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A garotada libertária do Livres, que tentava ocupar o PSL, levou um baque com o acordo entre o partido e Jair Bolsonaro. Em nota, o Livres justificou sua saída da sigla, por considerar Bolsonaro autoritário demais, e disse que pretende continuar na luta por liberdade. Escrevi, no dia, o seguinte comentário:

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Quando me perguntavam o que os liberais deveriam fazer para reverter o jogo político, eu normalmente respondia: o que estiver ao nosso alcance! Não acho que exista uma só estratégia, e como estamos perdendo de goleada, tudo é válido: tentar ocupar um partido existente, se espalhar por partidos grandes e tentar levar a mensagem liberal, criar um partido novo, tentar influenciar os políticos já estabelecidos. Por isso ajudei, dentro de minhas limitações, na formação do Novo. Por isso dei apoio ao Livres, mesmo com divergências ideológicas aos mais libertários “progressistas” ali dentro. Por isso apoiei quando Adolfo Sachsida e Bernardo Santoro tentaram trazer Bolsonaro para o lado mais liberal. Por isso apoiei quando o Paulo Eduardo Martins tentou mexer no PSDB. Por isso apoiei Marcel van Hattem, grande liberal, mesmo em partido alheio ao liberalismo. Agora, o jogo político não é para amadores, para “puristas”. Há espaço para muitas estratégias, mas é preciso ser minimamente realista. O Livres tentou tomar o PSL, mas o PSL tinha e tem dono: Luciano Bivar. Eu brinco que a turma do Teletubbies ou a “direita Marshmallow” tomou uma lição importante com isso tudo, mas não quero ver a garotada desanimando. Há espaço para libertários em nossa política, mesmo que sejam sempre minoritários. Talvez o Livres tenha mais força como um movimento que influencia vários partidos. Não sei. Só sei que o Brasil ainda está muito longe do liberalismo, e por isso todas as táticas que nos levem mais nessa direção são bem-vindas e terão meu apoio. E que venha 2018, pois para podermos pensar no futuro, antes é preciso haver um, e se o PT voltar ao poder, o Brasil acaba. Vide a Venezuela…

João Amoedo, do Partido Novo, gravou um breve vídeo usando a notícia como gancho para explicar porque escolheu o árduo caminho de montar um partido do zero:

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Por fim, gostaria de chamar a atenção para um ótimo e longo texto de Eduardo Matos de Alencar, publicado na revista Amálgama, sobre a realidade do sistema político brasileiro e, com base nisso, as chances de alguém como Bolsonaro – let alone Amoedo – vencer a disputa contra o establishment. O título já diz quase tudo, inspirado em filme que não recomendo para aqueles com estômago sensível: Onde os fracos não têm vez.

O autor usa como base o livrinho O nobre deputado, de Marlon Reis, o juiz responsável pela Lei da Ficha Limpa, que já resenhei aqui, além de sua experiência “traumática” tentando fazer trabalho social na Rocinha. O que ele mostra são as entranhas do poder, o enorme peso dos “cabos eleitorais”, como se compra votos dos pobres na prática em nosso país.

É nesse contexto que podemos entender a importância da militância mais fanática, dos soldados da causa, que o PT sempre teve, e que agora Bolsonaro demonstra ter. Incomoda a turma liberal? Sem dúvida! Mas sendo realista: há alternativa? Até há sim: ser mais romântico, mais “purista”, e claro, perder. O jogo é sujo, o establishment tem muito poder, e não é factível imaginar que a direita vá levar o pleito abrindo mão de parte da estratégia que condena nos demais. Alencar diz:

Para pessoas que vivem em situações de privação extrema, há mecanismos que operam para impedir cálculos de longo prazo. Pode parecer estranho, mas é mais provável que um mendigo na rua prefira receber R$ 50,00 agora de você do que R$ 500,00 no final do mês. E não é só porque a fome exige uma solução rápida, mas porque ele já se acostumou a operar no nível de satisfação das expectativas imediatas de cada dia. Essa mesma falha de racionalidade, que se encontra em inúmeras pessoas das camadas mais pobres da população, impede o estabelecimento e realização de um planejamento que leve a uma melhoria efetiva de vida. Nas classes mais abastadas, o nicho de coaching opera justamente com a promessa de mudar aquilo que no mundo dos negócios se chama mindset, ou a mentalidade em relação à própria vida que impõe limites para as ambições e, consequentemente, realizações de cada um.  Essa visão de mundo vai dizer muito não só sobre a forma como as pessoas lidam com os bens materiais, mas também com o voto.

