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Às vezes nos perdemos em meio a tantos assuntos do cotidiano que deixamos de fora os aspectos mais relevantes e filosóficos que definem uma sociedade. Petrolão, economia em recessão, inflação em alta, eletricidade disparando mesmo com risco de apagão, enfim, assunto ruim do dia a dia não falta. Mas nem por isso devemos deixar de lado os traços culturais de um povo, pois são eles que desenham o tipo de sociedade que teremos à frente: com liberdade individual ou sem.

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Por isso julgo tão importantes artigos como o de Denis Rosenfield hoje no GLOBO, afastando-se um pouco das árvores para vislumbrar a floresta. O professor gaúcho de filosofia disseca a era do politicamente correto em que vivemos, e mostra como ela tende a solapar liberdades individuais básicas do cidadão em nome de um “bem maior”. É o velho coletivismo autoritário sob novo manto, concedendo aos tiranos em potencial a paz de espírito de quem “sabe” lutar pelo bem. Logo no começo ele explica:

O politicamente correto tornou-se uma praga a corroer valores, embora o faça em nome de supostos valores mais elevados. Procura-se atingir a liberdade de escolha, em nome da saúde ou de qualquer outro suposto valor, tomado a esmo, como se assim a sociedade fosse capaz de se organizar “melhor”. O “bem” e o “melhor” ganham, então, o seu significado dos que se dizem seus “representantes”, como se esses fossem a concretização de um valor maior.

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A lista de exemplos é extensa, e Rosenfield passa por alguns itens cuja liberdade de escolha individual já foi há muito sacrificada em nome do coletivismo moralmente correto. O direito de fumar, o direito de ter uma arma para legítima defesa, e por aí vai. No âmago da questão está a disputa pela visão de mundo entre os que depositam no próprio indivíduo o poder e aqueles que enxergam indivíduos de carne e osso como meios sacrificáveis em nome de valores mais “elevados”, normalmente constructos abstratos como “raça”, “nação”, “povo” ou “classe”. Claro que é a nossa liberdade que acaba sacrificada no altar do coletivismo:

A liberdade de escolha, de fumar e de beber, está sendo progressivamente restringida, sendo que a primeira delas é uma espécie de cavalo de batalha, que, se bem-sucedida, terá consequências ainda maiores em outros campos da liberdade individual. Atividades economicamente lícitas e reconhecidas constitucionalmente começam a ser tidas por “transgressoras”, como se fosse um ato de transgressão seguir as leis deste país. O moralismo do politicamente correto toma o lugar da lei. Se for para mudar a lei, façam-se leis com tais objetivos, ou melhor, os cidadãos brasileiros deveriam ser consultados sobre o que pensam mediante consultas populares.

Em vez disso, temos uma pletora de atos administrativos ou outros que interferem na liberdade de cada um. A tutela do Estado chega a tal ponto que os indivíduos, anestesiados, vêm a considerá-la como moralmente justificada. Ocorre uma renúncia à liberdade em função de um bem tido por maior, quando o maior perigo aí reside, a saber, tomar um valor qualquer como se fosse maior do que ao da liberdade.

A postura não é com base em princípios isonômicos, mas naquilo que cada um julga importante para si e deseja impor aos demais. O cigarro é um mal, logo, deveria ser coibido, restringido, até punido. Mas não passa pela cabeça dessas pessoas que não é seu dever cuidar da saúde alheia, e que se isso desejar fazer, que seja por meio voluntário, de persuasão, nunca de imposição pelo uso da força.

Rosenfield mostra ainda as consequências pragmáticas e econômicas desse excesso de tutela estatal. O paternalismo, além de destruir a liberdade de escolha individual, acaba fomentando o contrabando, a informalidade, a ilegalidade, onde as leis não chegam e as disputas se dão pela violência. Sem falar da qualidade inferior dos produtos, agravando ainda mais o risco de saúde dos usuários. Os “progressistas” vibram com as suas “nobres” intenções, mas não querem saber dos resultados concretos de suas ideias.

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Preocupar-se com o entorno, com os outros, tudo isso é louvável. A defesa da liberdade individual não precisa ser confundida com “sociopatia”, como se cada um fosse uma ilha e danem-se os demais. Mas é preciso tomar muito cuidado para o tiro não sair pela culatra, para que o pêndulo não exagere na outra direção, qual seja, a de asfixiar as escolhas dos indivíduos, que não devem ser tratados como mentecaptos ou crianças indefesas, e sim como cidadãos responsáveis por seu próprio destino.

Rodrigo Constantino