• Carregando...
Orçamento impositivo aprovado na Câmara: retaliação ao governo ou independência de poderes?
| Foto:

Em litígio com o Palácio do Planalto por causa da reforma da Previdência, a Câmara dos Deputados deu uma demonstração de força política na noite desta terça-feira (26). O plenário aprovou em dois turnos, por maioria esmagadora, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que obriga a execução das emendas de bancadas estaduais. Isso retira do governo o poder de remanejar despesas, pois torna impositiva uma parte ainda maior do Orçamento. O texto segue agora para apreciação do Senado, que também precisa votar a matéria em dois turnos.

Em primeiro turno na Câmara, a proposta teve 448 votos favoráveis e apenas três contrários. Após um acordo de líderes para driblar a exigência regimental de que haja intervalo de cinco sessões entre um turno e outro, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), colocou a PEC para ser votada em segundo turno e o resultado foi outra goleada: 453 votos sim e 6 não.

A inclusão da medida na pauta do dia foi definida em reunião realizada no início da tarde na Câmara, logo após a divulgação de que o ministro da Economia, Paulo Guedes, não iria mais comparecer à uma reunião na Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça (CCJ). A decisão das lideranças também ocorre após o governo anunciar um corte de R$ 29,8 bilhões no Orçamento deste ano. A proposta estava parada na Câmara desde o fim de 2015 antes de ser retomada nesta terça-feira.

Antes da votação, o presidente da Câmara negou que a apreciação do texto fosse uma retaliação ao Planalto e argumentou que a PEC reafirma as atribuições do Legislativo. Segundo ele, não haverá impacto orçamentário com a aprovação da proposta.

“A peça orçamentária é do Legislativo, não do Executivo. E a PEC já está para ser votada há alguns anos. Os líderes pediram para votar, teve o apoio de todos os líderes, inclusive do PSL, restabelecendo as prerrogativas do Parlamento. Não se trata de retaliação contra ninguém”, disse Maia.

Acredite quem quiser. Há, de fato, gente séria que sustenta que se trata de uma medida para garantir a independência dos poderes e até mesmo evitar o toma-lá-dá-cá, já que o Executivo costuma usar como moeda de troca sua (pequena) margem de manobra no Orçamento aprovado pelo Congresso.

Mas lembrando que essa medida diminui o poder do Executivo, e que o ministro Paulo Guedes defende o caminho contrário, ou seja, mais flexibilidade por parte do Executivo para manusear o Orçamento, que já é travado demais por demandas constitucionais, fica difícil argumentar que não foi uma derrota do governo Bolsonaro. Guedes quer desvinculação, não carimbar ainda mais o orçamento.

É óbvio que os governistas vão negar, e isso talvez explique a votação em peso pela mudança, até mesmo por parte do PSL. Sentiram o cheiro de derrota no ar, e para evitar maior constrangimento, acompanharam os demais deputados? Ninguém gosta de assumir derrota, ainda mais perto da votação da reforma previdenciária, fundamental para o governo.

É justamente o timing dessa votação, somada ao fato de que foi em tempo recorde, que acende o sinal amarelo e alimenta a tese de retaliação, de recado. Sem articulação, teremos quantos votos a favor das reformas? Se Bolsonaro não se mostrar disposto a negociar emendas, a aceitar indicações para cargos, ainda que cobrando perfil técnico, será difícil aprovar a reforma. Rodrigo Maia demonstrou força, isso é inegável.

A pressão popular tem mais é que cobrar desses deputados uma postura mais patriótica, sem dúvida. Mas não podemos ser muito iludidos em política, tampouco partir para “soluções” drásticas. Ou alguém vai mesmo pregar o fechamento do Congresso? Todo poder ao Executivo, na figura do déspota esclarecido? Sério? E amanhã poderá ser Lula ou Dilma lá…

O nosso “presidencialismo de coalizão” é uma espécie de Parlamentarismo tabajara. O Congresso tem poder, e o presidente que ignora isso acaba deposto ou ao menos amarrado, sem ter como governar. O Brasil não é como os Estados Unidos, com sistema bipartidário, o que facilita e muito a vida de Trump. Bolsonaro precisa negociar com vários partidos, eis o fato, precisa ter governabilidade. É ingênuo quem acha que ele pode abrir mão disso por ter o apoio do “povo”.

Além disso, a divisão entre poderes, idealizada por iluministas como Montesquieu, defende justamente que ao poder Legislativo cabe legislar e aprovar o Orçamento federal, enquanto ao poder Executivo, como o nome diz, cabe executar essas diretrizes aprovadas pelos deputados e senadores. No Brasil temos uma visão distorcida, sem federalismo, que delega ao presidente um poder desmesurado, e esse hiper-presidencialismo acaba pervertendo a relação entre os poderes.

Por fim, confesso não ter visto ainda detalhes da medida, mas uma dúvida surge automaticamente: a sustentabilidade da Lei de Responsabilidade Fiscal. O uso de algum poder discricionário por parte do Executivo tem se mostrado crucial, em tempos de crise, para não furar a meta orçamentária. As contingências orçamentárias, basicamente cortes em investimentos, são usadas para permanecer dentro da lei. Como fica isso agora?

Enfim, há dúvidas e incertezas no ar com essa aprovação relâmpago. Foi só um aviso? Foi demonstração de força para cobrar mais caro pelo voto na reforma previdenciária? Ou foi, na linha descrita por Eduardo Cunha, um basta a essa “humilhação” do poder Legislativo, de ter que se curvar sempre diante do Executivo para conseguir liberar emendas? É uma medida positiva ou negativa para o país a longo prazo? Sinceramente? Difícil dizer, mas que soa como derrota do governo no curto prazo, isso soa…

Rodrigo Constantino

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]