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O ônus de ser autoridade: não dá para dissociar a figura pública do cidadão privado
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A “piada” de mau gosto feita pelo ministro da Educação Abraham Weintraub gerou muita polêmica nas redes sociais, e vai ficando cada vez mais claro que essa é mesmo a especialidade dele e dos demais olavistas neste governo. Ao insinuar que Lula e Dilma, figuras detestáveis mesmo, eram como a droga apreendida no avião de um militar da comitiva do governo, o ministro cruzou o limite da brincadeira e manchou a imagem do MEC.

Eu fui um dos que condenaram a mensagem como inacreditável e lembrei da importância da liturgia do cargo, que não é “frescura” de liberal, mas um valor importante para conservadores. João Amoedo, do Partido Novo, também criticou o ministro e disse que um pedido de desculpas faria bem, mostraria falta de compromisso com o erro.

Mas gente com o perfil do ministro não costuma ter humildade, e Weintraub, que acusou o golpe, resolveu dobrar a aposta. Em uma série de novos tweets, o ministro tentou justificar que falava como cidadão apenas, e que tem o direito de manter esse lado independente, pois tem vida fora do governo:

Saliento alguns pontos (apenas para uma minoria que ainda não percebeu): esse é meu Twitter, caso queiram informação institucional, sigam o do MEC; ninguém é obrigado a me seguir ou ver o que escrevo, tem o link do MEC para isso; tenho vida fora do trabalho;

Esse é meu Twitter e ao contrário do Congresso (local do debate), aqui não quero gente chata e de esquerda (sim, há exceções). Pode ser chato (Constantan e “isentinho”) ou petezinho (mas tem que ser engraçado). Caso contrário bloqueio. Por isso mantive o cocada,

É seu Twitter sim, ministro, mas você continua sendo ministro, fala como ministro. É o ônus de se tornar autoridade, figura pública. Se um CEO de uma empresa faz o mesmo e alega que o fez como cidadão, não como CEO, não importa: ele será provavelmente demitido pelo conselho dos acionistas. Mal ou bem é a imagem do MEC em jogo. Não dá para dissociar uma coisa da outra. É ingenuidade sua pensar diferente.

Sobre ser engraçado ou chato, isso é um critério mais pessoal, subjetivo. Eu não sabia que era para achar hilário aquele ato de Fred Astaire, com direito a uma dancinha de guarda-chuva. Achei apenas patético mesmo, mas respeito seu direito de se considerar muito divertido. Só acho curioso quando a principal reação de muitos bolsonaristas, influenciados por gente como o ministro, é xingar o crítico de “chato”, algo um tanto ginasial.

Esse deve ser o adjetivo que mais vejo associado ao meu nome nessa militância engajada. Ora, no papel de analista independente, de formador de opinião, não estou aqui para ser “legal”, “descolado” ou “engraçadinho”. Estou aqui para defender valores e princípios liberais, com viés conservador, e lutar por um Brasil melhor.

Ao contrário do ministro, eu sei dividir bem as coisas. Quem me conhece em âmbito privado, quem convive comigo como cidadão apenas, sabe bem do meu lado brincalhão, descontraído. Mas nos veículos de comunicação em que trabalho e mesmo nas minhas redes sociais há outra função em jogo que não é a de “humorista”.

Se eu abusar desse espaço e fizer uma “piada” apelativa, grosseira demais, de mau gosto, isso terá consequências inclusive profissionais. Afinal, a Gazeta do Povo, a Jovem Pan, a IstoÉ e o Instituto Liberal precisam manter sua imagem, e como sou colaborador deles, essa imagem está associada de alguma forma à minha. Se eu saísse pela tangente, os bolsonaristas seriam os primeiros a atacar esses veículos por meio do meu deslize, como vivem fazendo com outros jornalistas.

Zelar pela imagem em público não é “politicamente correto” ou “frescura”, mas o básico de quem vive em sociedade. A alternativa é ser um bruto, um tosco, que confunde conversa de bar com amigos com redes sociais, esquecendo que nelas há um registro público e que justamente por isso é importante se preservar, ainda mais quando ocupa cargo no poder.

O ministro tem mais de 140 mil seguidores. Quantos tinha antes de virar ministro? Ele tem exposição justamente por ser ministro, caso contrário ninguém sequer saberia da sua existência. Sua “piada”, portanto, tem repercussão porque ele é ministro, nada mais. Outro ponto para reforçar que tal divisão entre o cidadão privado e o ministro não existe dessa forma como ele quer.

A fala teve péssima repercussão, como deveria. Só os broncos não ligam para a conduta, a forma, achando que isso é preocupação de otário. Não é. A realeza britânica, por exemplo, exerce importante papel na política e na imaginação moral do povo, e a rainha é rainha 24 horas por dia, especialmente se estiver em público. É um fardo que pode ser pesado, certamente. E em seu caso não houve escolha.

Mas se o ministro quer fazer suas “piadas” em locais públicos como as redes sociais sem qualquer freio institucional, sem limites éticos, então que pensasse duas vezes antes de aceitar ser ministro. Quase ninguém liga para o que Abraham Weintraib pensa ou diz; mas todos se importam com o que o ministro da Educação pensa ou diz, já que isso tem efeitos práticos para o país.

Rodrigo Constantino

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