las. A diferença é que milhões de cisnes brancos observados não provam que todos os cisnes são brancos, enquanto basta um único cisne negro para negar isso. Podemos nos aproximar da verdade através da negação de teorias, mas não pela sua verificação. É arriscado demais construir uma teoria geral com base nos fatos observados.

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Um exemplo bobo do cotidiano pode ilustrar melhor o ponto. Todos conhecem a máxima “sorte de principiante”, a crença disseminada de que os jogadores costumam ter mais sorte no começo. No fundo, isso não passa de uma ilusão. Aqueles que começam a jogar serão sortudos ou azarentos. No entanto, aqueles com sorte tendem a insistir no jogo, acreditando que vencer é seu destino. Os outros, desanimados com as perdas iniciais, tendem a abandonar o jogo. Eles somem das estatísticas. Aqueles que continuam no jogo lembrarão a sorte inicial. Isso explica a tal “sorte de principiante”, nada mais.

Chamamos isso de viés de sobrevivência, e o mesmo pode ser observado na análise de investidores bem-sucedidos. O cemitério está repleto de evidências silenciosas. No entanto, costumamos olhar apenas para os sobreviventes e inferir teorias que explicam seu sucesso, ignorando a quantidade enorme de pessoas com as mesmas habilidades que fracassaram no caminho. Essa noção está por trás também do insight de Bastiat, quando lembrou que existe aquilo que se vê, e aquilo que não se vê. Várias medidas do governo, por exemplo, são celebradas porque as pessoas focam apenas nos resultados imediatamente observáveis, esquecendo os mortos no caminho, aquilo que não se vê.

O mundo é bem mais complexo do que pensamos ou modelamos. Taleb expressa seu espanto no fato de que continuamos acreditando que somos bons em prever fatos usando ferramentas que excluem os raros eventos, mesmo diante de um histórico terrível de previsões passadas. Aprendemos com a história que não aprendemos muito com a história. Somos arrogantes em relação àquilo que achamos que sabemos, e ignoramos que aquilo que não se sabe pode ser fatal. Costumamos sobrevalorizar o que sabemos e subestimar a incerteza. Deveríamos ser bem mais céticos com os “profetas”, analisando sua taxa passada de erros. Isso serve para quase todos os campos, e há séculos que os “profetas” conquistam multidões dispostas a focar somente nos acertos, ignorando os erros.

Nostradamus ficou famoso dessa forma, assim como atualmente temos a “mãe” Dináh e outros “profetas”. Mesmo os economistas insistem na mania de fazer previsões como se fossem capazes de antecipar os complexos eventos futuros. Ambientalistas usam modelos estatísticos para inferir como será o clima um século na frente. Governos apelam para “especialistas” para desenhar planos econômicos com base em estimativas de décadas à frente. A necessidade humana de controlar ou antecipar o futuro garante o emprego de todos esses “profetas”. Poucos são os céticos que se dão ao trabalho de olhar para trás e verificar a quantidade de previsões erradas de todo tipo de especialista.

As inovações tecnológicas que mudaram o mundo nos últimos séculos foram, em grande parte, não planejadas. Além disso, quando uma nova tecnologia surge, costumamos subestimar ou sobrevalorizar sua importância de forma grosseira. Thomas Watson, o fundador da IBM, chegou a prever que não haveria necessidade para mais do que uns poucos computadores no mundo. Quando o Esperanto foi criado, muitos acharam que o mundo inteiro estaria se comunicando na mesma língua artificialmente desenhada. Diferente do que previram, não estamos passando nossos finais de semana em estações espaciais desde 2000. Quando o homem chegou à Lua, a Pan Am chegou a reservar viagens para lá. Ignorou apenas que estaria falida pouco depois. O Viagra deveria ser uma droga para a hipertensão. Das cem maiores empresas atuais, poucas estarão na lista em 50 anos.

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Em suma, são infindáveis exemplos de mudanças relevantes sem previsão alguma, ou de previsões de mudanças incríveis que não se realizaram. O homem tem dificuldade de aceitar esse processo evolutivo como fruto de mudanças randômicas. Ele necessita da sensação de controle, da imagem de um designer inteligente por trás das mudanças, antecipando o futuro. No entanto, a criação de inúmeros produtos foi simplesmente algo não-intencional. Se hoje poucos acreditam na infalibilidade papal, muitos acreditam na infalibilidade dos diferentes “profetas”, especialmente se associados a alguma forma de autoridade, como um prêmio Nobel. O livro de Nassim Taleb é um ótimo antídoto contra essa doença, resgatando a humildade epistemológica presente em alguns pensadores da Antiga Grécia.

O conhecimento humano tem evoluído bastante, e isso é maravilhoso. Mas se o resultado desse maior conhecimento for a arrogância em relação ao futuro incerto, então seremos vítimas indefesas dos “cisnes negros” negativos, e também evitaremos muitos “cisnes negros” positivos. O conhecimento humano pode nos mostrar justamente os limites desse conhecimento, de nossa capacidade de prever o futuro. Como disse Hayek, “a razão humana não pode prever ou deliberadamente moldar seu próprio futuro; seus avanços consistem em descobrir onde esteve errada”. Basta encontrar apenas um cisne negro para derrubar uma crença milenar de que existem somente cisnes brancos!

Rodrigo Constantino