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O problema econômico: o cálculo racional na tomada de decisões
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“Segundo Marx, para acabar com os males do mundo, bastava distribuir; foi fatal; os socialistas nunca mais entenderam a escassez.” (Roberto Campos)

Qual a essência do problema econômico? Por que devemos entender economia? O prêmio Nobel F. Hayek explicou em seu livro Individualism and Economic Order, publicado em 1948, que o problema econômico surge assim que propósitos diferentes competem pelos recursos disponíveis. Os custos devem ser levados em consideração, e custos significam nada além das vantagens que seriam derivadas do uso de determinados recursos em outras direções, ou seja, o custo de oportunidade. Tudo isso é bastante evidente, mas é incrível como tanta gente ignora esta lição básica sobre economia, incluindo alguns economistas.

O precursor da Escola Austríaca, Carl Menger, explicou em seu livro Princípios de Economia Política, que “os bens cuja oferta é maior que a demanda não constituem objeto da economia humana, e por isso os denominamos bens não econômicos”. Quando se trata desses tipos de bens, os homens praticam o “comunismo”. Menger explica: “Nas aldeias banhadas por rios que fornecem mais água do que a necessária para o atendimento das necessidades dos moradores, cada indivíduo vai ao rio e tira tanta água quanto quiser; nas selvas, cada um apanha sem cerimônia tanta lenha quanto precisar; da mesma forma, cada um deixa entrar em sua casa tanto ar e tanta luz quanto quiser”. Em outras palavras, o problema econômico está ausente quando há total abundância de determinado recurso. Ele surge apenas quando temos escassez de recursos, i.e., recursos finitos. E sempre que esse for o caso, válido para a imensa maioria de recursos naturais disponíveis, o cálculo econômico é necessário.

Hayek argumenta, então, que esse cálculo econômico para o uso racional dos recursos disponíveis não é viável em uma economia com planejamento central, ou seja, socialista. As informações e o conhecimento existentes na sociedade estão dispersos entre os milhões de indivíduos. Como esse conhecimento será utilizado é uma questão fundamental para a eficiência do sistema econômico. O conhecimento de circunstâncias particulares de tempo e lugar jamais poderia existir num ente agregado qualquer. O arbitrador que ganha com essas assimetrias de conhecimento, através dos preços diferentes exercidos, exerce uma função essencial para o funcionamento econômico. A idéia de que a assimetria de informações impede a livre concorrência é totalmente falsa, já que nem mesmo faria sentido falar em concorrência real caso houvesse perfeita simetria de conhecimento. Os problemas econômicos, afinal, surgem sempre como conseqüência de mudanças. Se todos soubessem de tudo, nenhum plano individual seria necessário para corrigir decisões erradas anteriores.

O fluxo contínuo de bens e serviços é mantido por ajustes constantes feitos diariamente de acordo com circunstâncias desconhecidas no dia anterior. Um planejamento central com base em estatísticas jamais poderia substituir esses ajustes realizados com base no conhecimento disperso e assimétrico dos indivíduos. A descentralização é crucial para garantir o uso adequado desse conhecimento. A questão da comunicação desse conhecimento disperso é resolvida através dos preços livres, que informam cada agente sobre os diferentes recursos disponíveis. O empresário não tem necessidade de conhecer tudo sobre vários setores para entender que o preço de um insumo importante para seu negócio está subindo, alertando que há mais demanda para esse bem particular. Ele fará então os ajustes com base nessa informação, que já é um resultado da interação dos milhões de agentes do mercado.

Eis como o mecanismo de preços soluciona o problema da informação pulverizada na sociedade. O fato de essa solução não ser uma construção deliberada da mente humana, mas sim uma evolução natural sem um design humano, incomoda aqueles que tratam economia como uma ciência natural. Mas essas pessoas ignoram que a beleza do mecanismo está justamente em não depender de uma mente brilhante que controle todas as decisões. A divisão de trabalho, que tem sido fundamental para o progresso de nossa civilização, é possível justamente por conta desse método de preços livres. Os avanços nas ciências naturais levaram muitos economistas a uma postura arrogante acerca do problema econômico. Como é possível obter certas leis através da observação empírica de fenômenos naturais, então se concluiu que era possível fazer o mesmo nas ciências sociais complexas, como a economia. Os positivistas passaram a acreditar que era possível impor de cima para baixo as decisões de alocação dos recursos disponíveis, ignorando justamente o mecanismo que torna viável e eficiente esta alocação.

Aquilo que torna possível uma alocação eficiente dos recursos é a competição, um processo dinâmico na busca pela satisfação dos desejos e demandas dos consumidores. Estes desejos não podem ser tratados como dados disponíveis e estáticos, pois dependem do valor subjetivo de cada indivíduo, e estão sempre em mudança também. A função da competição é justamente nos ensinar quem pode nos servir melhor, e essa resposta nunca é fixa. O problema econômico é o problema de fazer o melhor uso dos recursos que temos, e não faz sentido falar numa situação hipotética onde um “mercado perfeito” existiria. O problema é justamente fazer o melhor uso através das pessoas existentes, com seu conhecimento limitado e específico. Somente uma competição dinâmica com preços livres permite os ajustes necessários para uma tendência rumo ao equilíbrio. O grande erro dos economistas clássicos foi partir de um equilíbrio hipotético, como se os dados fossem conhecidos, e tudo não passasse de um problema de cálculo racional ex post facto, com os custos dados. E foi justamente esse lado fraco dos clássicos que Marx utilizou em suas teorias.

