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Como me aproximei da Escola Austríaca e qual a sua importância
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Um estudante pediu para fazer uma entrevista comigo sobre a Escola Austríaca, pois está fazendo pós-graduação no Instituto Mises sobre o tema. Ele autorizou a divulgação da transcrição da entrevista, realizada no dia 29 de dezembro:

OFP: Como se deu o seu primeiro contato com a Escola Austríaca de economia?

RC: Olha, que eu me lembre, foi no meu trabalho. O atual ministro Paulo Guedes era um dos sócios fundadores, e minha área ficava direto, embaixo dele. A gente conversava muito, eu sou um economista. Eu já gostava de debates, também, ligados a questões políticas e ele um dia me recomendou, “Pô, leia o Frederick von Hayek, leia o Ludwig von Mises, porque eu acho que você vai gostar bastante, agrega muito” e ele é um cara que tem doutorado na universidade de Chicago, achei aquilo curioso (risos). Comecei a ler comecei por Constitution of Liberty, do Hayek. Do Mises eu não me lembro qual foi o primeiro. Eu até tenho a ordem cronológica toda lá, mas eu acho que foi Liberalism, alguma coisa assim. Me encantei e não parei mais. Então foi uma recomendação do Paulo Guedes.

OFP: E mais ou menos em que ano?

RC: Eu entrei na empresa em 1999 (...). Isso deve ter sido logo por ali, 2000, 2001, logo por ali.

OFP: Você já era economista e quando (...), você já tinha treinamento na economia clássica, vamos dizer assim, ortodoxa. Assim, quais foram suas primeiras impressões lendo a Escola Austríaca de Economia, Mises, Hayek?

RC: É curioso isso, porque o que me atraiu foi muito mais a questão de filosofia política. Eu sou um economista, mas nunca trabalhei direto com isso. Eu fui direto para mercado financeiro, fazia análise de empresas. Então não tinha nem muito a ver. Usava só como um plano de fundo, um arcabouço para visão, para análise. Então a questão da filosofia política, do liberalismo, foi o que mais me atraiu. Eu já tinha essa questão, do indivíduo, contra o coletivismo. Mas o que pegou desse ponto de vista mais técnico foi sem dúvida essa metodologia, essa metodologia individualista, essa coisa que tem uma abordagem muito mais bottom-up do que top-down, é muito mais microeconomia do que macroeconomia, com aqueles modelos de ISLM, Equilíbrio, e tudo mais. Então isso também chamou minha atenção, comecei a ver, “Pô, esses livros todos não tem muitos gráficos, não é aquela coisa que eu estudei na PUC, e ao mesmo tempo parece fazer muito mais sentido”. Quando você começa a estudar mecanismos de preços de mercado, de competição dinâmica (...). Isso soou muito mais realista para aquilo que você via no dia a dia de business do que aqueles modelos neoclássicos.

OFP: E nesse sentido, conversando com Paulo Guedes, o que ele falava da Escola Austríaca de Economia?

