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'O Centrão, essa coisa que ninguém sabe o que é, mas é do mal, está fazendo, com esses líderes, a reforma da Previdência', disse Maia. Foto: ADRIANO MACHADO/REUTERS; DIDA SAMPAIO/ESTADAO; MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL
'O Centrão, essa coisa que ninguém sabe o que é, mas é do mal, está fazendo, com esses líderes, a reforma da Previdência', disse Maia. Foto: ADRIANO MACHADO/REUTERS; DIDA SAMPAIO/ESTADAO; MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL| Foto:

O plenário da Câmara dos Deputados aprovou na noite desta quarta-feira (10), em primeiro turno, o texto-base da reforma da Previdência, que estabelece uma idade mínima para aposentadoria, entre outras mudanças. A aprovação veio por larga margem de votos – foram 379 votos favoráveis e 131 contra. Por se tratar de uma emenda constitucional eram necessários, no mínimo, 308 votos (três quintos dos deputados) para a matéria avançar.

Agora, os parlamentares precisam apreciar os destaques de bancada, ou seja, pedidos pontuais de mudança nos textos feitos pelos partidos. Ao todo, são 31 destaques – um deles já foi recusado, o que excluía os professores da reforma. A expectativa era para que boa parte dos destaques fosse votado ainda nesta quarta, mas o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), resolveu encerrar antes devido ao “quorum perigoso”, ou seja, os opositores à reforma poderiam conseguir maioria para aprovar ou rejeitar os outros 30 destaques.

O resultado consagrou o trabalho de bastidor do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que foi homenageado durante a sessão, se emocionou e foi muito aplaudido pelos parlamentares. O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente da República, disse que Maia “colocou seu nome na história do Brasil”.

Para o líder do MDB, Baleia Rossi (SP), Maia conduziu a reforma com “maestria” e em nenhum momento se desviou de sua meta. “Foi uma grande vitória”, disse ele, para quem o placar demonstra a maturidade da Câmara. “Agora, vamos superar os destaques”, acrescentou, que serão analisados em sua maioria nesta quinta-feira (11).

É legítimo Maia chorar de emoção: ele teve grande mérito nos trabalhos. Além dele, o ministro Paulo Guedes e o secretário Rogério Marinho foram fundamentais, assim como o próprio Onyx Lorenzoni. Claro que o presidente Bolsonaro também tem mérito. Afinal, foi ele quem indicou Guedes e levou a proposta da reforma ao Congresso.

Foi uma vitória importante do Brasil, em linhas gerais. Agora, o malabarismo dos bolsonaristas é hilário. Antes, articular com o Congresso era sinônimo de corrupção. Agora é mérito do Bolsonaro saber articular com o Congresso, o que não precisa significar malas de dinheiro. Ora, era exatamente o que vários defendiam, sob ataques da militância governista.

De fato, alguma pressão popular nas ruas ajudou, mas ainda assim é quase um milagre, como constatou Fernando Schuller, aprovar uma reforma “impopular” que corta privilégios num Congresso tão fragmentado, com dezenas de partidos, muitos do demonizado “centrão”, que poderiam ter obstruído a votação facilmente:

A reforma é quase um milagre porque nosso sistema político é disfuncional. Nesta quarta-feira, 26 partidos votaram na reforma. Catorze deles com dez votos ou mais. Isto é, partidos relevantes, de tamanho médio, incapazes de resolver qualquer coisa, no Congresso, mas capazes de obstaculizar, complicar o jogo, cobrar fatura.

É isso que faz do Brasil a democracia mais fragmentada do planeta, com baixa efetividade institucional e alto custo político na tomada de decisões estratégicas. Mesmo dizendo que não iria fazer esse jogo, o governo liberou alguns bilhões em emendas e recursos para viabilizar a reforma. Alguns acham normal. Ouvi de um deputado que esta era uma forma de “democratizar” o Orçamento. Analistas dizem que o varejo político é um fato normal das democracias, que nosso presidencialismo de coalizão exige isso. De minha parte, só observo. Vejo isso mais como deformação do que uma virtude. Apenas uma deformação com a qual nos acostumamos.

Para Schuller, esse “milagre” tem como causa a mudança da mentalidade da população, cuja maioria apoia a reforma, e a maior autonomia do Legislativo em relação ao Executivo. Maia inclusive já sinalizou que o Congresso vem agora com uma agenda própria, independente do governo. “A reforma é fruto de uma aliança não explícita entre os liberais de Paulo Guedes e o centro político do Congresso”, resume Schuller.

No mais, é forçoso lembrar que ainda falta muita coisa, até mesmo na reforma previdenciária. Os destaques são uma ameaça que pode desidratar a economia, e esta estaria mais perto dos R$ 700 bilhões do que do um trilhão sonhado por Guedes, segundo estimativas do IFI, como explica Felipe Salto: “Pelos nossos cálculos, o efeito das mudanças vai provocar uma desidratação de R$ 281 bilhões, totalizando uma economia de R$ 744 bilhões”.

De acordo com o economista, a ausência do gatilho da idade mínima, que na proposta original seria corrigida pela chamada sobrevida, mas que acabou sendo retirado com o substitutivo, “vai gerar a necessidade de uma nova reforma daqui a no mínimo 5 e no máximo dez anos”. Há ainda a questão dos estados e municípios, alguns totalmente falidos, e que por enquanto ficaram de fora da reforma.

O relator da reforma no Senado, o tucano Tasso Jereissati, ainda pretende incluir estados e municípios desmembrando a reforma para que ela não precise retornar à Câmara. “Pessoalmente, sou extremamente favorável [à inclusão]. A princípio, a ideia é uma PEC paralela para incluir estados e municípios para que não volte [à Câmara]”, disse Tasso.

Seria muito importante incluir estados e municípios, cujo rombo fiscal gira em torno de R$ 100 bilhões por ano hoje, e tem crescimento exponencial. O federalismo é muito importante, mas sabemos que, na prática, esses estados e municípios jogam a fatura no colo da União. Segundo Raul Velloso, estamos longe de enxergar uma luz forte no fundo do túnel se as finanças estaduais e municipais não forem sanadas também.

Em suma, há razão sim para comemorar, e mais importante do que buscar a paternidade da reforma é entender o que tem mudado em nosso país, e o que ainda levará mais tempo para mudar. Paulo Guedes tem todo direito de se sentir vitorioso e dar os parabéns à sua equipe, mas ele não chorou: ele sabe que ainda falta muita coisa pela frente para tornar o Brasil um país mais liberal e amigável aos investimentos.

Os desafios estão só começando. A reforma previdenciária mesmo ainda não foi aprovada em definitivo, e se cochilar o cachimbo cai. Há depois a reforma tributária e muitas outras pautas para reduzir obstáculos aos negócios criados pelo estado, ou para estancar a sangria fiscal do governo. A herança maldita da era petista é terrível demais.

Na verdade, a herança maldita vem de muito antes, e foi agravada pelo PT. Não será num piscar de olhos que vamos consertar o país, tampouco será por decreto presidencial. Como ficou claro, as mudanças precisam vir por reformas que contam com apoio da maioria da população e dependem do trabalho de bastidores na política.

É bom manter o realismo nas expectativas, pois a reforma previdenciária não é uma panaceia, e apesar de necessária, não é suficiente para a retomada do nosso crescimento sustentável. A esquerda, que sempre aposta contra o Brasil, vai utilizar isso como arma política. Por isso mesmo é fundamental não cair em utopias: o avanço da reforma é ótima notícia, mas é apenas o começo do começo…

Rodrigo Constantino

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