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Um relato do desmoronamento de um país em câmera lenta: mas falta citar o real motivo
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O GLOBO publicou hoje uma reportagem de Janaína Figueiredo sobre o desmoronamento da Venezuela nos últimos anos. A jornalista visitou Caracas nove vezes desde 2002, e mostra como a miséria se instalou no país, que já foi um dos mais ricos da América Latina.

O relato expõe bem o drama da população, enganada por um populista, cúmplice em parte da tragédia. Só peca por aquilo que venho chamando a atenção faz tempo: mantém o verdadeiro responsável pelo caos como sujeito oculto. Em mais de 1.300 palavras, não há uma só menção ao termo “socialismo” ou derivados (“socialista”).

A reportagem vale mais pela experiência pessoal da jornalista no local do que pela análise das causas dos problemas. Ela diz:

Em sucessivas viagens em 2004, 2005, 2009, 2012, 2013, 2017 e 2018 observei como o país, que foi um dos mais ricos da América Latina no século passado, ia desmoronando em câmara lenta. Nas primeiras viagens conheci um pouco da noite de Caracas, seus restaurantes da região gastronômica de Las Mercedes, ainda era possível circular pela cidade quando terminava a jornada de trabalho. Os venezuelanos tinham vida social. Podia-se andar relativamente tranquila de metrô ou taxi, caminhar por alguns bairros sem o temor permanente de ser assaltado, sequestrado ou até mesmo assassinado. Hoje, não se sai de casa à noite, afinal, a capital venezuelana é uma das cidades mais violentas do mundo.

A pobreza sempre existiu, Caracas está rodeada de favelas, como o Rio de Janeiro. E no auge das políticas sociais agressivas do chavismo, diria até a reta final de Chávez no poder, era uma pobreza comparável à de outros países da região. Não se ia até a Venezuela para falar de pobreza. Ia-se para acompanhar a consolidação de um modelo de poder autoritário, militarista e controlador do ponto de vista econômico e político.

Com a morte de Chávez, em março de 2013, a desvalorização do petróleo e a crise em que mergulhou o chavismo sem seu líder, o colapso foi vertiginoso. Em 2013, a duvidosa eleição de Nicolás Maduro —quem esteve lá sabe que as suspeitas de fraude foram enormes —, marcou o começo de uma etapa desastrosa para os venezuelanos, em todos os sentidos.

A péssima administração da economia, somada à corrupção, arrastou o país a uma pobreza inédita em sua História. E para completar um panorama sombrio, chegou a repressão violenta e sanguinária que matou, torturou e asfixiou a oposição, cívica e política. Depois de passar quatro anos sem pisar Caracas, retornei em abril de 2017. O choque foi grande e o medo era tão profundo que sequer me atrevi a ficar num hotel. Refugiei-me em casas de amigos queridos e por conselhos repetitivos não saí mais sozinha. A Venezuela virou zona de guerra. No ano passado, o governo Maduro matou, pelo menos,140 pessoas que se uniram a uma onda de protestos contra seu governo. Hoje, o número de presos políticos é de 243.

Péssima administração da economia? Corrupção? E nada de falar do modelo em si, do planejamento central e da estatização pregados pelo socialismo? Nada de ligar lé com cré, de fazer o elo causal e mostrar como a mesma receita socialista produziu os mesmos resultados de sempre? Nada de lembrar que é exatamente o mesmo regime defendido pelo PT e o PSOL, apoiado por Lula desde o começo? Por que esse silêncio sobre as reais causas da desgraça? A jornalista conclui seu relato:

Na última viagem, a sensação era de não saber por onde começar. Que história contar primeiro? Decidi, talvez movida por meus sentimentos como mãe (que não era em 2002), concentrar meu olhar nas crianças, atores pouco abordados quando se fala de Venezuela. Às vezes, aparecem em histórias de famílias que comem do lixo, cartão-postal da era madurista, mas poucas vezes é relatado o desgarro que sofrem pelo abandono de seus pais, obrigados a partir em busca de um futuro melhor. Conversei com várias e foi difícil conter as lágrimas. Uma delas, Eliana, de apenas nove anos, perdeu a mãe no ano passado num assassinato ainda sob investigação e vive com sua avó, já que seu pai rumou para a Colômbia. Em sua precária casa, em Petare, a maior favela da América Latina, falta de tudo, como na maioria das casas venezuelanas. Mas o vazio que mais choca já não é o de comida, é o humano.

Em quase 20 anos, a Venezuela destruiu sua indústria petroleira, sua infraestrutura (os apagões são coisa de todos os dias), perdeu toda uma geração de jovens profissionais, deixou de ter vida cultural, mergulhou na pobreza extrema e rachou famílias inteiras, talvez o dano mais difícil de remediar. Hoje, quando o avião decola no Aeroporto Internacional de Maiquetía a sensação é a de deixar um país em ruínas e pessoas sufocadas pela angústia de sentir que nada será nunca mais como foi.

Em duas décadas, de fato a Venezuela acabou, destruiu-se completamente. O relato é factual. A análise dos motivos é que falha. Não mencionar uma única vez a palavra socialismo é realmente um espanto quando sabemos que foi justamente essa ideologia nefasta que afundou o país.

Rodrigo Constantino

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