RC: Eu vou ter que puxar da memória agora, porque eu lembro assim (...). Eu lembro que ele sempre falou com muito respeito e admiração, assim como a gente identifica na autobiografia do Roberto Campos, quando ele menciona também (a EA), era no mesmo tom respeitoso. Então, eu não me lembro a princípio de coisas específicas do tipo “Não, ele é bom por isso e tudo”, mas eu lembro dessa visão geral que o Paulo virava para mim e falava “Cara, esses caras são muito interessantes para agregar em termos de filosofia, em termos de análise de mercado, de mercado (ênfase).”. Porque, por exemplo, quando você começa a mergulhar um pouco mais a fundo na TACE, na Teoria de Ciclos Econômicos Austríacos, e tudo mais, e você começa a entender lá os triângulos de Hayek, uma coisa que já veio numa fase mais posterior minha. Mas quando você começa a ler essas coisas, você faz o elo. Então vou dar um exemplo, que aí eu tenho que ver qual é o ano certinho, mas teve um livro que o Paulo Guedes recomendou para todo mundo na empresa (...). Eu fui um dos primeiros a ler. Nós assinávamos o research dele, que é o “Gloom, Boom, Doom”, do Mark Faber, e o livro está em algum lugar aqui é, o, como é que é do “Gold”[1], sei lá o que (...) Como é o nome agora? Esqueci, mas depois eu posso te passar essas informações, porque de cabeça não lembro tudo. Mas esse livro, aí tem que ver a data certinha, mas ele fazia uma análise totalmente austríaca da bolha que estavam produzindo, com os estímulos todos na economia. Então o que eu lembro muito assim, era de o Paulo Guedes sempre reforçar a ideia de que os austríacos tinham as melhores ferramentas para entender, do ponto de vista de um investidor de mercado, o que que produzia aqueles Boom e Bust. Então, sem dúvida nenhuma, eu acho que o que ficou na minha memória foi o respeito pela visão geral, pela filosofia liberal, e pela questão de análise de ferramenta, mesmo, para análise de círculos de mercado.

OFP: Passando agora para a questão da disponibilidade dos livros, porque eu, por exemplo, quando eu comecei a estudar a EA foi em 2013, aí já tinha livros na internet, daí você conseguia, quando a internet estava em seu início, não existia, por exemplo, o Instituto Mises Brasil, as vezes nem tinha livros em PDF, como que era o acesso a esses livros da EA?

RC: Era mais difícil. Alguns tinham em português no Instituto Liberal, do Hayek, que são os mais pop, os mais simples. Eu vou te falar o seguinte: Eu comprei, e não foi pouco, eu comprei muito livro. Foi na Amazon Americana, e esperava um mês para chegar no Brasil. Gastava uma fortuna e comprava. Eu tenho todos (...), estão aqui atrás inclusive (aponta para a estante). Os Hayek, os Mises, estão todos aqui, e Rothbard e tudo mais, e a imensa maioria são publicações americanas. O Liberty Fund tem muitos do Mises, e eram livros baratos. Então, eu participei dos colóquios do Liberty Fund desde o início, fui a treze ou quatorze desses colóquios e eu sempre comprava no catálogo deles também, então eu tenho muito do Liberty Fund aqui. E eu sempre fui assim, pois eu nunca poupei muito esforço e grana para conhecimento. Eu comprava (...). O que eu queria ler eu comprava. Então eu comprei muito livro na Amazon americana, esperando ansioso, trinta dias, até chegar no Brasil.

OFP: E você já tinha conhecimento do Mises Institute nos Estados Unidos?

RC: Sim, eu descobri nessa época também. Comecei a ler muitos artigos, aí eu tinha muita indicação de livro. Eu comecei a comprar os livros deles. Então aí eu descobri os outros, menos economistas, e mais do aspecto filosófico Liberal, Tom Woods, tudo mais, eu comecei a descobrir por aí, o Thomas di Lorenzo também. Então eu fui comprando vários desses libertários por meio de descoberta do Instituto Mises.

OFP: Você tem ideia, mais ou menos, da sequência dos autores, Mises e Hayek, você começou a partir dali, desde o início tinha alguma lógica ou foi (...)

RC: Não, eu nunca tive lógica, nem tutor, nas minhas leituras. Eu sou um autodidata caótico. Eu leio de literatura a filosofia política, passando por alguma coisa de economia, passando por (...). Monte de interesse que eu tenho, mas de forma totalmente aleatória e caótica. Então é o tema que me interessou na hora, eu começo a ler um livro. Aí esse livro cita outro, vou, e compro aquele outro livro. Eu faço muito assim. Eu, de novo, eu tenho desde 2000. É curioso, já que eu vou poder te dar esse material. Eu tenho desde 2000 a minha leitura inteira, cronológica, na íntegra. E tinha uma época que era mais ou menos de 60 dias por ano. Então eu posso pegar todos esses austríacos para rever. Mas o que eu te digo de cabeça, assim, eu comecei pelos gigantes. Eu comecei (...). Eu não descobri a Escola Austríaca por (...), um outro gigantinho vai, mas eu não descobri pelo Rothbard e nada disso. Eu descobri pelos dois grandes expoentes, Mises e Hayek. E daí eu fui partindo para outros. Então assim o Kirzner, por exemplo, veio logo, aí tem os menos conhecidos, o Lachmann? Como que é?

