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Resgatando Samuel Huntington: o realismo contra o multiculturalismo
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Li O choque de civilizações, de Samuel Huntington, há muitos anos. Mas a mensagem ficou gravada em minha mente, como um antídoto realista contra as tentações infantis de se abraçar o multiculturalismo para evitar a angústia inevitável. Coisa de quem acha que pode resolver as questões geopolíticas convidando a Al Qaeda para um chá das cinco.

Pois bem: João Pereira Coutinho, em sua coluna de hoje na Folha, resgata o bom e velho Huntington, para esfregá-lo na cara de Tony Blair e seus seguidores da esquerda caviar. Ao menos Blair reconhece, agora, que a guerra é mais cultural do que qualquer coisa. Mas ainda pensa em diagnósticos dignos de uma criança no maternal. Diz Coutinho, resumindo a mensagem de Huntington:

Os conflitos acabarão por emergir entre civilizações —ou, melhor dizendo, entre diferentes concepções do mundo que não podem ser resolvidas, ou harmonizadas, por um piquenique multiculturalista ou um seminário acadêmico entre pacifistas “new age”.

Como escrevia Huntington, a questão futura não passa por saber qual é o lado certo da batalha; a questão primeira será saber quem somos nós. Porque é a identidade cultural, e não os interesses momentâneos do Estado, que irá definir os conflitos futuros. E, quando as coisas são postas nesses termos, não é possível ser meio muçulmano e meio cristão ao mesmo tempo.

O triste e duro fato da realidade: há boa parte de outras culturas que simplesmente rejeita nossos principais valores. Quando digo nossos, quero dizer ocidentais, incluindo o Brasil com alguma boa vontade na turma. Individualismo, secularismo, apreço às constituições, direito de minorias, estes são valores vistos como ameaçadores para alguns povos, apesar de as “primaveras árabes” despertarem grande esperança nos mais iludidos.

Para Blair, segundo Coutinho, a solução passa pela “tolerância” entre as culturas. A resposta certa, para o mundo das fadas e duendes, como alfineta o escritor português. Como tolerar quem almeja lhe destruir? Como dialogar com quem prefere te matar a te dar razão? Blair deveria ler mais Popper…

Em The Intolerance of Tolerance, o cristão D.A. Carson argumenta que a “nova” tolerância representa uma forma peculiar de intolerância. Antes, tolerar era aceitar a existência de pontos de vista diferentes, conviver com eles, ainda que contrário a eles, combatendo-os inclusive.

Hoje, significa aceitar os diferentes pontos de vista, como se todos fossem igualmente válidos, uma mudança que parece sutil, mas tem grandes consequências práticas. Agora, o “tolerante” precisa aceitar qualquer opinião como verdadeira. Em vez de aceitar a liberdade de expressão de opiniões contrárias, ele deve aceitar todas essas opiniões, ponto.

Essa mudança de paradigma dentro do próprio Ocidente vem pavimentando a estrada da possível destruição de nossos principais valores, assim como a cultura ocidental como a conhecemos. Não precisamos apenas tolerar as ideias islâmicas, com o direito de até mesmo combatê-las; devemos abraçá-las como igualmente válidas, ou “apenas diferentes” das nossas próprias ideias que fundaram a cultura de liberdade no Ocidente.

Pergunto: como enfrentar uma cultura que deseja destroçar na essência a nossa, quando já partimos desse ponto de fraqueza? Como Coutinho provoca, se Blair quer ser a Miss Universo, tudo bem, seu discurso parece adequado. Mas como estadista?

O que fazer então? Coutinho, usando Huntington, dá uma sugestão tímida, que serve ao menos como base para o começo da reação:  perante o “choque de civilizações”, deve haver maior coesão no interior do próprio Ocidente, entre países que partilham os mesmos valores fundamentais.

Ou isso, ou podemos seguir enfraquecendo nossos pilares culturais e abrindo o flanco para quem odeia nossa civilização, mas avança cada vez mais sobre ela. Coutinho conclui: “continuo preferindo o realismo carnívoro do professor de Harvard ao idealismo vegetariano de Tony Blair”. Eu também.

Rodrigo Constantino

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