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Por Roberto Ellery, publicado pelo Instituto Liberal

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A forte queda da participação da indústria de transformação no PIB quando comparada a outros países parece estar voltando a ser assunto, se é que algum dia deixou de ser. Como em tantos outros casos, o problema central é escolher o grupo de comparação. Quem são nossos pares? Alguns gostam de responder a essa pergunta olhando para a OCDE, outros para a Ásia por conta do desempenho econômico de países emergentes nessa região.

Países da Ásia de fato tiveram um crescimento impressionante da economia como um todo e da indústria nas últimas décadas. Alguns creditam esse desempenho a políticas industriais e coisas do tipo; o problema é que por aqui também tivemos essas políticas e não tivemos os mesmos resultados da Ásia. Talvez seja mais frutífero procurar as razões para diferenças em fatores que não tivemos por aqui – por exemplo, o salto na educação e as altíssimas taxas de poupança. Mas isso é conversa para outro artigo; por agora quero apenas saber com quem comparar o Brasil para avaliar o desempenho de nossa indústria como proporção do PIB.

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Países ricos também não parecem uma boa opção – como já registrei em vários outros artigos, comparar países ricos com países emergentes é tarefa complicada e perigosa. Creio que o melhor a fazer é procurar países aqui de “nuestra America” para fazer a comparação. Afinal somos todos “rapazes latinos”, sem poupança no banco e cheios de commodities para vender.

O problema de comparar com a América Latina é encontrar países onde a indústria era relevante nos anos oitenta de forma que faça sentido falar de decadência da indústria de lá para cá. Para encontrar esses países recorri à base de dados do Banco Mundial e peguei a participação da indústria de transformação no PIB em 1980 para todos os países da América Latina e Caribe com mais de cinco milhões de habitantes naquele ano. Aí a coisa complicou. Do grupo de países selecionados, apenas o Brasil tinha uma indústria de transformação correspondente a mais de 30% em 1980. Baixei o filtro para 25%, apenas Brasil e Argentina ficaram na amostra. Baixei o filtro para 20%; ficaram na amostra, além de Brasil e Argentina, o Chile, o México e a Colômbia.

Pensei em baixar mais, mas ficaria estranho perguntar onde mais a indústria de transformação perdeu cerca de 20% do PIB desde 1980, como aconteceu no Brasil, considerando países onde a indústria de transformação tinha menos de 20% do PIB em 1980. No melhor estilo “só tem tu, vai tu mesmo”, fiz o gráfico abaixo com a participação da indústria de transformação no PIB entre 1965 (antes disso tinha muitos valores ausentes) até 2016.

Os poucos países que usei na comparação não podem estar influenciando demais o resultado? É uma pergunta legitima; creio que tive bons motivos para minha escolha, mas não me custa aumentar o número de países nem que apenas por curiosidade. A figura abaixo mostra a participação da indústria de transformação no PIB para todos os países da América Latina e Caribe com mais de cinco milhões de habitantes em 1980. Como não é possível destacar cada um deles, eu destaquei apenas o Brasil.

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Mais uma vez a figura deixa a impressão de que o Brasil era atípico nas décadas de 1970 e 1980, não agora. A grande queda que vai de meados da década de 1980 a meados da década de 1990 trouxe o Brasil de volta ao grupo dos países da América Latina e Caribe. O contraste com a Ásia é claro; a figura abaixo repete a figura acima trocando os países da América Latina e Caribe pelos países da Ásia e Pacífico. Se comparado com esse grupo, o Brasil realmente parece ser um caso atípico, mas não creio que esse seja o melhor grupo de comparação para o Brasil. Como já registrei no começo, o modelo asiático é muito diferente do nosso para esperarmos resultados semelhantes.

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Sei que o tema é controverso, mas posto na devida perspectiva, a queda da participação da indústria no PIB brasileiro não é algo absurdo – talvez absurda tenha sido a elevação da participação da indústria no pós-guerra. Migrar para um modelo asiático me parece fora de cogitação em um país que passou vinte anos discutindo para colocar idade mínima para ter direito a aposentadoria. É muito difícil, talvez impossível, compatibilizar altas taxas de poupança com rede de proteção social e, tudo indica, não estamos muito dispostos a abrir mão de proteção social. O Brasil, assim como boa parte da América Latino, é rico em commodities e não sei se faz muito sentido ignorar esse fato. Melhor do que amaldiçoar os recursos naturais que temos e seguir o modelo asiático pode ser tentar aprender com a Austrália e deixar de lado a obsessão com a participação da indústria de transformação no PIB, que, além de tudo, é uma medida bem fraquinha da força da indústria de um país.

P.S. Duas notas: (1) os dados que usei foram da WDI conforme estava em julho de 2018; (2) o valor da participação da manufatura no PIB para o Brasil em 1990 não está na base de dados. Para evitar quebras no gráfico fiz uma interpolação com os dados de 1989 e 1991.