OFP: Lachmann, sim.

RC: Lachmann. Então eu fui lendo essa coisa toda. Mas eu comecei mesmo, e isso é uma coisa curiosa que eu tenho. Eu descobri o Thomas Sowell. Li dez livros do Thomas Sowell. Descobri o Theodore Dalrymple. Eu li doze livros do Theodore Dalrymple no espaço de um a dois anos. Então foi mais ou menos isso. Eu li treze livros do Mises, e doze ou quatorze livros do Hayek, nesse período de dois anos, no início que eu descobri a Escola Austríaca, ou três anos. Foi mais ou menos isso. Eu devorei Mises e Hayek, e depois eu fui para os outros.

OFP: O Professor Ubiratan geralmente fala que, no Brasil, você começa a Escola Austríaca muitas vezes pelo Mises ou pelo Hayek, interessante. E a partir dessas suas leituras, assim, tinha alguma conversa com outros economistas, por exemplo, aqueles que foram teus colegas na PUC, se eles conheciam, se eles tratavam com desprezo a EA. Você tinha alguma conversa nesse sentido?

RC: Não tinha. Imagino que para a imensa maioria eram ilustres desconhecidos. Você acaba ainda mais nessa fase inicial no Brasil. (...) Eu participei da fundação, quase, do Instituto Brasil. Eu fui do conselho e tudo. E no início, assim, você realmente se sente parte de uma seita. Aliás é um ponto que depois passou como mudar um pouco no início da escola à brasileira. Eu achava que estavam querendo consumir só os mais contemporâneos, os mais radicais, e aqueles que tinham a questão do PNA, do Princípio de Não Agressão. E tinha muito mais coisa por trás. Eu comecei lendo Constitution of Liberty. É um livro que pode ser tido como radical para o Mainstream, mas quando você lê, é um livro de um cara moderado, tentando uma conversa, tentando chegar ali no denominador comum em relação à liberdade individual, dentro de um contexto de sociedade. Então, no início, você sem dúvida só falava com aqueles que tinham descoberto a mesma linguagem, porque era uma coisa que você não conseguia conversar sobre isso com outros economistas. Não tinha como.

OFP: Somente pelo Orkut, imagino.

RC: É, exatamente.

OFP: E passando para o contato com o Instituto Mises Brasil, como que se deu o contato com o Instituto Mises Brasil, com o Hélio Beltrão, como que se deu esse contato?

