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Por Alice Queiroz, publicado pelo Instituto Liberal

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Coincidentemente lendo sobre a Lei de Improbidade Administrativa, nos últimos dias, me deparei com uma citação que dizia:

“O direito a um governo eficiente, honesto e zeloso com pelas coisas públicas, tem, nesse sentido, natureza transindividual: decorrendo, como decorre, do Estado democrático, ele não pertence a ninguém individualmente; seu titular é o povo, em nome e em benefício de quem o poder deve ser exercido.” Tal citação foi extraída de um livro do Ministro Teori Zavascki.

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Ministro esse que, no último dia 7, embora ausente fundamento constitucional para tanto, proferiu seu voto em favor de um só indivíduo, ignorando os mesmos direitos que prega pertencerem ao povo.

O direito a um governo honesto foi esquecido pelo ministro por ocasião da votação, o que torna hipócrita e até engraçada a citação referida acima, dada a distância abissal entre pregar que o direito a um governo correto é de titularidade do povo e escolher manter um criminoso contumaz em um dos mais altos cargos da República: a presidência do Senado.

A redação Constitucional, pra não perder o costume, é lacunosa.
Discutir a inclusão dos sucessores do cargo da presidência da República na proibição de assim permanecer diante de denúncia recebida pelo STF, seria, portanto, aceitável, não fossem as flagrantes manobras conduzidas pela Corte para dificultar a clareza no julgamento da liminar oferecida no sentido de afastar Renan Calheiros da presidência do Senado.

O que alguns ministros fizeram no julgamento da ADPF na qual se discutia exatamente a questão da extensão da proibição, cujo conteúdo vinha sendo por eles debatido desde antes do recebimento da liminar de afastamento pelo STF, não pode ser visto como mera rotina de trabalhos. Em se tratando de Brasil, saudável é desconfiar de tudo até que se prove o contrário, e não o inverso.

Existem alguns ministros nos quais eu, particularmente, já não confiava. Só pra exemplificar o que quero dizer:

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Toffoli não foi afastado do julgamento do Mensalão e nem se declarou impedido para tanto, ainda que os motivos para que o fizesse fossem óbvios, julgamento cujos comentários são dispensáveis neste momento.

Lewandowski, respeitado constitucionalista e, por consequência, conhecedor da Constituição, desmembrou o julgamento de impeachment da ex-presidente Dilma como se não houvesse amanhã, em clara afronta a dispositivo constitucional que, diferente do caso de Renan, é claro e não deixa margem a qualquer dúvida.

O que pesou, no julgamento da liminar de Renan, foi perceber que, na verdade, a Corte, de forma geral, já não é mais digna de devoção ou confiança.

Independentemente da mudança drástica de ares na votação da ADPF sobre a extensão da proibição constitucional do art. 86, parágrafo único, inciso I à linha sucessória, após o voto do decano Celso de Mello, verdade inconteste é que a maioria dos ministros já havia se posicionado pela extensão.

Como explicar mudança tão rápida de posicionamento numa questão de tamanha delicadeza, que afeta inclusive membros do STF (já que o presidente da Corte integra a linha sucessória da mesma forma)?

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Não desconfiar desse tipo de coisa nada mais quer significar do que uma cegueira deliberada (teoria importada do direito americano inclusive já aplicada pela Corte em questão) sem precedentes.

Numa votação que já tinha futuro certo, o erro da Corte foi abrir as pernas e lançar mão de um garantismo irresponsável, decorrente de interpretação literal da Constituição, às vésperas de um julgamento que tinha tudo para salvar parte da confiança que o Supremo ainda guardava junto ao povo.

Não consigo eleger o que mais me chocou no frigir dos ovos:
Se o voto do decano, que não satisfeito em votar pelo não afastamento de Renan, inovou, se sentindo o próprio Poder Constituinte, no auge de seu ativismo judicial, votando no sentido de mantê-lo na presidência do Senado mas o afastando de eventual sucessão no cargo de presidência da República;
Se o voto do Lewandowski que, apesar de não me surpreender, usou como argumento o absurdo de dizer que “não existe indicação de que o presidente da República chegue a ser substituído pelo presidente do Senado”, como se a Constituição fizesse qualquer ressalva nesse sentido; ou
Se o voto da Carmen Lúcia, em quem eu confiava quase que plenamente e acreditava que pudesse significar a expectativa de um novo Supremo sob a sua presidência.

De fato, a única conclusão a que podemos chegar é que o Judiciário, infelizmente representado, neste momento, pelo Supremo Tribunal Federal, que a cada julgamento emblemático vem, salvaguardadas as raríssimas exceções, envergonhando a nossa classe, foi rebaixado ao patamar de poder desprovido de qualquer sentimento positivo por parte do povo, como já o são há muito tempo os poderes Legislativo e Executivo.

Ainda que acredite que política não possa se misturar com justiça, repudiando veementemente qualquer conduta no sentido de confundi-los, incluindo a nomeação dos ministros do Supremo pelo presidente da República e a prerrogativa de função deste último no próprio Supremo, até essa semana, o Supremo ainda carregava alguns “heróis de capa preta” nos quais eu me permitia depositar minha própria confiança, tanto quanto cidadã como advogada.

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Órfã de instituições públicas que me representem, com a exceção do Ministério Público, que vem fazendo um trabalho indefectível na famigerada Operação Lava Jato, é com pesar que finalmente afirmo: o Judiciário brasileiro, personificado na figura da mais alta Corte de justiça, não me representa mais.

Sobre a autora: Alice Queiroz é advogada e estudou na AMPERJ – Escola de Direito do Ministério Público.