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Uma nota circulava nesta terça nos grupos ligados ao mercado financeiro, gerando muita revolta. Paulo Guedes teria dito a investidores em Davos, numa reunião com o Itaú, que pretendia taxar dividendos e juros sobre capital próprio. Fui um dos revoltados, confesso. Taxar dividendos, como ocorre aqui nos Estados Unidos, é dupla taxação. O resultado da empresa já é líquido de impostos, e não me parece justo cobrar novamente dos acionistas na hora de receber o retorno de seu investimento.

A intenção de tributar lucros e dividendos já havia sido anunciada durante a campanha, na época com alíquota de 20%. A taxação dos juros é novidade no discurso do ministro da Economia. Em reportagem da Gazeta do Povo, pode-se entender melhor o que está em jogo:

Tais mudanças provavelmente ocorreriam – segundo sinalizações feitas por Guedes no ano passado – em paralelo a um corte no Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), que hoje chega a 34% e seria reduzido a 20%. Isso significa, nas palavras do presidente do Bradesco ao “Valor”, que o governo vai reduzir a carga tributária sobre a produção e aumentar seu peso sobre os ganhos de capital.

A tributação de lucros e dividendos é praticada por quase todos os países desenvolvidos e adeptos do livre mercado filiados à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Mas, no Brasil, os dividendos distribuídos a acionistas são isentos de impostos desde a reforma do IR feita em 1995, no governo FHC. Na mesma ocasião, foi criado o mecanismo dos juros sobre capital próprio, que são os juros que as empresas pagam nos empréstimos que tomam de seus sócios. Os JCPs são tratados como despesa na contabilidade da empresa. Por isso, são deduzidos da base de cálculo do IR, de forma que a companhia não precisa pagar impostos sobre eles – mas os acionistas, sim.

A ideia de retomar a taxação sobre dividendos e acabar com a dedução dos JCPs no IR não é nova nem exclusiva de Paulo Guedes. Consta, por exemplo, do “Panorama Fiscal Brasileiro” produzido pelo Ministério da Fazenda do governo Temer e encaminhado em dezembro à equipe de transição do novo governo.

A equipe de Temer calculou que uma alíquota de 15% sobre lucros e dividendos resultaria num ganho de arrecadação de R$ 21,4 bilhões no primeiro ano de implantação e de R$ 95,1 bilhões no acumulado de quatro anos. A redução gradativa, até a extinção, da dedução dos juros sobre capital próprio geraria uma receita extra de R$ 3,6 bilhões no primeiro ano e de R$ 15,8 bilhões em quatro anos.

Sou bastante radical quanto a impostos, defendendo sempre sua redução, nunca aumento. Quando se lê isoladamente sobre a intenção de taxar dividendos e JSCP, não há como evitar a revolta. Mas, se fizer parte de um pacote mais amplo, que no final pretende reduzir e simplificar a carga tributária como um todo, aí até podemos engolir a dupla taxação, por mais injusta que possa ser.

Paulo Guedes deseja reduzir a carga tributária corporativa de 34% para 15%, menos ainda do que fez Trump aqui nos Estados Unidos, e que serviu para animar a economia e gerar mais investimentos. Esse seria o foco principal, mas a taxação sobre dividendos entra como uma compensação, ainda que pareça insuficiente para tanto. O ministro explicou:

“Hoje, o imposto das empresas é de 34%. Se baixar para 15%, aí é preciso aumentar o imposto sobre dividendos para ficar igual”, disse ele. O ministro argumentou que a redução é necessária porque “todo mundo está baixando” os impostos.

Nos Estados Unidos, exemplificou, a carga para o setor produtivo é de 20%. “Então, se o Brasil não baixar o imposto para as empresas, nenhuma empresa vai para o País. Acaba indo para os outros lugares”, defendeu.

Guedes argumentou que a única forma de se fazer isso sem derrubar a receita do País é por meio de uma realocação da carga tributária. “Se derruba um, compensa com outro e fica igual, fica a mesma tributação praticamente”, explicou. “Se cair para 15% o imposto para as empresas e o dividendo em 20%, continuamos com a mesma tributação, mas estimulamos as empresas a irem para o Brasil”, reforçou.

Atualmente, as empresas pagam 34% sobre seus lucros e, depois da tributação, os dividendos são distribuídos sem cobrança de Imposto de Renda sobre esses ganhos.

O ministro reforçou que se trata de um programa de “substituição tributária” e garantiu que não haverá aumento de imposto. “Baixa um e sobe o outro para ficar todo mundo mais ou menos igual. A nossa essência é de substituição tributária. Tem gente que não paga, tem gente que paga demais”, afirmou.

Tanto Guedes, um liberal formado em Chicago, como Marcos Cintra, secretário da Receita e velho defensor do imposto único, pregam menos impostos, além de uma tributação mais simples. Não faria sentido, portanto, esse governo apresentar uma proposta “desenvolvimentista”, no pior estilo Guido Mantega. Eles merecem algum crédito e benefício da dúvida.

Reduzir e simplificar a carga das empresas pode fomentar mais investimentos e competitividade, e, sendo bastante pragmático, com a nova cobrança em cima de dividendos e juros sobre capital próprio, as empresas terão mais incentivos para manter os recursos em seu caixa em vez de devolve-los aos acionistas, o que pode estimular mais investimentos produtivos ainda.

Ou seja, por mais que eu odeie o conceito de tributar dividendos, vindo nesse pacote junto à redução do imposto corporativo ele pode fazer sentido, e o resultado final seria interessante. Paulo Guedes tem lutado por maior transparência, e os impostos diretos substituindo impostos indiretos seriam parte dessa estratégia também. Pode permitir o enxugamento do estado no médio prazo, pela maior visibilidade do que realmente ocorre no setor produtivo.

Guedes goza de ampla confiança por parte dos investidores. Enquanto circulava apenas a nota sobre dividendos ontem, o clima era de azedume. Mas não há motivos para achar que alguém liberal com ele vá propor, como medida final, um aumento da carga tributária. É preciso enxergar a floresta, não só as árvores. O homem sabe o que faz.

Rodrigo Constantino

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