RC: Eu não me lembro exatamente quem me procurou a primeira vez, mas é porque essa coisa é uma coisa, de novo, tinha a tal “Rede Liberal”, que era um grupo que tinha, que participava o Nelson Lehmann, Olavo de Carvalho, no início, Rubem Novaes, é um grupo que tinha, desde o início eu estava lá também, e a coisa começa a ir, você conhece um conhece o outro, você escreve num site (...). Se eu não me engano, eu fui procurado por alguém que talvez tenha sido da família Chiocca, ou não, mas alguém veio e falou “Olha, tem um pessoal com projeto aí para criar o site do Instituto Mises no Brasil, acho que você vai gostar e tudo”. Me colocaram em contato, eu conversei com Hélio, conversei com os Chiocca, dei toda força possível no projeto, e participei do Conselho Consultivo, sei lá qual era o nome que eles deram. E quando os Chiocca começaram a ir pela linha Rothbardiana, Hoppeana, que não aceitava mais Mises. O teste que eu fiz foi o seguinte: eu escrevi um texto baseado só em Mises, em excertos e trechos que eu tirava dos livros do Mises em defesa da Democracia liberal. Então são vários trechos que ele mostra a importância de você ter o estado, a democracia, que o liberalismo pressupõe a persuasão, e rechaça qualquer solução anárquica. Aí você vai “Ah, ele não conheceu a luz porque ele não leu o Hoppe”. Tudo bem, mas o fato é que eu fiz um teste que eu falei “Mises, um Liberal Democrata”[2], era o título, e ele foi vetado no Conselho. Aí eu falei assim “Não gente, olha só. Esse é o Instituto Mises. Não quer dizer que seja tudo aquilo que o Mises pensa só, mas vocês rejeitarem o Mises do Instituto Mises. Então cria o Instituto Rothbard, pelo amor de Deus. Isso não está certo”. E aí eu comecei a ter muita troca de farpa. Começou a ter muito embate entre mim e os Chioccas. Tem os debates conhecidos dos bastidores daquela época. Eu fazia a provocação do sorvete: a menina que quer um sorvete em troca de sexo oral, chegaram a ridicularizar isso na época, falei “Não, eu quero ouvir de vocês o conceito de até que idade pode começar a ter troca consentida e até que idade não pode, qual o critério?”. Eu li o “Ethics of Liberty” do Rothbard, e achei um monte de brecha. Então meu ponto era esse: “Vocês estão querendo criar uma coisa que tem do começo ao fim tudo fechado e amarrado e eu estou aqui para criar brecha. Eu estou aqui para fazer buraco nesse naviozinho, que ele vai a pique muito rápido, porque ele não se sustenta com essa mentalidade típico de seita fechada.” Comecei a escrever muito texto sobre isso. Tenho muitos textos publicados, tenho brigas homéricas. E assim, de novo, foi uma experiência curiosa, porque eu acho que eu contribui um pouco para esse surgimento do Instituto Mises Brasil, mas gerou muito desgaste também, porque eu acho que eles, da forma que eles colocaram no início, eles ajudaram muito a criar essa mentalidade de que a escola austríaca é uma seita ideológica, e que quando você lê Mises e Hayek não é verdade. Então isso me incomodou muito depois, mas hoje eu acho que está muito mais abrangente.

OFP: Hoje em dia também imagino que esteja diferente o Instituto Mises?

RC: Sem dúvida ficou. Tanto que o Hélio acabou, naquela época, cerrando fileiras junto com os Chioccas. Eu gostava do Hélio já, tinha uma amizade por ele. Nunca briguei com ele. Eu fiquei p da vida, porque o Bruno Garschagen chegou a gravar um podcast comigo, para aqueles podcasts do Instituto, e depois foi vetado no conselho, em que eu falava no meu livro “Privatize Já”, que era uma coisa totalmente Liberal, até Libertária meu livro. Tem um capítulo lá sobre privatização do corpo. E eu falei “Olha, isso é briga pessoal quase. No Instituto Liberal, em que eu era já parte, pode publicar texto me criticando, me criticando, e criticando o liberalismo clássico, sei lá pode publicar um texto libertário no IL criticando os liberais clássicos. Agora vocês estão vetando um texto ligado ao Mises, uma entrevista comigo sobre privatização. O que que é isso aí?”. Hoje em dia o Hélio não só mostrou que estava muito mais do meu lado, se afastando dos Chioccas, brigando com eles até na justiça, como me convidando mais recentemente para ser parceiro da editora dele, da LVM. Então acho que ficou muito claro que quem estava com a razão, sob a ótica do próprio Hélio, ao longo do tempo.

OFP: Então, rapidamente, você ajudou no início, mas rapidamente já começou a bater cabeça, então?

RC: Sim, quando começou a ter muito desgaste por conta das, não das divergências, isso é importante ficar claro, não pelas divergências em si, em relação a libertarianismo, até mesmo a Escola Austríaca, mas pela postura totalitária, de censura, desses Chioccas acima de tudo.

