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Ou seguimos princípios, ou não teremos moral para criticar nossos adversários
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Lord Acton lamentava que a liberdade sempre tenha contado com poucos amigos sinceros ao longo da história. O que ele queria dizer é que poucos defendem os princípios da liberdade, enquanto a maioria luta por interesses particulares, de olho eu suas vantagens imediatas. E isso leva a um duplo padrão hipócrita muitas vezes.

Para os revolucionários esquerdistas, seus “nobres fins” sempre justificaram quaisquer meios. Ou seja, para trazer o socialismo para a humanidade, o “paraíso na Terra”, vale tudo, desde mentir até matar. A “ética burguesa” sempre foi vista como afetação de liberal bobo para esses marxistas.

Mas há “marxistas” na direita também, ao menos nos métodos, igualmente dialéticos, revolucionários e sem qualquer apreço pela postura coerente e ética, também vista como afetação de “liberal purista”. Seu desprezo pelos liberais, aliás, só encontra rival do lado socialista.

Esses “jacobinos de direita” defendem uma reação drástica de ruptura contra o “sistema”, pois nossas instituições estariam totalmente carcomidas. Claro que há um ponto nisso, ou seja, a narrativa parte de premissas parcialmente verdadeiras, e por isso atrai muita gente. Os meios, porém, importam.

Vejamos alguns exemplos. Na greve dos caminhoneiros, essa ala da direita vibrou com o caos, pois seria a chance de redenção, de derrubar o governo, de declarar guerra aos bandidos no poder. Quem pagou o pato foi a própria população. 

Mas eis o ponto-chave aqui: esses ditos conservadores apoiaram os métodos usados por MST, sindicatos e companhia. Com que moral, agora, vão criticar o anúncio de greve das centrais sindicais? CUT, Força Sindical e outros sindicatos do país se unem contra pontos da reforma trabalhista e marcam mobilização nacional para agosto, tentando explorar um governo fraco. 

Os parasitas sindicalistas e a esquerda radical tentam abusar dessa situação de olho eu seus interesses. Um direitista “jacobino” vai ficar de qual lado? Do governo “ilegítimo” que deveria ser derrubado na marra, ou dos grevistas de esquerda que querem melar uma boa reforma trabalhista, que flexibilizou as leis e retirou privilégios indevidos dos sindicatos?

Outro caso recente foi a decisão do STF ontem de vetar o voto impresso, que havia sido aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente Temer. É um escancarado ativismo judicial dos ministros, que se julgam legisladores, mas que não receberam um só voto para tanto. De nada adianta atacar a decisão em si, mas não o método, ou seja, o arbítrio desses ministros nessa “ditadura da toga”. Carlos Andreazza resumiu bem:

Quem defende “justiceiros” acima da lei vai condenar essa medida com base em qual moral? Quem foca apenas nos fins e ignora os meios está sujeito a essa postura incômoda e incoerente: não está, de fato, atacando como a coisa foi feita, e sim qual decisão foi tomada. Se o arbítrio fosse usado para o seu lado, para o seu time, aí tudo bem. Isso se chama hipocrisia.

O que se deve acusar, segundo o liberal Benjamin Constant, é o grau de força, e não os depositários dessa força. A soberania do “povo”, sendo ilimitada, cria um grau de poder demasiado grande, o que representa um mal por si mesmo, quaisquer que sejam as mãos em que for posto tal poder. Em suas palavras, “é contra a arma e não contra o braço que convém ser severo”. Ou seja, o poder arbitrário deve ser condenado, não importando quem está com ele agora.

Um terceiro e último exemplo: Jair Bolsonaro disse que não vai participar das sabatinas da imprensa. Muitos de seus seguidores aplaudiram, pois a imprensa, afinal, é de esquerda e enviesada (o que é verdade). Mas eis o ponto: Collor também não aceitou, e petistas também já fugiram da raia. Mas nessa época eram criticados pela direita, com razão.

Entende-se a estratégia política: o líder das pesquisas só tem a perder nesses debates e entrevistas hostis, pois será alvo prioritário de pancada. Sabe-se do viés ideológico desses veículos de comunicação também, o que só atrapalha. Mas a questão é outra: com que moral vamos condenar quando um esquerdista líder nas pesquisas se recusar a participar de debates? Aí ele será um covarde fujão que se nega a oferecer maior transparência para os eleitores e fortalecer a democracia?

O duplo padrão é mortal a longo prazo, pois nivela todos por baixo. Se a política é tida como uma guerra suja em que vale tudo para vencer, então não teremos mais condições de apontar o dedo para os esquerdistas e condenar seus métodos sujos e suas táticas pérfidas. Claro que vencer é importante, e ninguém precisa ser trouxa em nome de um ideal cego, uma “pureza” inexistente. Mas também não precisa aderir aos mesmos meios do inimigo, pois isso vai torna-lo parecido demais com aquilo que condena e pretende derrotar.

Os liberais podem criticar os grevistas da CUT com veemência, pois foram contra caminhoneiros grevistas que tentaram tocar o terror no país e impedir os demais de trabalhar, com ameaças e intimidação, métodos esquerdistas inaceitáveis. Os liberais podem criticar o ativismo judicial, pois não aplaudem esse caminho nem mesmo quando a decisão joga a seu favor, justamente por compreenderem o perigo dessa trajetória arbitrária. E os liberais podem criticar candidatos que lideram pesquisas e se recusam a participar de debates ou sabatinas, pois estão defendendo um princípio democrático, não importa quem seja o desfavorecido do momento. Chama-se coerência e apego aos princípios.

E vale lembrar: Trump participou dos debates.

PS: Alguns conservadores justificam essa guinada jacobina com a analogia da Venezuela, alegando que para derrotar um regime desses tudo é válido. Concordo com a conclusão, não com a premissa. Alguém está mesmo disposto a sustentar que o Brasil de hoje é uma Venezuela, uma Coreia do Norte, uma ditadura como Cuba? Eu seria o primeiro a defender que, nessas ditaduras assassinas, só resta um levante popular armado, e que quem conseguisse matar o ditador seria considerado um herói. Os meus colegas mais radicais à direita estão dispostos a defender, a sério, que quem metesse uma bala no presidente Temer fosse condecorado como herói por bravura numa batalha libertadora?

Rodrigo Constantino

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