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A ausência de pais morais e de limites. Ou: Os 25 anos do ECA com pouco a celebrar
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Dentre as principais vantagens que vejo do conservadorismo sobre o liberalismo está o foco no aspecto moral, para além do ponto de vista material. Nós, liberais, costumamos focar muito nos incentivos materiais, e no limite, como fez o professor de Chicago Gary Becker, quase tudo é resumido pelo materialismo. Considero essa postura um equívoco, e os liberais erram como seus oponentes marxistas nesse aspecto. Nem só de pão vive o homem, e os valores morais difundidos numa sociedade são cruciais. Por acreditar nisso discordo de leitores que me recomendam falar apenas de economia.

Vejamos o caso da violência e da criminalidade entre jovens, por exemplo. A esquerda materialista vai dizer que esses jovens são seduzidos pelo crime por falta de oportunidades, resumindo tudo ao aspecto material. Os marginais serão vistos como “vítimas da sociedade”, e tudo será explicado com base no social. Já os liberais, de forma bem mais acertada, dirão que indivíduos reagem a incentivos, e que a impunidade é o maior convite ao crime. Ainda assim, não será a explicação completa para o problema.

O jornalista Carlos Alberto Di Franco, em sua coluna de hoje, fala dos traficantes de classe média, que certamente não entram para o crime apenas pelo aspecto material, muito menos pela falta de oportunidades. Di Franco lança luz sobre o assunto pelo lado moral da coisa, ou seja, o vácuo de valores seria o maior responsável por essa adesão ao mundo do crime, mesmo em famílias que supostamente têm o suficiente do ponto de vista material. Diz ele:

Os pais da geração transgressora, em geral, têm grande parte da culpa. Choram os desvios que cresceram no terreno fertilizado pela omissão. É comum que as pessoas se sintam atônitas quando descobrem que um filho consome drogas. Que dirá, então, quando vende. O que não se diz, no entanto, é que muitos lares se transformaram em pensões anônimas e vazias. Há, talvez, encontros casuais, mas não há família. O delito não é apenas o reflexo da falência da autoridade familiar. É, frequentemente, um grito de revolta. Os adolescentes, disse alguém, necessitam de pais morais, e não de pais materiais.

Teorias politicamente corretas no campo da educação, cultivadas em escolas que fizeram a opção preferencial pela permissividade, também estão apresentando um perverso resultado. Uma legião de desajustados e de delinquentes, crescida à sombra do dogma da tolerância, está mostrando suas garras. Gastou-se muito tempo no combate à vergonha e à culpa, pretendendo que as pessoas se sentissem bem consigo mesmas. O resultado é toda uma geração desorientada e vazia. A despersonalização da culpa e a certeza da impunidade têm gerado uma onda de infratores e criminosos. A formação do caráter, compatível com o clima de verdadeira liberdade, começa a ganhar contornos de solução válida. É pena que tenhamos de pagar um preço tão alto para redescobrir o óbvio: é preciso saber dizer não!

A ausência de limites, a substituição da verdadeira educação pela “compra” da paz de consciência, pais cada vez mais distantes ou metidos a amiguinhos de seus filhos, tudo isso contribui e muito para a crise de valores dessa juventude. Edmund Burke, o “pai do conservadorismo”, já sabia que, se o indivíduo não criar mecanismos de controle de seus apetites, ficará refém cada vez mais de controles externos. A boa educação moral serve a esse propósito: incutir freios internos nos jovens, rebeldes por natureza. Quando isso falha, é necessário encontrar freios externos, como a severa punição da lei.

Combinação explosiva é a de famílias destroçadas e sem valores morais com a impunidade legal. Aí temos a receita certa para o caos. E é justamente o cenário brasileiro. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 25 anos, e há pouco a celebrar. O ECA tem sido um dos grandes responsáveis pela impunidade juvenil, ao tratar marmanjos delinquentes como crianças indefesas. O editorial do GLOBO de hoje tratou do tema:

No caso específico do Estatuto da Criança e do Adolescente, uma lei orgânica criada com o explícito (e legítimo) propósito de tratar de aspectos legais de proteção ao menor, à leniência junta-se outro aspecto, mais deletério. É o caso do extremo paternalismo que dispensa a jovens delinquentes, mesmo aqueles que tenham praticado crimes graves e no pleno juízo dos seus atos.

Essa indulgência se espalha numa série de artigos, de tal forma que, no ECA, abundam dispositivos que tratam dos direitos do menor, mas escasseiam mecanismos que lhes cobrem responsabilidades, ainda que relativizadas pela idade.

O ECA foi promulgado em julho de 1990. Nestes 25 anos, mudaram o mundo e a maneira como o jovem dele se apercebe; as relações políticas, econômicas e culturais se alteraram radicalmente. Em razão da explosão de informações, atualmente um adolescente de 16, 17 anos tem muito mais percepção da realidade, portanto mais amadurecimento, que um garoto na mesma faixa etária de um quarto de século atrás.

O Estatuto, no entanto, não se moldou a essa nova realidade. Preservou-se, praticamente imune à dinâmica da vida numa sociedade em permanente mutação, o espírito que norteou sua criação. Era de se esperar, portanto, que a legislação não desse conta das demandas que crescem, e se agravam, à sua sombra protetora.

Há muita hipocrisia ao lidar com o tema, e muito romantismo também. Claro que a esquerda tem um ponto quando fala do lado social, mas é uma visão muito simplista e reducionista na coisa. A pobreza não leva automaticamente ao crime, e pensar isso é uma ofensa aos milhões de pobres honestos. A crescente criminalidade na classe média também derruba essa falácia. A renda per capita aumentou nos últimos anos, mas isso não fez a criminalidade cair. Não há tal elo direto.

Muito mais relevante do que a conta bancária são os valores morais. Famílias que não conseguem transmitir para seus filhos tais valores terão sérios problemas. É o que mostra o médico britânico Theodore Dalrymple, que trabalhou por 14 anos em prisões nos subúrbios londrinos. Ele viu o estrago causado pela destruição de valores morais nessas famílias. Não era um resultado de falta de oportunidades materiais. Ao contrário: o welfare state britânico garantia uma vida relativamente tranquila para essas pessoas. O que lhes faltava era limite interno, freio moral, controle dos próprios apetites. E claro: a impunidade em nada ajuda.

Rodrigo Constantino

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