OFP: Entendi. Um dos primeiros eventos públicos promovidos pelo Instituto Mises, o seminário que aconteceu em Porto Alegre, você foi um dos palestrantes já. Você foi para aquele evento com qual expectativa? Expectativa baixa, “ah, vai ter pouca gente? Vai ter muita gente?”. E depois do evento, você ficou surpreso com a recepção. Como que se deu esse evento?

RC: Eu esperava que fosse menor do que foi, uma coisa incipiente que eu estava ajudando a crescer também. Já tinha uma certa estrutura. A linguagem libertária já estava atraindo muito jovem, na época, cansado do PT. E isso tudo já ajudou muito. Então eu fui, fiquei muito surpreso de eles terem conseguido trazer o Tom Woods, o próprio Tom Woods, que veio depois elogiar muito a minha palestra, ele falou, “Mas você é um achado! Caramba! Quem é você?”, e o próprio Lew Rockwell. Então eu achei, assim, que eles trouxeram nomes de peso do Instituto Mises no Alabama. Eu acho que eles fizeram um evento bacana, em um lugar legal, e tudo isso ajudou a engajar. Teve a mediação da irmã do Hélio, que já é a famosinha de mídia. Então tudo isso ajudou. A minha palestra, ali, ela acabou sendo um marco, porque ela foi profética. Eu usei a TACE para falar que o Brasil estava em uma bolha insustentável, enquanto estava a revista “The Economist”, todo mundo querendo mostrar o Brasil decolando, e eu falava “Olha, isso é insustentável e vai afundar. Eu não sei dizer (...)”, até foi curioso, no final parece que eu digo  “(...) que os austríacos nunca foram bons de timing. Então não sei precisar se é três anos, se é cinco anos. Eu sei que vai dar ruim.”.  E foi quatro anos depois, mais ou menos. Aquele (...), o Fraga, como é o nome dele? Dâniel Fraga. Ele divulgou a minha palestra, e no canal dele viralizou. Então tiveram lá 300 mil visualizações, e aquilo ajudou a colocar em evidência, também, a própria Escola Austríaca, e ME ajudou também, uma vez que eu fiquei mais conhecido. Então eu acho que tudo ali foi, de certa forma, surpreendente. Acho que foi um evento que eu não esperava o sucesso que teve, e deu um pontapé inicial, já marcando um golaço ali para o Instituto Mises Brasil, e para Escola Austríaca. O erro, talvez, foi ter chamado, e eu entendo que isso gerou controvérsia, inclusive, entre economistas, porque chamou esse evento de “1º Seminário de Economia Austríaca”, e aí teve gente criticando, “Cara, existe uma economia, boa ou ruim. Chama de Escola Austríaca, porque é a Escola Austríaca de Economia, mas economia é uma só”. E eu entendo a crítica hoje em dia. Eu acho legítima.

OFP: Eu acho que o Friedman uma fala uma coisa dessas, que não existe economia ruim, ou melhor. Existe economia. E passando agora mais para esse tempo, eu acompanho você é mais ou menos desde essa época até hoje, quase que diariamente (...). Eu vi essa transição cada vez maior para o conservadorismo, um liberal mais conservador, principalmente com o “Esquerda Caviar”, “Confissões de um Ex-Libertário”. A sua visão da Escola Austríaca mudou muito nessa sua transição? Ou ela permaneceu a mesma? Qual a relação da Escola Austríaca nessa sua vertente mais conservadora de hoje em dia?

