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Reforma previdenciária: se passar é por causa ou apesar do governo Bolsonaro?
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“Você pode conquistar qualquer coisa na vida, desde que não se importe com quem fique o crédito”. (Harry Truman)

A frase destacada na epígrafe é uma verdade, mas também é verdadeiro o Eclesiastes, que alerta que é tudo vaidade. O que importa, para a imensa maioria, não é ver o milagre realizado, mas sim o reconhecimento do santo. E em política isso é ainda pior: afinal, assumir o mérito pelas coisas boas – e evitar a responsabilidade pelos erros – é crucial para a sobrevivência eleitoral.

Estadistas pensam nas próximas gerações, não nas próximas eleições como os populistas. É fato. Mas raros são os estadistas. Na política, normalmente o sucesso tem muitos pais e o fracasso é órfão. Se a reforma previdenciária for mesmo aprovada com essa economia perto da casa de um trilhão, isso será um inegável sucesso. A disputa pela paternidade será inevitável. Na verdade, já começou.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, puxou a sardinha para o Congresso, e disse que o filho será parido pelos parlamentares. Maia deseja destacar o maior protagonismo do Parlamento, que vem sendo demonizado pela narrativa bolsonarista. O bolsonarismo, por sua vez, precisa alimentar a crença de que seu “mito” chegou para mudar tudo, criar a “nova era”, e impor aos adeptos da “velha política” essa nova realidade, sonhada pelo povo.

Nem tão ao céu, nem tão à terra. No Congresso há muito oportunista, deputado que sabotou a reforma no começo para cobrar mais alto pelo apoio, gente de olho só em emendas e verbas sem qualquer patriotismo, ou preocupada com um eventual fortalecimento de Bolsonaro no caso de uma economia muito grande, garantindo sua reeleição (não é, Paulinho?). Mas também tem gente séria que vem trabalhando duro pela reforma.

Por outro lado, no governo tem sabotagem também, a começar pelo próprio presidente. Bolsonaro abria a boca e já desidratava um pouco a reforma. Idade mínima, capitalização, militares, policiais: a lista foi longa. Parecia que nem era ele quem tinha enviado aquela proposta, cuja autoria é do ministro Paulo Guedes e sua equipe, como sabemos. O corporativista em Bolsonaro falou mais alto do que o liberal, mudança muito recente.

Como disse um leitor, o Bolsonaro tem seus méritos. Afinal, conseguiu um feito inédito: fazer parecer que alguém que está há 30 anos na política possa ser considerado da “nova política”. E, de fato, essa “nova era” prometida se parece cada vez mais com a tal “velha política”. Não nego que Bolsonaro tenha a intenção de fazer a coisa da maneira certa, e acho que ele jamais cederia ao mensalão petista, por exemplo. Mas em política a realidade se impõe.

Por exemplo: o governo teria prometido liberar quase R$ 6 bilhões em emendas! O presidente se defende pelo Twitter, alegando que se trata apenas da lei, do orçamento impositivo, e os bolsonaristas mordem a isca. Mas e o timing? Nada a ver com a votação? Nenhum elo? O ministro da Saúde parece ter sido mais transparente, ainda que em ato falho, e afirmou ao site Jota que a liberação de emendas de sua pasta foi um esforço para a aprovação da reforma.

Não sou eu quem demoniza a prática, ao menos não tanto quanto os puristas. Sei que o Brasil não vai dormir Brasil e acordar Suíça, que certas mudanças levam tempo, não podem ser impostas ou obtidas por revoluções, muito menos produzidas por algum “messias” que até “ontem” era membro da velha política. Eu simplesmente aponto a hipocrisia, até porque morro de medo do discurso salvacionista que endeusa políticos.

Ou seja: teve muita gente no Congresso que fez um ótimo trabalho pelo avanço da reforma, e gente do governo, incluindo o próprio presidente, que às vezes jogou contra. O que dizer do PSL, o partido do presidente? O editorial do Estadão de hoje colocou o dedo na ferida, mostrou o “racha” do partido, que mais parece um agrupamento oportunista, e lembrou como são deputados da própria base que se esforçam para desidratar a reforma em nome de privilégios corporativistas:

Tendo o governo optado por apresentar um novo projeto – o que lhe era facultado, ainda que não recomendável –, o mínimo que se poderia esperar era o apoio incondicional do PSL ao texto. Afinal, trata-se do partido do presidente da República. Mas ao contrário do que sugerem a razão e o bom senso, tem sido justamente o PSL uma das maiores fontes de atribulações no curso da reforma da Previdência.

Ainda está fresca na memória a aflitiva demora para a aprovação do projeto pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, muito em função dos vaivéns protagonizados por parlamentares do PSL. O que se viu ali foi um agrupamento de políticos erráticos sob uma mesma sigla, não um partido coeso em torno da agenda do governo, da qual, presume-se, a reforma da Previdência seja a grande estrela.

