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Dando continuidade ao resgate de textos antigos sobre a Rússia de Putin, tentando, assim, ajudar na compreensão da sua visão de mundo, segue um artigo sobre a guerra que Putin travou com a Chechênia, repleta de abusos humanitários, mas ignorada pela imprensa ocidental. Talvez dê uma boa ideia de como a Rússia vai agir na questão atual da Ucrânia.

A guerra de Putin

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“It´s not how many facts you know but the truth and quality of what you know that counts.” (Victor Sperandeo)

A região do Cáucaso, destacada até na mitologia grega como o “fim do mundo”, prisão de Prometeu, é rica em dois aspectos: confusão e solo. Desde os primórdios da civilização local, a região banhada pelo Már Cáspio e rica em petróleo é uma verdadeira Torre de Babel, abrigando diversas culturas e etnias, em constante conflito.

Os russos sempre tiveram interesse nessas terras, e Stalin conseguiu anexá-las ao seu império soviético. Os islãmicos, entretanto, já tinham marcado presença no local durante o Império Otomano, e tanto Chechênia como Daguestão são grandes focos de muçulmanos extremistas, inclusive financiados pelos radicais Wahhabi, da Arábia Saudita.

A Chechênia declarou sua independência em Novembro de 1991, após a queda da URSS, mas Boris Yeltsin mandaria tropas para restaurar a autoridade de Moscou em 1994. Começava uma guerra problemática, que se transformou em chacina, e pode representar o Calcanhar de Aquiles do presidente Putin.

Essa primeira guerra da Chechênia terminou em 1996, com uma derrota humilhante para os russos, e um saldo de mortes de milhares de chechenos, além da principal cidade de Grozny ter ficado em ruínas. Apenas para colocar em perspectiva, a recente guerra do Iraque matou menos de três mil pessoas. Voltando à Chechênia, Yeltsin havia ganhado a reeleição em 1996, e fez um acordo de cessar-fogo com o líder dos rebeldes separatistas chechenos. Davi tinha vencido uma batalha contra Golias, mas não a guerra.

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Os anos que se seguiram foram de intensa conturbação para ambos os lados. Em Moscou, a situação de Yeltsin se deteriorava com escândalos de privatizações fraudulentas e seu deplorável estado de saúde. Em 18 meses, ele já tinha demitido cinco primeiros-ministros. O clima de instabilidade era grande. Foi nesse contexto que Putin, até então um total desconhecido dos russos, diretor da FSB, antiga KGB, foi nomeado para o cargo mais importante abaixo do presidente. Especialistas em política na Rússia afirmam que essa indicação fora obra de Berezovsky, poderoso oligarca influente no Kremlin, que objetivava controlar o próximo presidente como uma marionete. Com o poder da mídia dos oligarcas, o principal concorrente de Putin, o todo-poderoso prefeito de Moscou, Luzhkov, foi destruído politicamente e o caminho ao Kremlin ficou livre para Putin.

Putin sempre declarou admiração a Pedro, O Grande, um dos czares russos de maior importância. O aspecto cultural, dado que Pedro foi o grande responsável pela ocidentalização da Rússia, pode ser o motivo por trás dessa admiração. Mas não vamos esquecer que Pedro iniciou sua carreira com um ataque ao sul, conquistando dos turcos otomanos o porto de Azov, em 1696, para ganhar o acesso ao Mar Negro. Talvez o inconsciente de Putin tenha o traído, e essa seja a verdadeira semelhança entre ambos.

Em agosto de 1999, um mês aparentemente amaldiçoado para os russos, Yeltsin mostrava rápida deterioração em sua saúde mental, e para piorar sua situação, diversos escândalos vieram à tona, estragando sua pescaria nas férias. O caso do Bank of NY teve repercussão abrangente, levantando suspeitas sobre uma lavagem de dinheiro superior a US$ 10 bilhões envolvendo chefes do crime organizado russo, num esquema que envolvia oficiais de Moscou. Dia 25 de agosto, um caso de suborno da Mabetex ligado a família de Yelstin apareceu com detalhes na mídia. Seis dias depois teve início uma sequência de bombas em Moscou.

Yeltsin acusou os chechenos de atos bárbaros de terror, mas nenhum grupo assumiu autoria dos atentados em série. Os chechenos nunca tinham soltado uma bomba em Moscou durante a primeira guerra. Um estranho episódio na cidade de Ryazan aumentou as suspeitas que alguns tinham a respeito dos atentados. No dia 22 de setembro, residentes de um bairro chamaram a polícia após notarem dois homens carregando algo para o porão de um prédio. Evacuaram o prédio e chamaram o esquadrão anti-bombas. No dia seguinte, Putin declarou que a vigilância havia derrotado uma ameaça terrorista. Entretanto, dia 24, o novo chefe da FSB, homem de confiança de Putin, teve que pedir desculpas em rede de TV, afirmando que tratava-se apenas de um exercício de treinamento da própria FSB. No mínimo suspeito, para não dizer bizarro.

No final de setembro, a guerra de Putin havia começado. Mais de cem mil homens compunham as tropas russas dessa vez, rumo à Chechênia. Putin depositou suas fichas políticas nessa guerra, prometendo pôr fim ao regime sem lei da região. O massacre foi total, e Putin declarou que a vitória seria rápida. Ela ainda está em andamento nos dias de hoje, com ataques violentos de ambos os lados, como o episódio do teatro de Moscou dia 24 de outubro de 2002, com centenas de reféns e várias mortes, assim como a recente bomba no metrô de Moscou.

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A opinião pública começou a mostrar sinais de desaprovação à guerra, e a mídia, então controlada por dois oligarcas influentes, esboçava mudar de lado, ou ao menos expor mais a visão chechena, mesmo que esses oligarcas fossem judeus e os chechenos islãmicos. Putin não poderia permitir isso. Os russos, e por tabela o mundo, não poderiam ter acesso às atrocidades lá cometidas. O primeiro oligarca a cair foi aquele que praticamente criou Putin: Boris Berezovsky. Logo em seguida, Gusinsky seria intimidado por uma operação cinematográfica da FSB, culminando em sua prisão e fortes ameaças do Kremlin. Ele acabou exilado também, como Berezovsky.

E foi assim que a guerra de Putin fechou suas portas para o mundo, tendo o Kremlin total controle sobre a mídia local. Uma guerra suja, dos dois lados, mas desigual em forças. Os separatistas chechenos são terroristas de fato, mas não toda a população residente na região do Cáucaso. E esses estão pagando um alto preço também, enquanto o mundo os ignora, restando energia apenas para criticar e condenar Bush.

Tanto faz que a guerra de Putin esteja trucidando muito mais gente, mais inocentes, com motivos mais obscuros. Isso parece não fazer a menor diferença. E essas pessoas se auto-intitulam “humanitários” ou “pacifistas”. Seria cômico, não fosse trágico.

Rodrigo Constantino