RC: Perfeito. Mudou, assim como mudou muito o objetivismo da Ayn Rand, que é outra obsessão que eu tive. Eu escrevi um livro e li tudo da Ayn Rand em um período de dois anos. Então mudou, mas mudou em relação aos novos expoentes, eu vou até refazer a frase, em relação a uma ala dos novos expoentes austríacos, que são justamente os que eu chamo de “seita fechada”. O que mudou foi o seguinte: quando você for ler o meu primeiro livro “Prisioneiros da Liberdade”, que é uma coletânea de textos, alguns deles publicados na Mídia Sem Máscara, no meu epílogo já consta uma, eu vou chamar aqui de “humildade epistemológica”. Eu nunca consegui me enxergar como dono da razão. Mesmo na minha fase objetivista, que é o mais perto que chega disso, eu deixava sempre um espaço ali para falar assim “Cara, será que eu posso estar errado? Será que a razão apreende tudo? Será que eu estou sendo arrogante?”. Então eu sempre mantive uma postura de humildade epistemológica, o processo de apreensão do conhecimento para mim ele tem que ser humilde. Por quê? Porque eu olhava, e minhas discussões com Olavo de Carvalho nessa Rede Liberal no início era isso, eu falava para ele “Mas vem cá. Você enxergou esse troço todo que estão dois mil anos aí, filósofos parrudos debatendo.”. Então eu sempre mantive as sandálias da humildade e o pé no chão. E acho que isso me protegeu de seitas, mas eu identifico, hoje que eu me tornei liberar mais conservador, eu me identifico com muito mais clareza que o Rothbard ajudou a criar uma seita, e que a Ayn Rand idem. Então a ala herdeira do Rothbard na Escola Austríaca eu olho hoje em dia com muito mais receio. Por quê? Porque, de novo, são as pedras filosofais. São aqueles que tentam dizer “Eu encontrei a resposta para a vida em sociedade do ponto de vista ético, do ponto de vista de organização política”. E eu olho para isso tudo e falo assim “Não, não. Isso não é assim. Isso é muito mais complexo que você está dando entender”. Então essa migração para o conservadorismo ela já tem o seu DNA, a sua raiz, na minha personalidade, mas ela foi elaborada com amadurecimento, com a filha na adolescência e com muita leitura de Burke, de Chesterton, de Theodore Dalrymple, de Roger Scruton e companhia, Gertrude Himmelfarb, dos pensadores conservadores, Russell Kirk. Agora (...). É curioso isso, Otávio, porque assim como o, e eu sempre uso esses dois exemplos, assim como o pai do conservadorismo moderno é o Edmund Burke, que era um liberal Whig, e que ficou assustado com os jacobinos ali e tudo, o Hayek também teve que escrever um texto, que virou apêndice do Constitution of Liberty, “Por que eu não sou um Conservador”, e olha que curioso, o Hayek passou a ser acusado de socialista pelos herdeiros de Rothbard e Hoppe, e que era o que eu mais admirava, junto com o Mises,  pô, esses caras eram socialistas de repente, ele teve que se justificar de que não era um conservador. E quando você lê o texto dele, ele está batendo nos neoconservadores americanos, que era onde ele estava inserido, que eram pessoas também que queriam exportar uma visão de mundo, democracia para todo mundo dessa forma, e ele olhava isso com aversão porque eram ali engenheiros sociais também. Então Hayel não está refutando ali a acusação de que ele é um conservador no estilo britânico, no estilo de David Hume, de Adam Smith e companhia. Ele bebeu de um pensador italiano, por exemplo o Vico, que é essa abordagem também Humeana, que é uma coisa muito mais cautelosa, muito mais prudente, de tentativa e erro, de respeito as tradições, de ceticismo em relação as ideias mirabolantes que vão ser impostas de cima para baixo. Então o Hayek continuou sendo, mesmo após esse texto, um Liberal muito perto do Conservadorismo Britânico e do Iluminismo Escocês. Então é mais ou menos como eu me vejo. Então, é curioso isso que eu tenho (...). Eu tenho que explicar que eu mudei muito, ao mesmo tempo que se você for parar para pensar eu não mandei tanto. Eu mudei muito mais na postura e na defesa de certos pontos, do que na minha essência, que de alguma forma estava ali, já com essa postura mais conservadora desde o início. Então, de novo, Hayek, para mim, continua sendo o grande da Escola Austríaca, mas eu entendo que ele fez concessões que incomodam e tudo assim. Quando você pega um pensador complicado como John Stuart Mill, ele vai do socialismo até bandeiras politicamente corretas, feministas, tudo até On Liberty, que é um manual libertário. Então, assim, é complexo. Então o Hayek ele fez concessões que você pega e consegue atacá-lo, colocá-lo ao lado de alguns pensadores, e ele tinha uma coisa muito interessante, porque eu acho que ele realmente queria o diálogo. Então o livro mais famoso dele, o mais popular O Caminho da Servidão, é dedicado de forma sincera. Eu quando faço uma coisa dessa eu estou ironizando! Eu sou sarcástico! O Hayek ele de fato dedicou o livro aos socialistas, porque ele queria falar assim “Olha, veja só, isso que vocês estão defendendo é perigoso”, mas ele acreditava que tinha que ter esse diálogo. Ele acreditava na boa intenção do outro. Então essa postura é muito diferente da postura beligerante de quem descobriu a luz, e não permite nenhum espaço para o contraditório, porque nessa época dos Chiocca, o Hélio sempre manteve uma amizade comigo, um respeito, a gente se provocava, teve uma época que a gente se falou menos, mas ele brincava comigo, aí ele falava “Lá vem o Constantino com esse papo de panaceia”, porque o meu discurso, nessa época, era “vocês acham que encontraram a Pedra Filosofal, vocês vivem numa Torre de Marfim e descobriram a Panaceia.”. Eram as expressões que eu mais repetia. Resumo da ópera: eu escrevi um livro, meu primeiro e único romancezinho que é o Panaceia, porque é exatamente contra as certezas, absolutas, de quem descobriu ali o modelo de vida em sociedade. Então foi nessa fase ali que eu já estava cansando, não da escola austríaca, não do libertarianismo, mas dá postura de certos “austríacos” ou certos libertários, que era uma postura que você identifica em todo tipo de seita ideológica. A seita ideológica não permite nenhuma possibilidade de erro, e isso, para mim, é o começo do fim.

