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Ou atacamos os privilégios, ou vamos matar os hospedeiros de asfixia
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Todas as colunas de hoje do jornal O GLOBO merecem ser lidas com atenção, pois tratam de temas importantes e, de certa forma, correlatos. Na primeira delas, Denis Rosenfield fala da urgência das reformas trabalhistas, que precisam ser modernizadas para dar mais liberdade do trabalhador. Diz ele:

Tome-se um dos pontos centrais da atual proposta de modernização, o de que a convenção coletiva passaria a ter força de lei. Observe-se, inicialmente, que não há nenhuma subtração de direitos em questão, apesar das declarações vazias dos representantes deste passado corporativo e tutelar. Por exemplo, parcelar férias por decisão autônoma de empregadores e empregados não anula o direito de usufruir de férias, cuja duração não sofre nenhuma alteração.

O mesmo vale para as jornadas de trabalho segundo as especificidades de cada setor. O que é válido para um trabalhador da indústria automobilista não vale para os setores de enfermagem e vigilância. Caberia aos trabalhadores de cada setor, junto com os seus empregadores, decidirem o que convém mais para eles.

Uma vez que o acordo coletivo tenha força de lei, ocorre uma verdadeira restituição de direitos do ponto de vista da sociedade e dos trabalhadores em particular. O direito que está sendo conquistado é o de liberdade de escolha, direito central em qualquer Estado livre. Se os trabalhadores são tutelados, através de uma Justiça Trabalhista onipotente que legisla através de súmulas, eles são considerados como submissos, não livres, incapazes de tomarem uma decisão por si mesmos. Não são tidos por cidadãos, mas por súditos.

Em suma, o que está em jogo é a autonomia do indivíduo. A segunda coluna que merece destaque é a do economista Paulo Guedes, que reconhece uma rara atitude de honestidade intelectual vindo da esquerda, no caso do senador Cristovam Buarque (eu confesso ser mais cético e enxergar algum cálculo político nesse “mea culpa” tardio, mas tudo bem). Diz Guedes:

São reflexões corajosas e pertinentes para o surgimento de uma Nova Política e das reformas que serão exigidas. Pois nossos governos seguem fabricando desigualdades, em vez de atenuá-las.

Sabemos desde as investigações da Lava-Jato que a Justiça nunca foi igual para todos.

As pensões, benefícios, salários e planos de saúde de políticos e servidores foram sempre abusivos, comparados aos da população.

Os juros são subsidiados para grandes empresas e extorsivos para pequenas e médias.

Há isenções fiscais para instituições de saúde e de ensino dedicadas a altas faixas de renda, uma flagrante injustiça, um apoio à “pilantropia”, à acumulação imobiliária e à fabricação de futuras e acentuadas desigualdades de renda.

Celebremos o espírito público da autocrítica de Cristovam Buarque.

Deixando de lado se a autocrítica é sincera ou não, o fato é que ela aponta para o grande tema que se apresenta aos brasileiros: a redução dos privilégios estatais. Desde os servidores públicos até os empresários que se beneficiam de esquemas estatais, há uma legião de favorecidos desse modelo inchado de estado. E quem sofre, uma vez mais, é o cidadão comum, o indivíduo. O que nos remete à terceira coluna, de Raul Velloso, que volta a falar da situação fiscal dos estados:

É chocante como a situação fiscal dos estados (e, em boa medida, dos municípios) se deteriorou tanto diante da maior recessão de nossa história. Volto ao tema, porque na mídia só há combate à corrupção… não é possível que o sofrimento implícito na gigantesca taxa de desemprego do momento não sensibilize as pessoas a cobrar mais atenção ao equacionamento do problema econômico, em grande medida associado à gigantesca crise fiscal que nos legaram as recentes administrações petistas.

Um problema estrutural sério, que só aos poucos começa a ser percebido, é a dominação dos orçamentos públicos pelos interesses setoriais estabelecidos: “Poderes” (Judiciário, Ministério Público e Legislativo), Segurança, Saúde e Educação, e também pelo pagamento de dívida, que o Ministério da Fazenda retém antes de mandar as transferências para os estados.

Ressalte-se que, nos lobbies setoriais, não se admite qualquer pagamento relacionado com previdência, um dos itens de maior peso na pauta de gastos, forçando o governador a ter de se virar para pagar essa despesa no suborçamento residual que lhe resta. Esses lobbies são o que chamei de os “donos do Orçamento”.