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Compreender como funciona essa lógica no Brasil é pensar minimamente da mesma forma que os políticos, os verdadeiros artesãos desse processo. Em um país em que o IBGE reconhece 52 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza, com mais de 40% da população sem qualquer acesso a esgotamento sanitário, a quantidade de pessoas sujeitas aos mecanismos descritos aqui não pode ser ignorada. Não se trata de algo residual, mas da alma mesma do nosso sistema político.

Se for assim, então toda eleição vai para o “centrão”, para o PMDB que domina os grotões? Como explicar a ascensão do PT então? Bem, de fato o PMDB não é o maior partido à toa, não atua como “poder moderador” por nada, não faz parte de todo governo desde a redemocratização por acaso. Mas Alencar explica que mesmo o PT precisou jogar o jogo, e que contava com aliados importantes na militância:

Até mesmo a ascensão do petismo ao poder dependeu fortemente da capacidade de lidar com essa situação histórica. É verdade que o processo de tomada efetiva do poder pelo PT passou por um longo processo de construção de uma hegemonia de esquerda no âmbito da cultura. A ocupação de espaços em universidades, sindicatos, órgãos de impressa, veículos de comunicação, repartições públicas, igrejas, escolas e tribunais certamente contribuiu não só para a aceitação de candidatos outrora desconhecidos, como para o deslocamento do eixo das próprias ideias que circulam na esfera pública, limitando o campo do discurso e da ação de maneira formidável.

Bolsonaro e Amoedo não possuem os professores universitários, os jornalistas, os funcionários públicos, os padres vermelhos e os sindicalistas para lhes dar apoio “voluntário”. Contam apenas com a militância espalhada, principalmente nas redes sociais. Lutam contra o establishment, e a recente reportagem da Folha requentando denúncia de enriquecimento suspeito em investimentos imobiliários da família Bolsonaro mostra bem como é o jogo para quem não faz parte do establishment de esquerda. Cheguei a comentar:

A mídia vai cavucar até multa de trânsito não paga em 1990 ou furto de galinha aos 12 anos! O problema é que basta introduzir alguma dúvida para manchar a imagem, pois o próprio candidato criou a ideia do “mito” que seria incorruptível. E como o custo da legalidade é quase proibitivo no Brasil, sempre será possível encontrar alguma coisinha suspeita. Basta isso para a imprensa de esquerda criar a narrativa do “todos iguais”. E eis que o mensalão, o petrolão e uma estranha valorização imobiliária (mas teve boom louco no Rio mesmo) se tornam equivalentes. Bolsonaro tem alguma culpa por ajudar a vender a ideia de que todos são iguais na política, menos ele. Sem qualquer gradação, sem 50 tons de cinza, só resta o binário branco ou preto. E aí basta encontrar alguma coisa – qualquer coisa – para minar o discurso de pureza e nivelar tudo por baixo. Foi o que Lula e o PT fizeram. E foi infelizmente o que os “puristas” ligados ao capitão acabaram por endossar. Do “quem nunca pecou que atire a primeira pedra” chegamos ao “somos todos pecadores” e aí, nas mãos da esquerda, estamos a um passo do relativismo que coloca todos os “malfeitos” como iguais. Terreno perigoso o dos “incorruptíveis”…

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Amoedo parece ter um foco de mais longo prazo, uma postura bem mais moderada e amena, e sabe que provavelmente não tem muita chance real nesta eleição. Já Bolsonaro tem chance, é o segundo nas pesquisas, que não dizem muita coisa ainda, e tem uma forte militância que atua como seus soldados. Mas precisa levar em conta como é o jogo político de fato, e por estar no sétimo mandato, acredito que de bobo não tem nada (apesar de que para alçar voos majoritários tudo muda de figura, pois não dá mais para vencer com base só no seu nicho de mercado). Alencar vê alguns movimentos acertados de Bolsonaro:

Claro que uma figura com a popularidade de Bolsonaro pode decidir jogar o jogo nos seus termos atuais. Considerando que se trata de um deputado com 20 anos de mandato, é bem provável que o faça. Esse é o segundo ponto apontado pelo Filipe G. Martins na nossa discussão que me parece de maior relevância. Afinal, é bem possível que o candidato seja capaz de se articular com um número razoável de deputados campeões de voto. Nesse sentido, figuras como Éder Mauro (PSD), Delegado Waldir (PR), João Rodrigues (SD) e Magno Malta (PR) podem fazer toda a diferença. Pois trazem consigo não só eleitores, como também prefeitos, vereadores, candidatos e lideranças comunitárias com os meios necessários para convencer grande parcela do eleitorado.