OFP: Rodrigo, uma última pergunta, então, até para dar o target para as 14 horas. (...) Você publicou o primeiro livro, se não me engano, do Instituto Mises, “A Economia do Indivíduo: O Legado da Escola Austríaca de Economia”. Como se deu a publicação desse livro? Quem te indicou? Você propôs? Como se deu a história deste livro?

RC: Cara, eu acho que (...), a minha memória falha para alguns detalhes históricos. Eu não lembro se fui eu ou não, mas, assim, o livro, como vários dos meus doze livros, é uma coletânea de ensaios, de resenhas acima de tudo, porque eu sou, acima de tudo, um cronista de resenhas. Como eu leio muito, e eu lia nessa época cinco livros por mês, eu escrevia muitas resenhas e eu compilava tudo e transformava em livro. Então, aquilo ali foi uma compilação de textos sobre os pensadores austríacos nessa fase que eu devorei a Escola Austríaca. Eu não lembro exatamente como foi a abordagem, se eu comentei, “Pô, vamos fazer um livro”, se alguém me procurou, eu não lembro. Mas eu lembro que, assim, eu fiquei muito empolgado para fazer esse livro, que fosse uma espécie de resumão do pensamento austríaco, com base nas resenhas desses grandes pensadores, e talvez isso é uma coisa que depois, lá na frente, já com o Alex Catarino no Instituto, foi uma coisa que ele até, ao me procurar de novo, para relançar e tudo, ele colocou, ele falou “Rodrigo, eu acho que você não tem muita noção, e a gente explorou tudo isso muito mal, do quê que seja esse livro no marco do avanço da Escola Austríaca no Brasil.” É isso! É um primeiro grande livro de resumo, por meio desses vários pensadores, desses vários expoentes, que você mastiga vários livros deles. Então, assim, é um trabalho talvez que ficou menosprezado por mim é (...), por mim mesmo, talvez por eu ter me afastado da “Escola Austríaca” e do público austríaco, de certa forma, talvez pelas brigas, talvez pelo Instituto (...). Eu não sei, mas é um livro que merecia, talvez, uma atenção, um carinho diferenciado. Eu acho que ali está um esforço de levar o que é o pensamento da Escola Austríaca, por meio dos seus principais expoentes, para um público leigo, em uma linguagem acessível. E isso tem um valor legal. É mais ou menos o que eu fiz com a Ayn Rand e o Objetivismo.

