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O desamparo dos adolescentes sem limite num mundo de adultos covardes
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O adolescente voltou ao centro dos debates por conta da maioridade penal. Vale notar que um delinquente que hoje pratica um crime com 16 anos era apenas um bebê quando o PT assumiu o poder no Brasil. Ou seja, se há uma falha na educação, esta falha ocorreu já durante a chegada dos “progressistas” ao poder. Claro, eles podem sempre alegar que não houve tempo suficiente para consertar as coisas. Mas elas pioraram!

Não pretendo, aqui, culpar somente o PT. Acho que o buraco, nesse caso, é muito mais embaixo. Estamos falando de um fenômeno complexo e abrangente, que passa pela crise do estado de bem-estar social, com seu paternalismo excessivo, chegando até a geração “mimimi”, de jovens sem limites imersos em uma cultura de “vale-tudo” sob o relativismo moral. O PT é mais um sintoma do que causa disso.

Como nem tudo são trevas, uma decisão de um desembargador em ação do Procon e do Instituto Alana contra o McDonald’s mostra que há luz no fim do túnel. Já comentei o caso aqui, e trago agora um acréscimo apresentado por João Luiz Mauad em texto para o Instituto Liberal, que foi buscar a íntegra do acórdão. Eis um trecho que merece destaque:

O Estado não pode, a pretexto de regular as atividades de divulgação dos produtos, vedar peremptoriamente as mensagens dirigidas às crianças pelo só fato de atrelá-las ao universo lúdico, às personagens de estima do público infantil. Se o fizesse, iludido por iniciativas midiáticas, desbordaria num paternalismo sufocante (nanny state), interferindo em direitos individuais que ultrapassam a órbita pública e flertam com totalitarismos.

Deveras, há um espaço indelegável para a educação dirigida pelos pais, que devem indicar os prós e contras das escolhas, v.g, do que significa o alimento sem valor nutritivo e alto valor calórico. E também principalmente o aprendizado do sentido absoluto do “não!”. Impossível ter tudo pelo simples fato de assim o querer, sob o risco de se constituírem adultos que se portam sem limites, mormente quando se desiludem por não conseguir o que desejariam, na ditadura do tutto e subito. Pusilânimes.

Perfeito! Simplesmente perfeito. E assustador quando pensamos que o óbvio até ontem precisa ser enfatizado dessa forma, pois hoje já parece algo de outro mundo. Quão rápida foi a deterioração de valores em nossa sociedade! Como vou completar quase 40 anos amanhã (sim, nascido em 4 de julho, era destino!), sinto-me autorizado a falar de minha infância como se fosse uma outra época, e dos jovens de hoje com certo distanciamento.

Não tenho (ainda) cabelos brancos, mas a idade já pesa um pouco, a ponto de eu ter alguma legitimidade – creio – para condenar aqueles adultos que sofrem da crise da meia-idade e pretendem, como fuga, bancar os “garotões” compreensivos com a juventude rebelde. São esses, a meu ver, que contribuem para essa libertinagem sob o manto de liberdade e para essa barbárie sob o escudo da autenticidade.

Já escrevi aqui sobre os “adultescentes”, uma resenha do interessante livro do argentino Sergio Sinay. Em outras ocasiões também já bati nessa imaturidade daqueles que deveriam servir como referência e freio aos mais jovens, mas que acabam lhes instigando um comportamento ainda mais infantil e irrefletido. Mas quero trazer, agora, o ponto de vista de Dom Lourenço de Almeida Prado, que foi reitor do prestigiado Colégio São Bento no Rio. Acho que ele resumiu como ninguém a angústia da juventude e o suposto “conflito de gerações”. Segue um longo trecho para reflexão:

Não é apenas pelo número de anos que o adolescente está entre a infância e a maturidade. Ele mesmo se sente assim interiormente: não é mais uma criança, não é ainda plenamente um adulto. Sente-se tratado como não-criança e não se sente tratado como adulto. É olhado como não sendo criança – perdeu alguns privilégios, um certo tipo de carinho, a simpatia tolerante e generosa, a boa vontade para os seus possíveis caprichos ou solicitações de ternura – e também, embora lhe cobrem uma responsabilidade que não só o surpreende, mas o agride, não se sente tratado como adulto, pois carece de recursos, até materiais, que lhe são negados, para exercitar essa responsabilidade e autonomia. A esse tratamento que lhe vem de fora e lhe parece agreste, acrescenta-se o sentimento interior de insegurança para decidir.

[…]

Há no adolescente, em relação ao adulto, uma certa ambivalência: rejeita o adulto que lhe nega os recursos para a autonomia, que, por outro lado, lhe cobra de modo, a seu ver, agressivo; mas precisa do adulto para ajudá-lo em suas decisões. Por isso, procura no meio adulto elementos solidários: os professores que lhe dão a intimidade do você, o “chapa”, com os quais pode conversar (dialogar) sobre o problema dos adultos.