Uma vez mais, o epicentro do problema está no gigantismo estatal, em sua postura clientelista e patrimonialista, distribuindo privilégios à custa do pagador de impostos. Reduzir o estado, respeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal, desmontar o paternalismo vigente, tudo isso é crucial para o progresso brasileiro. Mas, para mexer nesses vespeiros, verdadeiros tabus, será preciso mudar a mentalidade do povo, o que nos leva à quarta coluna, de Fabio Giambiagi:

Tome-se um caso emblemático. O que um jovem formado em Engenharia, Física, Matemática ou Economia em alguma universidade dos EUA consideraria como o ápice das suas ambições profissionais? Provavelmente, ser contratado por algumas das empresas do Vale do Silício, para trabalhar com tecnologia de ponta. Já no Brasil, em muitos casos, o que um engenheiro ou economista formado pela UFRJ, pela USP ou pela PUC de alguma das grandes cidades provavelmente irá fazer? Com grandes chances, se preparar para um concurso público. Faço aqui a ressalva de que não há nenhum demérito nisso — para que não haja dúvidas sobre o assunto, é o caminho que eu escolhi quando era jovem, aos 22 anos, há mais de três décadas. O problema é a escassez de gente com espírito empreendedor.

[…]

O curioso dessa atitude é que o jovem entende perfeitamente as regras da competição e da meritocracia quando se prepara para o concurso: ele sabe que as vagas são muito disputadas, que é preciso estudar muito e que a maioria das pessoas não passará. A defesa da competição, porém, em muitos casos se encerra no dia seguinte à aprovação. O nosso problema é que o mundo lá fora não funciona assim: há milhões e milhões de asiáticos estudando inglês, trabalhando nove, dez ou mais horas por dia, brigando por satisfazer o cliente das suas exportações e em constante processo de aprimoramento.

[…]

O Brasil precisa deixar para trás décadas de mentalidade paternalista, se quiser ter um espaço relevante no mundo de hoje. Precisamos avançar na direção de termos um país produtivo, aberto à competição e inovador. Em pouco mais de 25 anos, o governo federal passou de um gasto primário — sem juros — de 14% do PIB a um nível atual de 24% do PIB, com uma elevação concomitante da carga tributária. A regra do teto do gasto tenta enfrentar esse problema, mas, para que ela seja respeitada, é preciso que o Estado deixe de ter a incidência de todo tipo de demanda como as que historicamente foram canalizadas para ele. E isso implica mudar corações e mentes. Não será fácil.

Uma vez mais, temos os privilegiados do setor público de um lado e os que pagam a conta do outro, cada vez mais espremidos. Valorizar o empreendedor é fundamental se desejamos avançar, criar riqueza e empregos. Mas a mentalidade ainda é muito atrasada, olhando para o governo como um messias salvador da Pátria. E, como obstáculos mais emergenciais, temos as reformas estancadas, tema da quinta e última coluna, de Albano Franco, que retorna ao assunto da primeira:

Diante desse quadro político — e policial — de incertezas, enormes são as dificuldades para os que estão com a responsabilidade de governar os destinos do país, de estados e municípios, especialmente num momento de graves dificuldades econômicas e financeiras, resultado de uma prolongada e brutal recessão que já contabiliza 13,5 milhões de desempregados, cerca de 13,7% da população economicamente ativa, uma das maiores taxas de desocupação de que se tem notícia.

Reinserir esse massivo contingente no mercado de trabalho e ainda os segmentos jovens que procuram o primeiro emprego requer, necessariamente, que o país volte a crescer economicamente, a taxas expressivas, acima de 4% ao ano, pelo menos. E crescimento econômico, por sua vez requer um investimento na infraestrutura, na produção, em inovação e, especialmente, numa educação de qualidade — ingrediente indispensável para a elevação progressiva da produtividade e premissa básica a fim de garantir o desenvolvimento sustentável e inclusivo ao longo do tempo.

Sim, isto é o que todos queremos! Desenvolvimento! Entretanto, há consenso de que não se conseguirá colocar o Brasil nos caminhos do crescimento se não forem realizadas as reformas modernizantes ora em tramitação no Congresso Nacional.

Juntando tudo e batendo no liquidificador, eis o que temos: a crise política tem impedido o avanço das reformas, com a intenção deliberada do “deep state” de barrá-las, para proteger seus privilégios. Mas sem essas reformas a economia vai afundar de vez, e levar junto o futuro brasileiro. Precisamos das reformas para ontem, e da mudança de mentalidade do povo para continuar com as mudanças necessárias no longo prazo.

Ou atacamos os privilégios e a mentalidade estatizante que os sustenta, ou aqueles que produzem riqueza vão ser esmagados e desistir de vez do Brasil. Seria a vitória dos parasitas, mas uma vitória de Pirro: a morte dos hospedeiros seria também a sua própria morte.

Rodrigo Constantino

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