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As cotas racistas
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Seguindo na homenagem ao Dia da Consciência Negra, vai abaixo um artigo meu de 2009 publicado no GLOBO. Foi um dos primeiros no jornal carioca:

As cotas racistas

“Os fatos são teimosos, e nossos desejos, nossas inclinações ou o imperativo de nossas paixões, quaisquer que sejam, não podem mudar o estado dos fatos e das evidências”. Com esta frase de John Adams, Thomas Sowell começa seu livro “Ação Afirmativa ao Redor do Mundo”, onde faz estudo empírico do efeito das cotas em vários países. O alerta vem à mente quando lemos alguns artigos em defesa das cotas que, não obstante as boas intenções dos autores, têm permitido que as paixões fiquem acima da frieza dos dados.

Esses autores têm utilizado estatísticas pontuais para mostrar que cotistas apresentam desempenho médio equivalente ao dos demais estudantes, além de menor taxa de evasão. Ora, levando a lógica ao extremo – de que permitir o acesso às vagas de alunos menos preparados mantém a média –, pode-se concluir que fornecer cotas para todos não iria prejudicar o padrão de qualidade das universidades. Ou seja, se os alunos com as piores notas fossem aceitos no lugar dos alunos com as melhores notas, as universidades não perderiam qualidade, o que é, evidentemente, uma conclusão absurda. A estatística pode ser a arte de torturar números até que eles confessem qualquer coisa.

Sowell levanta importantes questões em seu livro. Ele lembra que “os asiático-americanos são um claro embaraço para os que usam os argumentos costumeiros em defesa da ação afirmativa”. Afinal, este grupo costuma apresentar desempenho médio maior que o dos brancos, principalmente em matemática. No livro “Fora de Série”, Malcolm Gladwell mostra que fatores culturais podem explicar esta diferença. O fato é que os “amarelos” apresentam, na média, melhor desempenho. Por isso esse grupo étnico acaba ignorado nas estatísticas. Serão as maiorias brancas “vítimas” das minorias japonesas? É importante não confundir correlação com causalidade.

Outro erro comum é a utilização de casos específicos para provar uma regra. Por exemplo, citar alguns famosos beneficiados pelas cotas para afirmar a possibilidade de sucesso do modelo. Seria bastante fácil encontrar contra-exemplos. Mas apontar casos isolados de fracasso ou sucesso das cotas não prova nada. Em qualquer experimento desse tipo, alguns casos de sucesso sempre ocorrerão. O importante é verificar a tendência geral. E nesse caso, o resultado é negativo para as cotas, como demonstra Sowell. A redução da miséria entre negros americanos, por exemplo, foi mais acelerada antes da política de ação afirmativa do que depois. De 1967 a 1992, os 20% de negros mais pobres tiveram seus rendimentos reduzidos numa proporção duas vezes maior que seus equivalentes brancos. Eis o resultado quando se está arrombando as portas de entrada das universidades com base não no mérito, mas no critério da cor da pele.

Até aqui, restringi o foco ao aspecto da eficiência das cotas. Mas há um fator muito mais importante que não deve ser ignorado: o moral. Quando indivíduos passam a ser segregados com base na “raça”, concedendo-se privilégios para um grupo em detrimento de outro, o próprio racismo está sendo fomentado. Alguns autores acreditam que esta ameaça não tem sido expressiva no país, mas ainda não há dados suficientes para se ter uma perspectiva histórica. Esses efeitos levam tempo. O livro de Sowell deixa claro que a ameaça é significativa, e em alguns casos, como no Sri Lanka, acabou até em guerra civil. O próprio conceito de “raça” é uma criação humana, não um dado da natureza. Quando políticas do governo instituem o critério racial para separar os indivíduos, o racismo está sendo alimentado. Isso vai contra o sonho de Luther King, de um país onde as pessoas fossem julgadas “não pela cor da pele, mas pela firmeza do caráter”.  

O último ponto a ser analisado é o argumento de “dívida social”. Em primeiro lugar, é preciso lembrar que nem mesmo um filho pode herdar dívida líquida do pai, já que não tem culpa de seus erros. Mesmo assim, para ser minimamente justo, seria necessário julgar cada caso isolado, para saber se aquele indivíduo é herdeiro de um dono de escravos ou de um escravo, ou nenhum dos dois. Afinal, a cor da pele não prova nada, já que negros foram donos de escravos, como o próprio Zumbi, e nem todos os brancos eram donos de escravos. Portanto, quando dizem que muitos bolsistas do ProUni são descendentes de escravos, com base na cor da pele, é impossível saber se isto é ou não verdade. A probabilidade é que seja falso. E reparar uma injustiça passada criando uma nova injustiça está longe de ser um bom critério de justiça.      

E agora, o grande ator Morgan Freeman sobre a visão de raça negra:

httpv://youtu.be/AQzjWsUkZNg

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