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Por Bernardo Santoro, publicado pelo Instituto Liberal

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Jornais brasileiros, como o Globo, repercutiram hoje decisão do Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela, que seria o correlato bolivariano do nosso STF, no sentido da constitucionalidade do Decreto n. 2.184 da Presidência, mais especificamente de Nicolas Maduro, onde ele institui Estado de Exceção naquele país.

Estado de Exceção é a mais grave situação jurídica de uma democracia. Em virtude de guerra ou calamidade, normalmente as constituições democráticas dão aos poderes públicos a faculdade de restringir ou até suspender direitos fundamentais, que são uma das bases do direito constitucional juntamente com a organização do Estado e as finalidades públicas.

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Podemos dizer que o Estado de Exceção é um instrumento que busca preservar a democracia através de uma semi-ditadura, o que é algo que quase nunca dá certo, daí a necessidade de restrição temporal expressa.

Estado de Exceção só deve ser declarado em uma democracia em última instância. Para fins de comparação, a Constituição brasileira traz dois tipos de Estado de Exceção: o Estado de Defesa e o Estado de Sítio (arts. 136 e 137).

No Estado de Defesa pode ocorrer a restrição temporária e comedida do direito de reunião, e de sigilo de correspondência e comunicação telefônica, somente em casos de grave instabilidade institucional ou grande calamidade.

No Estado de Sítio são agravadas as restrições do Estado de Defesa ou mesmo a suspensão de certos direitos individuais, mas sempre com respeito ao habeas corpus e contra prisões ilegais, somente em casos de não funcionamento das medidas do Estado de Defesa ou em declaração de guerra de Estado estrangeiro.

No Estado de Defesa o Congresso brasileiro deve avaliar o decreto em 24 horas. No Estado de Sítio deve haver prévia autorização do Congresso brasileiro. Em ambos os casos, a Constituição brasileira traz limites temporais e circunstanciais muito claros e específicos.

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Já na Constituição bolivariana da Venezuela, os artigos que regulamentam o Estado de Exceção são os mais abertos possíveis, não garantindo praticamente nenhum direito individual expresso, salvo referências à Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 339), e a direitos humanos intangíveis como o direito à vida, mas também de maneira aberta (art. 337). Também abre os casos de declaração desse Estado de Exceção para outras questões, como por exemplo “distúrbios econômicos”, que não tem no Brasil e nem em outras nações minimamente democráticas.

O artigo 339 é claro no sentido de que decretos desse tipo devem ser avaliados pela Assembleia Venezuelana em até oito dias. O próprio Decreto n. 2.184 fala nesse prazo no seu artigo sétimo. A Assembleia votou contra o Estado de Exceção no sétimo dia, ou seja, dentro do prazo constitucional, mas o Supremo venezuelano simplesmente ignorou essa decisão inventando um prazo de quarenta e oito horas a partir de uma analogia indevida e desnecessária, declarando perda de prazo e preclusão temporal da matéria pela Assembleia.

Já que citamos o famigerado Decreto, as justificativas para a instituição desse Estado de Exceção nos dão a sensação de que o Presidente Maduro está completamente louco e perdido em paranóias alucinantes, ou então é realmente um mau-caráter, como segue:

1 – Com a morte de Hugo Chávez, setores nacionais e internacionais buscam desestabilizar a economia e as instituições venezuelanas;

2 – Que os setores econômicos dificultaram deliberadamente o acesso a bens e serviços ao povo venezuelano;

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3 – Que a ofensiva econômica ao preço do petróleo foi uma conspiração internacional e deve fazer com que o povo venezuelano se una com seu Governo; e

4 – Que as medidas tomadas para proteger o povo venezuelano devem ser amplas e fortes para vencer as adversidades, criando interferências econômicas em todos os setores.

Na verdade, o que o Decreto não explica é que foram justamente as medidas econômicas loucas e populistas do governo venezuelano, como o gasto desmedido, as excessivas subvenções, o desestímulo ao trabalho, o fechamento econômico, a alta burocracia, a alta carga tributária e a intervenção econômica extrema que destruíram a possibilidade de geração de riquezas no país.

E o que é mais engraçado: como o Decreto aprofunda ainda mais os mecanismos que destruíram a economia venezuelana, é como se o Governo dissesse que o remédio para salvar um paciente morrendo por uma bactéria fosse a injeção de mais bactérias, e não um antibiótico.

Os artigos 2º a 6º do Decreto explicam essa intervenção extrema com caricaturas de políticas públicas e autoritarismo aberto, tais como: (i) valorização de comunas populares; (ii) uso da polícia e do exército para cumprimento do decreto; (iii) intervenção no Banco Central para ditar a política cambial; (iv) tomada de bens privados para redistribuição forçada; (v) quebra do orçamento para alocar recursos de acordo com a vontade do poder executivo; (vi) dispensa de licitações; (vii) obrigação de empresas públicas e privadas a produzir nos termos impostos pelo Governo; (viii) aumento ainda maior do protecionismo nacional; (ix) entre outras medidas, inclusive com uma cláusula aberta para o Presidente fazer o que achar necessário para acabar com a crise criada por ele mesmo e suas políticas socialistas.

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Nesse cenário caótico, não podemos deixar de perceber a similitude entre as medidas exercidas pelo governo venezuelano e os projetos do Caderno de Teses do PT, que graças a alguma sorte e alguma segurança institucional brasileira, acabaram sendo apenas parcialmente implementados no nosso país.

Mas todo cuidado é pouco, afinal, o preço da liberdade é a eterna vigilância.