Esse aspecto acho infinitamente mais importante para mensurar a viabilidade real de sua candidatura do que as opiniões propriamente ditas do candidato. Afinal, não é verdade que o Brasil não tenha tido candidatos que expressaram posições conservadoras em outros pleitos. De Enéas Carneiro a Paulo Maluf no passado, a figuras como Pastor Everaldo ou Levy Fidelix nas últimas eleições presidenciais, sempre houve quem levantasse bandeiras com as que o deputado ora defende, ainda que boicotado em inúmeras frentes e com pouquíssimos recursos à disposição.

Os liberais torcem normalmente o nariz para os evangélicos, ignorando que foi a bancada evangélica, espalhada em vários partidos, que ofereceu resistência aos socialistas nas pautas “morais”, como a ideologia de gênero e o aborto. A capilaridade da força evangélica pode servir para derrotar a esquerda radical sim, e se Bolsonaro souber utilizá-la, terá chances concretas. Mas, como lembra Alencar, isso também significaria que não será a vitória de um outsider:

Isso também significa que uma eventual vitória não se trataria propriamente da entrada de um outsider no jogo político. Em termos de rompimento com os limites do debate público impostos pelas principais forças do país (PT e PSDB), é bem possível. O que é difícil de acreditar é numa resposta real aos anseios de parcela significativa da população em torno do problema da corrupção endêmica do nosso sistema político. Cavar fundo sobre as bases nas quais se está alicerçado nunca foi forte de político algum. Consequentemente, também olho com descrença para promessas de diminuição real do tamanho do Estado brasileiro ou de suas prerrogativas sobre a vida de milhões de brasileiros. A máquina pública nacional é grande e sufocante porque sustenta os donos do poder desde muito antes de haver esquerda e direita no Brasil.

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A mensagem não precisa ser de desânimo ou desesperança para os liberais, mas eles devem, sim, ter um mínimo de realismo na hora de declarar guerra e enfrentar um inimigo tão forte e com um poder tão estabelecido. Reduzir o tamanho do estado, descentralizar o poder, aproximar o representante político do povo, liberar as amarras da economia, nada disso será tarefa fácil, simples e rápida, e a “direita marshmallow” já teve sua primeira grande lição de realidade na hora de decidir o “cabo de guerra” dentro do PSL. Ora, o partido tem dono!

As redes sociais são, claro, importantes instrumentos, mas não sejamos ingênuos aqui também: o jogo vai ser pesado para limitar seu poder, para controlar as “fake news” (sendo que a mídia mainstream é a maior máquina de “fake news” que existe). Alencar conclui seu importante texto:

Contudo, é importante reconhecer que o advento das redes sociais e o processo de abertura política que se verifica desde 2013, com a participação ativa de uma nova direita que não tem vergonha de se apresentar enquanto tal na esfera pública, deve ter um peso de difícil mensuração para qualquer analista ou operador da política no Brasil. Ainda assim, é bom lembrar que as restrições ao uso das redes sociais durante a campanha são draconianas. E o STE sempre pode presentear os brasileiros com mais uma surpresinha.

O que não se pode esperar é que as velhas engrenagens do sistema político não façam sentir seu peso quando começarem a se movimentar em ritmo de ano eleitoral. Neste deserto tropical, onde os fracos não têm vez, é aconselhável manter o ceticismo com qualquer sinal de esperança de mudança num horizonte próximo – pode não passar de uma miragem.

O alerta cético é saudável, para que grandes ilusões não tragam uma decepção diretamente proporcional. Acho que o tecido social brasileiro não aguenta mais uma desilusão tão grande depois das esperanças que o marginal Lula conseguiu provocar em boa parte da população…

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PS: Para se ter uma noção do poder do establishment, um de seus candidatos “outsider”, Luciano Huck, o “Macron tupiniquim”, fez campanha em rede nacional num programa de TV com boa audiência no domingo, e o MP certamente não vai fazer nada. Mas se Bernardinho, do Novo, postar uma coisinha nas redes sociais, já é “campanha antecipada”. O jogo político, definitivamente, não é para amadores…

Rodrigo Constantino