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O que é necessário para se formar uma sociedade de homens livres?
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Por Pedro Henrique Alves, publicado pelo Instituto Liberal

O Brasil atravessa uma fase cultural muito penosa e verdadeiramente inócua em algumas áreas, dias sombrios de corrupção, violência e desemprego, unido a uma incapacidade de reação contra tais problemas. E, se formos eleger um fator primordial para tal incapacidade de reação, sem demora poderíamos escolher a nossa educação pífia e ineficiente como causa primária; e ainda que haja pequenos avanços em áreas determinadas, sempre nos localizamos entre as últimas posições nos mostradores de eficiência educacional mundial. “Onde quer que o analfabetismo seja um problema, é um problema tão grave quanto a falta de alimento ou a falta de abrigo” (FRYE, 2017, p. 12).

Com certeza a reação contra os problemas sociais e políticos de uma nação passa, necessariamente, pela formação de intelectos livres de doutrinação ideológica e partidarismo religiosos; homens livres para pensar soluções sem que haja amarras políticas que os impeçam de progredir na pesquisa da melhor alternativa, é a condição básica para se começar a falar em desenlace das crises.

Neste contexto, uma pergunta se faz imperiosa: o que é necessário para se formar uma sociedade de homens livres? Northrop Frye (1912 -1991) afirma, com largo e profundo conhecimento de causa, que é urgente formarmos indivíduos de “imaginações educadas” ou livres. E, de fato, a formação de mentes livres é o primeiro passo para solucionar os problemas que enfrentamos atualmente, não só no Brasil, mas no mundo.

Northrop Frye, canadense, formado em filosofia e língua inglesa, além de catedrático, foi grande crítico literário e pensador contemporâneo. Se notabilizou principalmente através de suas análises ríspidas e pouco convencionais de obras literárias de grande porte histórico. Sua característica principal, enquanto acadêmico, era o de explicar conteúdos complexos com exemplos simples e didática clara; o que notabiliza, aliás, os grandes homens da educação.

Em A Imaginação educada (2017), editado no Brasil pela Vide Editorial, com tradução de Adriel Teixeira, Bruno Geraidine e Cristiano Gomes, Northrop Frye mostra toda sua desenvoltura e conhecimento numa sistematização didática tão fantástica que beira o absurdo. O livro se trata das transcrições das suas famosas palestras realizadas na Canadian Broadcasting Corporation; tais palestras se alastraram pelos países anglofonos desde 1962 — ano em que ele ministrou as palestras — e, dado ao sucesso das palestras, a edição em livro se fez necessária. Então, em 1964, saia a primeira edição da The Educated Imagination, pela Indiana University Press.

A suavidade da didática do filósofo canadense se evidencia logo nas primeiras linhas dessa obra; alinhavando erudição com exemplos corriqueiros, ele costurou seis palestras magistrais para aqueles que querem entender a importância da literatura e da linguagem na vida cotidiana e acadêmica. Ele inicia, pois, mostrando os alicerces da mente humana frente ao desconhecido. Frye nos leva a um cenário de naufrágio em uma ilha desconhecida, o homem — náufrago — perdeu completamente a memória após o acidente, e, ao abrir os olhos, é como se ele tivesse voltado ao estado zero de consciência. Alí, naquele cenário digno de Lost, o personagem é iniciado nas primeiras experiências humanas de análises, categorizações e expansões mentais frente ao que ele vê de maneira inédita, frente ao desconhecido. Ou seja, Northrop nos leva imaginativamente a conceber o primeiro momento de consciência de um ser humano, e como esse contato primevo e consciente se estrutura na mente do Homem.

Com toda uma carga de filosofia da linguagem ancorando suas reflexões, Frye concebe o papel da razão e da emoção na consciência humana como o início estruturante da linguagem humana. Nesse momento ele nos atenta dizendo que há um mecanismo da consciência humana que nos afasta e nos integraao mundo que nos cerca. A razão tende a nos afastar e nos diferenciar da realidade circundante para que possamos analisar os fatos de maneira íntegra e sem interferências; as emoções, por sua vez, tendem a nos integrar à natureza e nos fazer sentir parte da realidade que habitamos — dica: essa é a chave mestra para compreender todo o livro, se atente a isso.

Após navegar pelo mar primevo das linguagens e suas funções sociais, ele começa a nos mostrar como a literatura é, na realidade, a percepção que temos do mundo em sua realidade macro. Mas antes de entrar no campo da literatura propriamente dita, temos de salientar as expressões da linguagem. A linguagem se expressa em três facetas, segundo Northrop Frye: a linguagem de autorreflexão, isto é, a linguagem do monólogo, aquela linguagem que você usa consigo mesmo para refletir sobre questões diversas; linguagem de senso prático, a linguagem social que usamos no trato humano cotidiano seja na vida pessoal,  urbana, na universidade, no trato jurídico, etc.; e há, por fim, a linguagem literária e imaginária, que é a linguagem poetizada, literária e filosófica, essa linguagem é utilizada como conexão do homem com a expressão mais profunda de si e daquilo que observa.

Dentro da linguagem humana se diferencia esses três modos de expressão, entretanto, repito, não são três linguagens, mas três modos de se expressar da própria linguagem unívoca. Não obstante, a linguagem como um todo, se diversifica em dois pilares que sustentam todo modo de expressão linguística. Em outras palavras: esses pilares — linguagem analítica e linguagem poética— são as bases dos três modos de expressão acima expostos. Expliquemos o que seriam esses dois pilares:  1) a linguagem analítica — ou científica — é a que abraça o fato sem previamente levar em conta as emoções ou as preferências qualitativas do indivíduo que analisa; a 2) linguagem poética é a linguagem que expressa o poder-ser, a vontade do indivíduo, suas emoções, preferências e planos para a realidade. A linguagem analítica tende sempre a se aproximar naturalmente da linguagem poética pelo fato da análise científica ser feita pelo Homem que é naturalmente dotado de preferências, vontades e emoções; a linguagem poética, por sua vez, tende a tentar se aproximar do fato científico em busca de adequação máxima à realidade em vista de sua praticidade real.

Referência:

FRYE, Northrop. A imaginação educada. Campinas: Vide editorial, 2017

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