[…]

Os adultos, por sua parte, podem reagir por duas posições extremas igualmente falsas: o laxismo e a rigidez. O laxismo, mesmo quando bem intencionado, é um equívoco. Pretenderia ir ao encontro do anseio de liberdade que ferve na cabeça jovem. Acontece, porém, que a liberdade não é um bem outorgado, nem consiste na simples supressão de entraves externos: é algo a ser conquistado e ganho. O adulto pode ajudar o adolescente a conquistá-la, mas não pode oferecê-la como bem acabado. A atitude oposta – a rigidez – também não é posição construtiva. […] É preciso deixar, de algum modo, o jovem viver sua própria vida. Não se deve levar o zelo protetor a ponto de impedir o adolescente de amadurecer errando.

[…]

O amadurecimento é acima de tudo um processo interior de aquisição da liberdade. A conquista da liberdade, por sua vez, é, no seu início, uma supressão de entraves, desde o mais primitivo, que é o não saber andar, nem falar, até a plena capacidade de locomoção, de ir e vir na cidade civilizada. Mas é, acima de tudo, a formação das qualidades da alma, do saber e da arte, na área da inteligência, e das virtudes, na área da vontade, que como a luz que liberta das trevas, dão os critérios de escolha, a lucidez que gera a segurança.

[…]

O mundo moderno é perturbado pelo equívoco igualitarista. […] Na escola, o aluno e professor são postos frente a frente como adversários numa luta de classes, na qual o aluno é o oprimido. O resultado é uma revolta que, no fundo, é um desafio: provocam a autoridade ao extremo para ver se ela existe. […] No fundo é a angústia da criança desamparada na busca dos verdadeiros adultos, daqueles que têm maturidade tranquila e não são, apesar da idade, inseguros, iguais a ela. […] não existe, a rigor, um conflito de gerações; existe uma polarização que pode gerar conflitos, mas que é, em si mesma, convívio de complementaridade.

[…]

E os adultos estão aí, estimulados por uma falsa psicologia, que alardeia conflitos, ou perplexos porque não se lembram, no momento, da lição do compêndio a ser aplicado ao caso ou receosos de passar por quadrado, procurando imitar o jovem com uma voz em falsete e com um olhar esdudadamente compreensivo. Quebra-se, assim, um polo da complementaridade e, então, vem o conflito de verdade.

[…] pode-se considerar como uma contribuição a esperar-se do jovem um certo tom de imprevidência ou uma certa audácia, acompanhada de uma coragem tangenciando a imprudência que dá ao jovem um saudável espírito de aventura e uma quase presunção de que possa abraçar o mundo. Tudo isso é positivo, mas tudo isso precisa ser contrabalançado, pela presença complementar, quase diria equilibradora do mais velho, de quem se espera, acima de tudo, a sabedoria (fala-se da insubstituível sabedoria dos anciãos, fruto da experiência, do sofrimento, das saudades, que a escola não ensina, mas ensinam os anos de vida). A sabedoria se exprime em prudência, ciência, medida nas coisas, segurança no decidir, medo de improvisar e a consciência de que é portador do facho para quem vem depois.

[…]

Concluindo, creio não ser demais relembrar que o nome tradicional desse encontro de geração é educação.

Que belas palavras! E como estamos longe dessa postura em termos gerais! Em vez de transmitir essa segurança, essa moderação, esses limites aos mais jovens, os “progressistas” jogam lenha na fogueira, atiçam os apetites, justificam quaisquer comportamentos, por mais hedonistas e destrutivos que sejam, parecem querer ver o circo pegar fogo, idealizando a juventude que já lhes escapou. É covardia, pura covardia.

Mas são esses mesmos “progressistas”, aliciadores dos jovens rebeldes, que depois passam a mão na cabeça dos que se desviaram para o crime, tentando impedir sua punição, e clamando, como panaceia, por uma “educação” que foi obliterada e destruída pela própria agenda progressista. É um disparate. Esses jovens estão sem referência, sem freios, sem limites, em boa parte pelas bandeiras progressistas disseminadas pela sociedade.

E esses adultos covardes, que se recusam a agir como adultos e educar de verdade, depois procuram aliviar o jovem delinquente de responsabilidade por seus atos, talvez numa tentativa de aliviar a própria culpa e responsabilidade pelo quadro caótico que ajudou a criar. Os jovens estão desamparados pela covardia dos adultos, mas em vez de tirar disso uma lição sobre a importância dos limites e de uma educação mais firme e madura, esses “progressistas” pedem mais paternalismo estatal, diluindo ainda mais a responsabilidade individual numa geleia moral que acaba por tratar bandidos como “vítimas da sociedade”. São, no máximo, vítimas dos progressistas e de si próprios.

Rodrigo Constantino

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