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Se sentir traído é doloroso, mas Brasil precisa se livrar de sebastianismo!
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Não quero tripudiar dos bolsonaristas. O sentimento de traição que muitos alimentam hoje é, em parte, justificado. Sei que “peguei no pé” dos bolsonaristas, aqueles que apoiam o governo e o presidente não importa o que aconteça, sempre prontos para passar pano nos deslizes. Mas é justamente porque essa postura é incompatível com o conservadorismo.

E esse foi meu alerta desde sempre. Conservadores são céticos com o poder, com o governo, com políticos. Não combina, portanto, o endeusamento de quem quer que seja. Culto à personalidade é algo oposto ao conservadorismo de boa estirpe. Messianismo em política leva a utopias revolucionárias, contrário ao que prega o conservadorismo, reformista e gradual.

Em outras palavras, o que se construiu ao redor de Jair Bolsonaro não tinha absolutamente nada a ver com conservadorismo. Ele se tornou “mito” para muitos, que passaram a enxerga-lo como um “messias salvador” de fato, um “incorruptível”. Esses adotaram postura de membros de torcida organizada de futebol, com fanatismo e beligerância contra qualquer adversário, visto como inimigo mortal. Esse tribalismo, novamente, é irreconciliável ao conservadorismo.

O presidente escolheu um esquerdista crítico da Lava Jato para a Procuradoria-Geral da República. É preciso aceitar o fato, digeri-lo lentamente. Sei que há um racha na base bolsonarista agora: muitos pulando fora do barco, jogando a toalha, acusando Bolsonaro de traidor, e outros pedindo calma, confiança no “mito”, mais tempo para julgar, ou mesmo já defendendo a “ótima” escolha. Revolta de corno ou cegueira bovina: as duas reações dentro do universo bolsonarista.

Mas creio que o ideal é usar esse momento doloroso para reflexão saudável. Se perdermos essa oportunidade, então a “traição” terá sido em vão. O brasileiro parece ter uma vocação para a idolatria a políticos, e isso é um perigo. Transportar a religião para o mundo político é fatal. Novamente: as palavras que costumam definir o conservadorismo são ceticismo, cautela, prudência. Nada disso bate com fé em políticos. Leiam Oakeshott, entre tantos outros.

Portanto, a lição mais importante a ser tirada desse lamentável episódio é condenar o sebastianismo, essa crença de que algum líder político virá nos “salvar”, enfrentar quase sozinho, ou só com o “apoio popular”, todo o “sistema”, combater os corruptos do “establishment”, desafiar o “deep state”, consertar o “mecanismo”. Não é assim que funciona na prática. E esse jacobinismo é inimigo dos avanços realistas numa democracia.

Escrevi dezenas de textos com variações sobre esse mesmo tema. Tornei-me até cansativo para alguns, mas era esse o recado que eu tentava dar: não caiam nessa de colocar Bolsonaro num pedestal. Não coloquem político algum nesse lugar! Lembrei que Robespierre foi degolado pelos jacobinos; alertei que quem cria corvos terá seus olhos arrancados um dia; avisei que o radicalismo tribal tornaria o ambiente político intragável; enfim, tentei defender os reais valores conservadores, contra uma direita nacional-populista que bebeu do fanatismo e da revolta populares para um projeto de poder.

É hora de amadurecer. Chega de falsos heróis ou de “mitos”. Lideranças podem fazer a diferença sim, sem dúvida, mas o foco deve ser construir sólidas instituições republicanas e resgatar valores morais na “guerra cultural”, com respeito ao contraditório, com decência na forma, e com realismo nos fins. É uma luta lenta, sem bala de prata, sem solução mágica, sem fanatismo.

Não tirem Bolsonaro do altar para colocar outro em seu lugar. Ainda temos que torcer para o governo dar certo, para as reformas andarem, para a economia retomar o crescimento. E isso será feito com pressão a um presidente falível, imperfeito, cujos defeitos ficarão mais aparentes agora, sem o manto da incorruptibilidade. Vamos cobrar dele, sem amor ou ódio. É apenas um político comum, que ficou décadas no Congresso, que emplacou três filhos na política, e que coloca sua família acima de tudo, inclusive do Brasil.

E volto a repetir: não coloquem ninguém nesse lugar. Esse lugar deve permanecer sempre vago, pois a política não é o ambiente certo para deuses ou mitos. Sim, isso inclui até o ministro Sergio Moro. Se trocarem apenas de mito, então é porque não absorveram a mais importante lição nisso tudo.

Rodrigo Constantino

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