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Comunidade judaica se revolta com revista por matéria de capa antissemita contra secretário de Bolsonaro
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O governo Bolsonaro comprou briga com a mídia mainstream, e pretende usar as verbas públicas como munição, além da demonização frequente que a militância faz dos principais veículos mais críticos nas redes sociais. Que há viés ideológico em boa parte da imprensa, assim como má vontade com o atual presidente, isso está claro. O que não quer dizer que devamos aplaudir a campanha bolsonarista.

Dito isso, essa batalha tende a produzir muito ruído ainda. Para atacar o secretário responsável pela Secom, o judeu Fábio Wajngarten, a revista IstoÉ publicou uma matéria de capa o chamando de Goebbels, líder nazista responsável pela propaganda de Hitler. O teor da reportagem também tem pitadas fortes antissemitas, o que revoltou a comunidade judaica.

A parte mais polêmica é aquela que fala da "conexão judaica". Alguém consegue pensar numa reportagem falando da "conexão negra" ou "conexão gay"? A menção ao empresariado milionário não é fortuita, portanto: "De acordo com um deputado que acompanhou o trabalho de Wajngarten na campanha, ele envolveu a comunidade judaica no convencimento de aproximadamente 60 empresários judeus e milionários de São Paulo. Promoveu, assim, diversos jantares em apoio ao candidato do PSL na residência do empresário Meyer Negri, dono da Construtora Tecnisa, amigo de infância do chefão da Secom".

Nurit Gil escreveu um texto como resposta que circulou nos grupos de judeus. Num trecho, após falar de sua infância dura, diz:

Então, em pleno 2019, uma das maiores revistas em circulação do país estampa na sua capa o chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social e denuncia todas as suas práticas duvidosas. Seria louvável num país afundado há décadas na corrupção, não fosse um porém: a ênfase da matéria está no fato de ele ser judeu. "A Manipulação da colônia judaica" aparece em letras garrafais, incluindo no texto pérolas como "Os israelitas são conhecidos por atuarem no submundo do setor de segurança e informação" e a comparando o protagonista da reportagem à Goebbels.

Quer dizer, segundo a matéria, minhas colegas de infância estavam corretas: somos sempre judeus acima de qualquer outra característica quando alguém quer apontar o dedo na nossa cara, fazendo-se valer do mito da conspiração judaica que se recusa a morrer.

O chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República do Brasil é um homem que precisa ser investigado, independente de sua religião. Meu avô foi um herói e empreendedor, independente de sua religião. Eu, a menina que amava confetes, independente da minha religião. 

Ricardo Kertzman, judeu brasileiro de 52 anos, escreveu uma nota sobre a matéria também, concordando que a postura do ministro é "lamentável" e "antidemocrática", mas reclamando do tom preconceituoso contra sua religião:

A matéria de capa da revista IstoÉ desta semana é um daqueles episódios a se lamentar; mas nunca atacar. A despeito do acerto do tema e do propósito da reportagem, não há como concordar com o liame proposto pelo autor (ou autores), e aprovado, pelo visto, pelo editor (ou editores), qual seja, a origem — ou religião, vá lá — do tal secretário de comunicação do governo Bolsonaro e suas práticas nocivas à liberdade de imprensa e, por que não?, à própria democracia.

O que se vê, hoje em dia, não é muito diferente dos métodos lulopetistas. Pressão sobre anunciantes e veículos; distribuição política de verbas; compadrio com determinadas empresas de comunicação etc. Ora, não me lembro de qualquer grande revista, como é a IstoÉ, recorrer à etnia, religião ou gênero para criticar — e associar — as más práticas do governo da época, a um traço específico do agente público autor.

A mera tentativa de assemelhar a propaganda nazista e seu terrível criador, Goebbels, a um secretário quase inexpressivo de um governo como o atual, recém-eleito em um processo democrático, é lamentável e gratuita. Pior. O fato de o agente público ser judeu não autoriza tamanho exagero, além de desvirtuar o debate sobre o conteúdo da matéria — correta e oportuna.

Ao qualificar como “judeu” o secretário — e ser judeu não é demérito algum, claro —, o autor (autores) carrega a tinta no que não importa, ou ao menos não deveria importar. E o que poderia ser mero detalhe de redação, assume ares de antissemitismo em estado bruto mais à frente, quando resume as empresas israelenses (sem dizer quais, o que é um erro pueril) a isso: “Os israelitas são conhecidos por atuarem no submundo do setor de segurança e informação.”

André Lajst, diretor da StandWithUs Brasil, uma ONG que tenta levar mais conhecimento ao público sobre as verdades de Israel, emitiu uma nota de repúdio à reportagem de capa da revista:

Como instituição educacional que combate o antissemitismo e antissionismo, a StandWithUs Brasil se posiciona com repúdio à matéria de capa da Revista Istoé desta semana. A reportagem compara Fábio Wajngarten, secretário da Comunicação Social da Presidência da República (Secom), ao chefe da propaganda nazista, Joseph Goebbels, responsável pela campanha massiva de desumanização de parte da população, como judeus, negros, homossexuais e ciganos, na Alemanha e em países invadidos durante a Segunda Guerra Mundial.

A irresponsável comparação, como apontado pela Federação Israelita de São Paulo (Fisesp), banaliza um episódio triste da história da humanidade. Para além disso, o texto faz uma conexão entre Wajngarten e seu suposto poder de manipulação ao fato de o secretário fazer parte da comunidade judaica. Ele é ilustrado, na capa do semanário, como um titereiro, justamente o estereótipo de manipulador de fantoches (e da mídia) reservado aos judeus em charges nazistas.

Como um veículo da imprensa livre brasileira, logo parte de um dos pilares de nossa democracia, a Revista Istoé tem o papel de investigar e divulgar suas apurações sobre temas relevantes para a sociedade. Não deveria, no entanto, jamais sujar sua função, disseminando estereótipos racistas, constrangendo uma minoria da população brasileira e banalizando o Nazismo.

Destacamos que a reportagem faz questão de citar quem é judeu entre vários nomes da rede de contatos do secretário, composta também por não judeus. Tal escolha não tem valor informativo, mas apenas serve para propagar o antissemitismo. Urge que a Revista Istoé se conscientize do perigo que suas palavras representam e venha a público retratar-se pelo erro inaceitável. A estereotipização de comunidades judaicas em diferentes países e épocas tem servido apenas para provocar a perseguição e a violência.

As ilações conspiracionistas sobre a 'manipulação da comunidade judaica' são horrendas. Falam de judeus milionários, colaboração de empresas israelenses, sem o óbvio: apontar nomes e o que que o fato de serem judeus ou israelenses teria a ver com os fatos.

E isso justo na semana em que lembramos os 71 anos da Noite dos Cristais, que deu início à perseguição e execução sistêmica dos judeus pela Alemanha Nazista.

A reportagem gerou repercussão tímida na grande imprensa em si, talvez porque ela esteja em guerra com o governo Bolsonaro e o material serve de munição. Mas deve-se tomar o devido cuidado para não permitir que o antissemitismo floresça em nosso país, ainda mais quando se sabe que o presidente Bolsonaro é simpático à causa de Israel (o que é absolutamente legítimo e mesmo louvável).

Acho que caberia à revista e ao autor Germano Oliveira um pedido de desculpas, pois no meio judaico a reportagem pegou muito mal, e com razão.

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