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O mundo gourmet e o mundo real. Ou: A bolha da esquerda caviar
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Uma das características mais marcantes da esquerda caviar é viver numa bolha, isolada do mundo real, do “mundo cão” da pobreza, mas sempre falando em nome dos pobres. Pondé chama essa gente, principalmente a ala jovem, de “inteligentinhos”. São aqueles que sempre tiveram do bom e do melhor, nunca se preocuparam com coisas concretas como “arrumar o quarto” ou “lavar o banheiro”, mas pensam de forma utópica em “salvar o mundo”. Em sua coluna de hoje, o filósofo voltou a atacar esse “mundo gourmet”:

Quando você ouve um jovem falar que a “barbárie da vida é fruto da mercadoria”, é provável que esteja diante de alguém que costuma viajar para Nova York com os pais nas férias (ou para a Chapada, o que não é tão barato assim, e neste caso, sem os pais). Ou algum destino semelhante.

Esses jovens revoltados com a injustiça social (por isso fazem cursos em Cuba) frequentam o JK Iguatemi, ainda que envergonhados. Na maioria dos casos, se preocupam muito com a alimentação e sempre ouviram adultos por perto (pagos ou não) dizendo que o que faziam era “lindo” ou “criativo”.

Quando pensam no mundo ou na vida, comparam os dois com algo (que quase nunca existiu na face da Terra) que o “professor de humanas” falou na escola cara em que estudaram. Apresentam, com frequência, dificuldades para chamar as coisas pelos seus nomes e preferem “nomes sociais”.

Exemplo: bandidos não são bandidos, drogados não são drogados, vagabundo não é vagabundo, gente ruim não é gente ruim, mãe irresponsável não é mãe irresponsável, egoísmo não é egoísmo, enfim, dinheiro não é grana, mas sim “O Capital”. Só gente que tem dinheiro chama “grana” de “O Capital”.

[…]

Normalmente, por terem muito tempo livre para pensar em si, desenvolveram uma dificuldade específica para lidar com coisas muito concretas, como a sujeira do banheiro. Revoltam-se contra a “exploração”, mas frequentam o litoral norte de São Paulo. Para eles, sexo é “uma questão”.

Sei que algumas pessoas julgam necessário que jovens tenham algum espaço para imaginar um mundo que não existe. Eu discordo. Esse hábito se desenvolveu junto com o luxo material. Não creio que jovens tenham que sonhar com um mundo que não existe. Achar isso é típico do mundo gourmet no qual o limão só vale se for da Sicília. 

É curioso ler essas linhas logo depois de ler a coluna de Gregorio Duvivier no mesmo jornal. Duvivier é o ícone perfeito dessa turma descrita por Pondé, um filhinho de papai riquinho que se julga porta-voz dos pobres, e usa seu espaço para fazer ironia ou ataques virulentos àqueles que se mostram indignados com tanta corrupção e violência. Para o engraçadinho do Porta dos Fundos, essa revolta com a corrupção não passa de um modismo, como o pau-de-selfie, e desejar a redução da maioridade penal, não como solução mágica para a violência, mas como punição justa aos marginais assassinos menores de idade, só pode ser coisa de “fascista”;

Meu amigo Henrique Goldman vem ao Brasil de seis em seis meses. Ficou assustadíssimo quando chegou aqui em março e só se falava de corrupção –como se fosse uma novidade recém-importada da China. Concluiu brilhantemente: “A corrupção é o novo pau-de-selfie”. A indignação, assim como o vestido branco e dourado, também passou, talvez por causa da eclosão de escândalos incriminando os mesmos que capitaneavam a indignação, talvez porque surgiu um assunto mais quente: a pão-de-queijeria. Ou talvez fosse o dubsmash. Ou o food truck.

No momento em que escrevo, o pau-de-selfie da vez é a redução da maioridade penal. Descobriram que a verdadeira causa da violência no país é o conforto excessivo que damos às crianças de rua. “Mata! Prende! Esquarteja!”. O fascismo é o novo food truck.

O buraco é mais embaixo do que o mês que a gente dedica aos assuntos nos deixa perceber. Calma que nem tudo é tão preto no branco, nem tão preto e azul, nem tão branco e dourado. 

Pois é: nem tudo é dourado como a vida do “bacana”, como diria Ancelmo Gois. Greg pode ir para o trabalho de “bike”, viver em condomínio ou prédio com segurança, curtir férias em Paris, tudo isso enquanto fala em nome dos “pobres e oprimidos”. Sua pauta de prioridades, a julgar por seus textos, não poderia ser mais deslocada daquela popular. Para Greg, o mundo seria muito melhor se drogas fossem vendidas livremente na esquina, gays casassem na igreja e o aborto fosse liberado. Essas seriam as grandes reformas “liberais” do humorista.

Mas se ele conversasse com um típico jovem da periferia pobre, um “alienado”, veria que suas prioridades são bem diferentes. O jovem quer melhores empregos, mais segurança e um transporte público decente. E torcer para seu time de futebol no fim de semana em paz. Há um abismo intransponível entre a elite da esquerda caviar e aqueles que são seus mascotes, sempre citados em suas utopias, mas ignorados na prática.

O platonismo moderno é esse: essa turma ama uma ideia, mas se mostra absurdamente insensível em relação aos que sofrem no dia a dia os efeitos dessa ideia. Depois basta colocar a culpa no Capital, aquele mesmo que esse pessoal tem em abundância…

Rodrigo Constantino

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