Os argumentos de Hayek mostram a impossibilidade do cálculo racional sob o sistema socialista de planejamento central. Não é do interesse particular do livro em questão atacar os fins pregados pelo socialismo, mas apenas mostrar que os meios defendidos não atendem de forma alguma esses fins. Como Mises já havia demonstrado antes mesmo de Hayek, o uso econômico dos recursos disponíveis é possível somente se o mecanismo de preços for respeitado não apenas para os bens finais, como para todos os intermediários também. Os fatores de produção vão competir para diferentes fins, e somente os preços livres podem informar qual o melhor uso de tais fatores, de acordo com as demandas mais urgentes dos consumidores.

Se o preço do milho começa a disparar no livre mercado, isso informa aos produtores que este insumo está sendo demandado com mais urgência em indústrias competitivas, como a produção de etanol, por exemplo. Somente assim os produtores podem saber que é preciso aumentar sua produção. Caso contrário, com medidas intervencionistas do governo que impeçam a livre formação de preço, essa preciosa informação não chegará aos produtores, e o resultado será a escassez de milho no mercado. Como este caso, existem milhares de outros exemplos que podemos citar para mostrar como o mecanismo de preços em toda a cadeia produtiva é crucial para o funcionamento eficiente da economia.

Quando uma autoridade central determina o uso dos recursos, sem levar em conta os preços de mercado, não fica evidente o custo dessa alocação ineficiente, justamente porque se trata de um custo de oportunidade, ou seja, como esse recurso poderia estar sendo mais bem utilizado em outro lugar. A miopia que Bastiat chamou a atenção, sobre aquilo que não se vê de imediato, é o grande aliado dos governos, que geram alocações ineficientes, mas nem sempre visíveis no curto prazo. Como o nexo causal de longo prazo exige profundo entendimento de economia, os leigos acabam vítimas dessa miopia, inocentando o governo de seus constantes desperdícios de recursos. Quanto custa para o pagador de imposto americano, por exemplo, ter um robô pousando em Marte? Erra quem afirma que basta verificar o orçamento da missão. Esse é apenas o somatório dos preços de mercado naquele momento para os insumos utilizados. Mas não leva em conta o custo de oportunidade, ou seja, onde esses recursos poderiam ter sido utilizados pela iniciativa privada. Como as decisões do governo não costumam levar em conta essas alternativas, até porque a missão da NASA não objetiva o lucro, fica impossível saber ao certo o seu custo verdadeiro.

As escolhas de alocação de recursos pelo governo, com critérios arbitrários que independem dos preços de mercado, e as escolhas dos consumidores não são fins compatíveis. No extremo, que seria o socialismo com planejamento central, os consumidores teriam que aceitar qualquer decisão proveniente dos governantes, como de fato ocorreu na União Soviética. Faltavam os produtos mais desejados nas prateleiras, enquanto o governo lançou o satélite Sputnik para impressionar os americanos. Em Cuba existem os mesmos problemas. As demandas reais dos consumidores ficam totalmente dissociadas das decisões tomadas pelos planejadores centrais, até porque estes não têm como saber quais são as reais demandas, uma vez que o mecanismo de informação foi eliminado. Ou seja, mesmo assumindo que os planejadores fossem pessoas inteligentes e bem intencionadas, ainda assim o mecanismo de planejamento central seria catastrófico. Adotando a premissa mais realista de que o poder corrompe e que os governantes seriam egoístas e limitados, o resultado é ainda pior.

A frase de Roberto Campos na epígrafe vai ao cerne da questão: os socialistas simplesmente ignoram o conceito de escassez, absolutamente indispensável para se falar em economia. O mesmo Roberto Campos, ao afirmar que os marxistas partem de uma crença num estado natural de abundância, conclui que nada mais simples, portanto, do que pregar a economia de Robin Hood: tirar dos ricos para dar aos pobres. E de fato vemos isso o tempo todo. Os socialistas sempre se esquecem dos recursos escassos e do que permite sua eficiente alocação, preferindo demandar mais gastos públicos o tempo todo. Todos os males serão resolvidos com mais gastos do governo.

É preciso melhor saúde, logo, mais governo. É preciso melhor educação, logo, mais governo. É preciso preservar a Amazônia, logo, mais governo. É preciso dar crédito aos pequenos empresários, logo, mais governo. É preciso garantir esmolas para os pobres, logo, mais governo. É preciso uma aposentadoria “digna” para todos, logo, mais governo. E por aí vai, numa lista realmente infindável de demandas. Poucos param para pensar sobre o problema econômico diante disso tudo. Pelo contrário, quem ousa levantar essa questão é logo chamado de insensível. Quem aborda a importância dos lucros e preços livres é visto como lacaio dos interesses do capital. Uma falsa dicotomia se faz presente, como se o lucro fosse inimigo dessas demandas. E o contrário: sem a busca por lucros numa economia com livre concorrência, essas demandas nunca serão atendidas de forma adequada. Mas para compreender este fato da realidade, é preciso ter algum conhecimento sobre economia. Em resumo, é preciso compreender a essência do problema econômico, para reconhecer qual o melhor mecanismo de uso dos recursos escassos.

Rodrigo Constantino

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