OFP: O teu livro e o livro do Ubiratan Iório, “Ação, Tempo e Conhecimento”. Eu coloco os dois no mesmo patamar. São os dois primeiros assim que o Instituto fez, além, obviamente das traduções (...).

RC: É, e o Bira é um desbravador, porque ele não só é um economista, do ponto de vista de profissão, como professor, como acadêmico (...). E ele sim falava quase sozinho, pregando no deserto sobre isso nesse meio hostil. Então ele é o grande desbravador da Escola Austríaca no Brasil.

OFP: É quase como se ele fosse guardadas as devidas proporções, como Menger na Áustria Em 1870 (...).

RC: Isso. Ele é o pai fundador da Escola Austríaca à Brasileira.

OFP: Beleza Rodrigo! Rodrigo, eu gostaria agradecer muito pela sua disponibilidade (...). Olha, eu fiquei surpreso com a rapidez que a gente combinou. Eu realmente não esperava (...). Então, a minha estima por você, que já estava lá em cima, só aumentou, e siga em frente só digo isso, siga em frente.

RC: Eu que agradeço. Saber que gente mais nova está fazendo trabalhos estudos, pesquisa sobre isso já me mostra que alguma coisa que a gente plantou lá atrás está colhendo bons frutos hoje. Então essa é uma batalha, e isso é uma coisa, aliás, que eu sempre respondi para muita gente, “Ah, mas e aí? Qual é a solução?”. A Ayn Rand respondia assim “Quando o médico está diante de uma epidemia, e perguntam para ele o que ele pode fazer, ele não fala que tem a cura para a epidemia. Ele fala o que que ele pode fazer ali no âmbito local”. A gente nunca sabe quem vai pegar o que você tá escrevendo, o que você tá falando, e usar isso. Mas dali pode sair o próximo Hayek brasileiro. Então é com muita satisfação que eu vejo esse troço prosperando. Em relação a ser solicito, aceitar convite, responder e-mail, dar entrevista para estudante, e tudo mais (...). Isso é aquilo que eu falei antes, cara, a premissa tem que ser a mesma, ou seja, a sandália da humildade, cara. I´ve been there, e, assim, e quando o Salim Mattar me recebeu para eu falar do Instituto Liberal, e tudo, foi o que me permitiu a viver disso. Então, cara, a pior coisa que existe, e aí vem meu lado mais conservador, a pior coisa que existe é a arrogância, é a vaidade, o pecado dos pecados. Então, isso aí, meu caro, fica tranquilo que, se perder isso, deixou de ser quem você é na essência. Então estamos aqui para isso. É a mesma coisa em pé de igualdade. Quero que você consiga fazer esse trabalho ir adiante e é de Mestrado que você falou?

OFP: Não, eu estou fazendo a Pós do Instituto Mises. Eu sou formado em História, apesar de tudo, pisando em ovo.

RC: O livro do Mises, “Teoria e História”, é fascinante.

OFP: Eu estou começando a voltar. Eu estou fazendo um projeto de ler toda a escola austríaca nesse ano, assim, todos os livros. E, realmente, eu, é uma coisa, na minha época de curso, essa pós-graduação, em que eu tive contato com gente que pensa minimamente parecido comigo parece que foi uma libertação.

RC: É muito legal.

OFP: Rodrigo, tenha um ótimo final de ano, eu acompanho sempre suas lives e siga em frente, apesar de todas essas dificuldades últimas (...)

RC: A gente supera. Obrigado, um feliz ano novo aí para você também.

OFP: Até.

[1] Trata-se, talvez, do livro “Tomorrow´s Gold: Asia´s Age of Discovery.”, publicado por Mark Faber no ano de 2002

[2] Trata-se do artigo, publicado em seu blog, intitulado “O Liberalismo Democrático de Mises”, no ano de 2015.

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