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Sergio Moro no Roda Viva: o STF no banco dos réus
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Por Pedro Henrique Alves, publicado pelo Instituto Liberal

No dia 26/03, um dos juízes mais evidenciados no mundo concedeu sua primeira entrevista ao vivo a uma emissora, a TV Cultura. No tradicional programa Roda Viva, o juiz Sérgio Moro tinha a missão de expor sua visão jurídica e filosófica sobre temas variados, mas sobretudo a cerca da corrupção sistêmica que assola o país; além de explicar, de maneira pormenorizada, a operação Lava-Jato que tenta frear os avanços desse “câncer político” como denomina Marco Ruffo (Selton Mello) a corrupção brasileira na série brasileira O mecanismo.

Esta análise se destina a mostrar que, talvez até inconscientemente, a entrevista do magistrado acabou mostrando como o entendimento em questões basais, tais quais: Habeas-Corpus preventivo e sua função; a legalidade da prisão em segunda instância e inviabilidade processual de deixar a encargo do STF mais uma função. Com isso Sérgio Moro colocou os holofotes no STF e mostrou como o entendimento da corte está sendo parco e parcial.

A bancada do Roda Viva foi formada por Augusto Nunes (apresentador e jornalista da Jovem Pam), Daniela Pinheiro (diretora de redação da revista Época), Fernando Mitre (diretor de jornalismo da rede Bandeirantes), João Caminoto (diretor de jornalismo do Grupo Estado), Ricardo Setti (jornalista e escritor) e Sérgio Dávila (editor-executivo da Folha).

O debate que se seguiu, discorreu quase que exclusivamente sobre as estruturas, peripécias e dificuldades da Lava-Jato no combate à corrupção, além das análises do magistrado sobre o poder judiciário no Brasil. Tirando as perguntas dignas de Sônia Abrão e TV Fama da Daniela Pinheiro, e a clara intenção de Sérgio Dávila de colocar o juiz em situação de constrangimento ou dubiedade, é bom dizer que nada extrapolou o aceitável num trabalho jornalístico; as demais intervenções e perguntas seguiram um curso interessante que propiciaram ao juiz a oportunidade de esclarecer seus pontos de vista e dar mais detalhes sobre as estruturas que fundamentam o seu trabalho.

Entretanto, o que ganhou destaque na entrevista foram basicamente duas falas do juiz: a aula que ele deu sobre a finalidade lógica de um habeas-corpus no trâmite jurídico e a explicação altamente instrutiva sobre os fundamentos legais da prisão em segunda instância, fundamentos esses que, segundo o juiz, estão alicerçados numa “jurisprudência universal”baseada numa tradição liberal e democrática.

O que é, e para que serve um habeas-corpus:

Sérgio Moro, com uma didática impressionante e um acerto prudente nas colocações, explicou que o HC (preventivo e liberatório) serve como garantia do direito da liberdade de ir-e-vir e das demais liberdades basilares de um indivíduo quando o trâmite do julgamento é afetado por algum tipo de contradição de princípios, suspeita de parcialidade ou qualquer tipo de ilegalidade que finde na prisão ilegal de uma pessoa; sendo assim, explica o juiz, o HC cabe antes a um réu que já foi preso, ou que se encontra na iminência de ser, através de um mecanismo judicial ilegal ou “que pelo menos se afirma ser ilegal”. Ou seja, há um entendimento universal de que o HC cabe somente em situações em que o réu que já foi ou está em risco de ser preso indevidamente. Assim sendo, a imposição desse instrumento, fora dos retos termos acima expostos, se configura apenas mais uma interpretação deslocada da finalidade para o qual o HC foi criado.

O HC não tem a função de adiar uma prisão, mas de impugnar uma já ocorrida ou em vias de ocorrer. Caso que não se encaixa de maneira alguma no pedido de HC da defesa do ex-presidente Lula, por exemplo, já que o STF não contesta a legalidade do processo julgado na primeira e na segunda instância; instâncias essas, aliás, que já condenaram o réu.

O Juiz afirma ainda que quando o HC é usado como um impedimento extra ou prévio de uma prisão, acontece uma interferência deliberada e indevida no processo legal do judiciário. Se não há prisão ilegal, qual a finalidade de um HC que é justamente o remédio jurídico para uma prisão ilegal? Seria algo como que a “justiça” atrapalhando a própria justiça de atuar em seu reto modus operandi. Em suma, constatando a legalidade do processo e os fundamentos condenatórios estando alicerçados em provas, o HC preventivo torna-se apenas um enxerto indevido no processo, um parasita no trâmite legal e, quiçá, uma possível interferência política através de um ativismo judicial.

Essa “largueza na utilização desse instituto”, como disse o magistrado, gera uma aplicação masturbatória do habeas-corpus para finalidades ao qual ela não deveria ser utilizada. Para o juiz, revisar essa aplicação do HC é o mesmo que incensar a impunidade e ampliar o endosso à corrupção sistêmica.

As consequências da mudança da jurisprudência da prisão em segunda instância:

Nesta mesma esteira, também explicou o magistrado que a prisão, tanto preventiva quanto em segunda instância, não são cerceamentos ou agressões às garantias humanas de liberdade. Tendo em conta que a prisão preventiva possui a intenção de parar imediatamente o crime que está sendo perpetrado e dar à sociedade a sensação de punição ao erro evidente; o ato possui um alicerce no bem coletivo, o que fundamenta sua existência legal ainda que o juiz assuma que tal aparato jurídico deve ser usado apenas em casos extremos.

Da mesma forma, afirma Sérgio Moro, a prisão em segunda instância não fere a presunção de inocência, pois o trâmite legal em primeira e segunda instância são baseadas em provas e fatos; sendo que, se o réu for condenado nessas instâncias, a justiça, por princípio e ordem institucional, já deve estar suficientemente pautada em evidências que não deixam margens para dúvidas razoáveis até que se prove o contrário. Não sendo uma arbitrariedade das instâncias, e estando pautado o julgo em provas e fatos cabais, a prisão se justifica per se, não sendo assim uma agressão à liberdade e sim a manifestação natural do ato de justiça.

Noutro momento que se seguiu a esse, Moro explicou quais as consequências imediatas de uma mudança na jurisprudência sobre a prisão em segunda instância; se valendo dos casos que julgou na 13ª. Vara Federal de Curitiba, unido à juíza Gabriela Hardt com ele trabalha, afirma aos entrevistadores que o corolário dessa mudança seria o abono judicial a estupradores, traficantes e demais criminosos extremamente vis à sociedade. O que já está ocorrendo sob a chancela do que vem sendo chamado de “princípio Lula”; princípio esse que possui como base existencial a relativização interpretativa da legalidade da prisão em segunda instância, legada da recente decisão do STF em aceitar julgar o HC preventivo do ex-presidente réu.

Os precedentes gerados pela possível aceitação do HC preventivo de Lula no próximo dia 4, findando naturalmente numa nova jurisprudência da corte, é o mesmo que dar aos corruptos poderosos detentores de bons advogados, uma via jurídica para que seus clientes não sejam presos, além da criação de novos atalhos jurídicos para impugnar a prisão definitiva.

Para ler a segunda parte do texto clique aqui.

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