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O difícil cálculo político da anistia: um incentivo a novos delitos ou uma borracha no passado para construir um futuro melhor?
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Um grupo comete algum tipo de ato criminoso ou irresponsável, e depois recebe anistia (que vem do grego e significa “esquecimento”). Qual mensagem isso transmite? Ora, a de que o crime compensa. Anistia gera “moral hazard” para a sociedade. Por outro lado, algumas vezes a anistia pode ser a única forma de limpar um passado conturbado para se criar incentivos em prol da construção de um futuro melhor, unindo diferentes grupos em torno de um objetivo comum. Como decidir?

Não é fácil e não parece haver uma resposta única. Anistia? Depende de cada caso. Vejamos o caso dos policiais do Espírito Santo que entraram numa greve criminosa e irresponsável, contribuindo para espalhar o caos no estado. Já publiquei texto do Instituto Liberal condenando a anistia concedida pelo novo governador, e hoje o editorial do GLOBO foi na mesma linha:

Caos soa como palavra branda para descrever o que se passou durante as três semanas da greve de PMs no Espírito Santo, em fevereiro de 2017. Naquela que foi uma das maiores crises de segurança já vividas pelo estado, mais de 200 pessoas foram assassinadas; escolas, universidades e postos de saúde fecharam; ônibus pararam de circular; assaltos, arrastões, tiroteios e saques a estabelecimentos comerciais viraram rotina, afugentando turistas e deixando a população em pânico. A gravidade da situação levou o governo federal a enviar 3 mil homens do Exército, da Marinha e da Força Nacional para controlar os distúrbios.

[…]

Embora a irresponsabilidade dos PMs capixabas tenha causado prejuízos incalculáveis à população, o governador Renato Casagrande (PSB), que assumiu em 1º de janeiro, sancionou lei que anistia policiais e bombeiros que participaram da greve de 2017. O perdão, uma de suas bandeiras de campanha, deverá beneficiar 2.600 PMs e até mesmo os 23 expulsos da corporação após a paralisação. O projeto, enviado à Assembleia Legislativa pelo próprio governador, fora aprovado por unanimidade. Como mostrou o “Jornal Nacional”, o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung, que na época da greve estava licenciado do governo devido a uma cirurgia, considerou a medida “grave e irresponsável”, por contrariar decisão do Supremo Tribunal Federal.

[…]

O movimento de PMs capixabas representou uma afronta ao estado democrático de direito. Anistiá-los, além de constituir ilegalidade, à medida que desrespeita a Constituição e decisão do Supremo, significa permitir a repetição desses casos.

Difícil discordar do jornal aqui. O Espírito Santo não precisa anistiar esses policiais para construir um futuro melhor, não se trata de questão de sobrevivência. Seria, portanto, puro incentivo a novos atos desafiadores e irresponsáveis. A punição ainda é o melhor mecanismo para coibir novos delitos, e a impunidade é o maior convite ao crime. Anistia é sinônimo de impunidade.

Curiosamente, o jornal não aplica o mesmo raciocínio na questão imigratória americana, preferindo tomar o partido dos democratas. A esquerda sempre prega anistia aos que entraram ilegalmente no país, ignorando que isso é um estímulo a novas tentativas de entrada criminosa.

É verdade que o tema é mais complexo, pois existem milhões e milhões de imigrantes ilegais no país, vivendo há anos de forma adaptada. Os democratas usam o eufemismo “sem documentos” para se referir a esses ilegais, mas o fato é que muitos deles levam vidas honestas e trabalham, além de terem constituído famílias, com filhos americanos.

Expulsar todos do país de uma hora para outra é inviável. Alguma anistia pode fazer sentido. Até republicanos, como o presidente Reagan, já optaram por essa saída no passado. Mas é preciso cuidado para não passar a mensagem errada de que a entrada ilegal está liberada, uma vez que sempre haverá a opção da anistia na mesa aos que conseguirem ficar, mesmo que fora da lei.

Anistias são comuns também em casos de dívidas. Durante uma bolha especulativa, empresas e indivíduos acumulam dívidas impagáveis, e no oba-oba ninguém liga. Depois, a alternativa pode ser entre uma depressão profunda e quebradeira geral, ou alguma forma de anistia para que todos aceitem uma perda diluída e possam reconstruir o futuro.

Outro caso que suscita o debate sobre anistia é a situação venezuelana. O presidente interino Guaidó tem levantado a bandeira da anistia aos militares que hoje estão com o ditador Maduro, e panfletos com a proposta da Lei de Anistia têm sido distribuídos por baixo das portas para essas lideranças hoje “casadas” com Maduro, por cumplicidade no crime ou medo de retaliação.

O que se propõe é passar uma borracha no passado para permitir a construção de um futuro melhor para o país, destroçado pelo socialismo mafioso. Isso pode ferir o senso de justiça de muitos, além de representar um incentivo perverso a potenciais usurpadores. Se não houver punição para os crimes desses militares, então o crime compensa.

Por outro lado, como atrair de forma prática esses militares sem oferecer esse incentivo? E sem o apoio dos militares venezuelanos, o movimento de resistência ao ditador Maduro não parece ter chances de sucesso. Estaríamos diante de um caso de vida ou morte: sem a anistia, por mais injusta que seja, não haverá democracia. O pragmatismo deve prevalecer sobre o idealismo nesse caso.

Como fica claro, não é trivial defender ou condenar medidas que anistiam crimes passados. Depende muito do contexto, do crime, e das circunstâncias políticas. Se apenas uma anistia possibilitar a mudança de foco do passado para o futuro, então ela pode fazer sentido.

Podemos pensar na infindável disputa entre as famílias Capuleto e Montecchio na famosa história de Shakespeare. Ninguém mais sabe direito como tudo começou, quem foi o primeiro a atacar o outro lado. Em algum momento, uma anistia pode ser a única salvação. Passa uma régua no passado, para que ambos possam pensar no futuro. E assim Romeu talvez pudesse se casar com Julieta em paz…

Mas também há o risco de se anistiar o grupo ou o indivíduo errado. O melhor argumento contra a anistia chama-se José Dirceu. Foram passar uma régua no passado terrorista dele e com isso comprometeram ainda mais nosso futuro. O comunista treinado em Cuba quase chegou ao comando direto da nação, e foi o cérebro por trás do golpe petista ao Brasil. Era muito melhor que ele continuasse preso, exilado ou foragido, não é mesmo?

Rodrigo Constantino

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