[…] A preocupação do governo – e de todos os brasileiros interessados na aprovação da reforma – é que o “racha” da bancada do PSL na Câmara dos Deputados – a terceira maior, com 54 parlamentares – sirva de pretexto para que outros partidos se sintam confortáveis para ceder a pressões corporativas que podem levar a uma substancial redução da economia com a reforma do sistema previdenciário, estimada em R$ 934 bilhões em dez anos.

[…] Há parlamentares do PSL que admitem até mesmo votar com a oposição destaques que beneficiem as categorias profissionais que defendem. É o caso do deputado Felício Laterça (RJ). “Precisamos entender a diferença de certas categorias. Vou bater nessa tecla até morrer. Se o PSL decidir não apresentar o destaque (a favor dos policiais) e a oposição o fizer, voto com a oposição”, disse o parlamentar ao Estado. O mesmo caminho pode ser seguido por outros deputados.

[…] Resta ver como o presidente Jair Bolsonaro receberá esse alerta. Não é exagero dizer que a tibieza do PSL na defesa da reforma da Previdência tal como deve ser aprovada, ou seja, gerando ao País uma economia de quase R$ 1 trilhão, em boa medida reflete a falta de convicção que o próprio presidente tem de sua necessidade. Basta dizer que há poucos dias Jair Bolsonaro esteve pessoalmente empenhado em negociar com o Legislativo as reivindicações dos policiais, que ele trata como “aliados nossos”. Agora é o momento de os parlamentares colocarem cera nos ouvidos a fim de não sucumbir ao canto que poderá levar o País à ruína.

O editorial defende que fazia mais sentido aproveitar a reforma encaminhada por Temer, que teria um caminho bem menos sobressaltado: “Decerto, ao País interessa mais a aprovação da reforma de um sistema há muito insolvente e injusto do que a verificação de autoria do santo reformador”. Talvez fosse pedir demais, e vale ressaltar que a reforma proposta inicialmente por Bolsonaro era melhor.

Mas o ponto é que há mais continuidade do que a ruptura que os revolucionários gostariam. Vide o caso do acordo entre Mercosul e União Europeia. Não só uma ode ao “globalismo”, de certa maneira, o que complica a narrativa bolsonarista, como fruto de negociações retomadas pelo governo Temer, como o próprio presidente, num gesto de humildade, reconheceu. Avanços lentos e graduais, não em saltos quânticos. Reformas, não uma revolução.

Isso tudo é relevante justamente para derrubar esse discurso messiânico dos bolsonaristas mais radicais. Um típico olavete comentou: “Bolsonaro será o primeiro presidente em décadas a aprovar uma reforma da Previdência dessa monta. Mesmo assim, dirão que foi aprovado ‘apesar’ dele. Não foi ele que quis fazer a reforma, escolheu Guedes e ganhou a eleição, vendendo a ideia ao povo. Foi o Maia, claro”.

Temer quase conseguiu e não fosse aquele golpe janotista, muito provavelmente teria aprovado uma boa reforma, ainda que bastante aquém da que necessitamos. O Congresso, como disse, está trabalhando pela aprovação, inclusive Maia, enquanto Bolsonaro luta como sindicalista pelos policiais no momento. São fatos incômodos para a narrativa bolsonarista, eu sei, mas continuam sendo fatos e eles não ligam para seus sentimentos – ou sua agenda política.

Dito isso, retirar qualquer mérito de Bolsonaro é igualmente absurdo. Sim, foi ele que escolheu Paulo Guedes, foi seu governo que escalou o craque Rogério Marinho, foi ele que engoliu o pragmatismo para fazer articulação política e liberar emendas e de alguma maneira foi o bolsonarismo que colocou milhares nas ruas com a pauta da reforma. Como no caso do acordo com a UE, o mérito de Bolsonaro se a reforma passar será inegável.

Ou seja, a reforma não passa apesar do governo, como alegam seus críticos, e tampouco é obra só do governo, como querem os bolsonaristas fanáticos. No mundo real da política é normalmente assim mesmo: nem oito, nem oitenta. Para o desespero dessa turma, Rodrigo Maia tem mérito sim, e não é pouco – pergunte ao Guedes. O Congresso, apesar dos pesares, está fazendo sua parte. O “centrão”, não custa lembrar, barra qualquer projeto de lei, ainda mais PEC, e só bobinhos românticos acham que foi a “pressão das ruas” que resolveu a questão.

Enfim, o buraco é mais embaixo e a realidade não costuma se encaixar em discursos maniqueístas e simplistas. Sem participar de torcida organizada de futebol, sem a função de “cheerleader” de governo, sem precisar demonizar a “velha política” para obter votos em eleições, eu posso fazer análise independente e imparcial aqui. E é com base nela que concluo: o filho, se nascer, terá muitos pais, e estão todos de parabéns! O Brasil, com 13 milhões de desempregados, tem pressa e não quer saber se foi Bolsonaro sozinho ou Maia e o “centrão” que resolveu a parada. O país quer resultado!

Rodrigo Constantino

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