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Síndrome do abismo impede postura realista e pró-ativa
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“O Brasil não tem jeito, o problema é o povo”. Troque povo por sistema, políticos, STF ou Senado, e terá variações sobre o mesmo tom sombrio e fatalista: nunca vamos dar certo! E essa postura é ruim, pois o catastrofismo leva ao imobilismo. É o que argumenta Fernando Schüler em sua coluna de hoje na Folha.

Ele usa um trecho da palestra de Luciano Huck como gancho, em que o apresentador teria dito: “Se a gente não fizer nada, o Brasil vai implodir”. Schuler alfinetou a parte mais demagógica do discurso também: “Huck tratou da nossa ancestral desigualdade social e deu uns cascudos nessa gente “branca e rica da Faria Lima”. Não há o que funcione melhor numa palestra, especialmente se você estiver falando para gente branca e rica da Faria Lima. Cuidando sempre para ser rápido e não atrasar o almoço, que o pessoal tem mais o que fazer”.

O cientista político também usou o exemplo de Carlos Bolsonaro, que foi às redes sociais esses dias para lamentar a lentidão da democracia, e concluir, em tom golpista, que talvez por tais vias “nossos” desejos almejados nunca se realizem.

Para Schüler, o grande problema desse tipo de mensagem é gerar paralisia, ou então algum ufanismo boboca e irrealista como alternativa. E nenhum dos dois caminhos é a solução:

O problema da síndrome de abismo é que ela produz uma permanente sensação de incapacidade coletiva. Primeiro, por jogar continuamente informação irrelevante e toxina política no debate e no sistema de escolha pública. Afinal, é disso que trata a política. Organizar a vida coletiva, gerar consensos possíveis, a partir da expressão da liberdade de cada um e do exercício do bom senso. Ou não?

Além disso, é preciso reconhecer o tanto que já percorremos até aqui, e com isso ter uma noção melhor do que falta pela frente, mas sabendo que há, sim, condições de fazer as mudanças necessárias, que não serão num passe de mágica, da noite para o dia:

Em meio à turbulência, soubemos conduzir um programa de reformas, da PEC do Teto, passando pela reforma trabalhista, até a reforma da Previdência. É isso que fez o país atingir a taxa básica de juros mais baixa da série histórica, confrontar o “rentismo”, ter uma perspectiva objetiva de retomada do crescimento.

E mais importante: encarar a realidade de um país quebrado, cujo orçamento prevê investir míseros 0,3% do PIB em 2020, ainda que se recuse (e essa é a boa notícia) a varrer seu fracasso para debaixo do tapete. Encarar com alguma transparência o seu conflito distributivo, como bem pontuou a economista Ana Carla Abrão, e ter alguma consciência de que, para avançar, há ainda um difícil caminho de reformas pela frente.

Um país que soube preservar suas instituições, apesar da intensa torcida em contrário. 

Aqui há controvérsias, mas entendo o ponto: as instituições, por mais imperfeitas e capengas, sobreviveram. O STF talvez seja a mais problemática delas, gerando insegurança jurídica e colocando em risco a operação Lava Jato. Mas, apesar dos pesares, não fomos em direção ao abismo. Por isso é preciso manter um otimismo realista, e de preferência aprender com os erros passados:

A solução para a síndrome do abismo não é nem o ufanismo ingênuo nem a raiva política. É o cultivo de um paciente senso de realidade. A sabedoria de escolher não apenas o que fazer, mas também —e talvez especialmente— o que não fazer. 

Por fim, o autor conclui que o perigo mais provável do que o abismo talvez seja a apatia, esse arrastar de correntes sem sair do lugar: “O risco, no fundo, não é o abismo, mas a planície semiárida. A procrastinação tão ao gosto brasileiro, da qual precisamos fugir como o diabo foge da cruz”. É preciso agir. Com esperança e otimismo, mas sem ilusões. Será possível?

Acho – e espero – que sim. E uso um exemplo para ilustrar, aquele que já vem se tornando um herói para os mais atentos: Rogério Marinho. Discreto, trabalhador, não fica em busca de holofotes ou créditos, atua nos bastidores, articulando, persuadindo, convencendo, e com essa postura e sua habilidade foi peça fundamental para a reforma trabalhista do governo Temer, para a reforma previdenciária do governo Bolsonaro, e já foi escalado para liderar a reforma tributária agora. O secretário é o símbolo do Brasil que, apesar de tudo, deseja avançar, com os pés no chão e o olhar no horizonte à frente. Que sirva de inspiração para outros…

Rodrigo Constantino

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