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Consumo ou investimento? Alguns acham que não é preciso escolher…
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Em artigo na Folha de hoje, Marcos Gouvêa de Souza, formado em administração pela FGV e em propaganda e marketing pela ESPM, além de conselheiro do IDV (Instituto para Desenvolvimento do Varejo), defende a tese de que não há mal em se estimular o consumo, pois ainda há muita demanda reprimida. Logo de cara ele diz:

Grassa na mídia e em ambientes governamentais a ideia de que o estímulo ao consumo já cumpriu seu papel na recuperação econômica do país e que o foco deveria agora ser direcionado para investimentos em infraestrutura.

Como se essas frentes fossem incompatíveis entre si e os recursos para uma inviabilizassem apoio para a outra. Nada mais equivocado e pueril, não fosse incoerente.

[…]

De fato, o que conspirou a favor do aumento do consumo foi uma conjunção virtuosa do crescimento da renda real das famílias, com melhoria do nível de emprego formal, e do incremento da oferta de crédito e a elevação do nível de confiança do consumidor.

Esses elementos proporcionaram forte expansão das vendas do varejo em todo o país e criaram uma nova realidade social e econômica, sem que o governo fosse obrigado a fazer nenhum estímulo adicional.

Um momento, por favor. De onde exatamente o autor pensa que vem o lastro para tanta expansão de crédito dos bancos públicos? De onde ele acha que vem o crescimento da renda real das famílias, se a economia não experimentou nenhum grande aumento em sua produtividade? Ele não explica. Porque não pode. Mas cita a demanda reprimida como justificativa para os estímulos:

Há espaço ainda para o aprofundamento do consumo, medido pela carência de produtos e serviços demandados pela população.

A penetração de alguns produtos nos domicílios brasileiros, segundo os dados da PNAD, do IBGE, mostra que, no período de 2001 a 2011, a presença de fogões cresceu de 97,8% para 98,6%. A de TV aumentou de 82,8% para 96,9%. As geladeiras avançaram de 84,4% para 95,8%. Em filtros de água, chegamos, em 2011, apenas a 53,2%, e em freezers a 16,4%. Se pensarmos em máquinas automáticas de lavar roupa, item relevante para a mulher que trabalha fora de casa, a penetração avançou de 32,9% para 50,9%.

E a obsolescência dos eletrodomésticos e dos produtos eletrônicos cria um mercado em constante renovação. O desejo de evolução e melhoria contínua é a essência do capitalismo e alimenta o desenvolvimento econômico, em especial num país como o Brasil, com uma população jovem, com idade média inferior a 30 anos.

O grande problema é o autor olhar para o lado da demanda, e esquecer da oferta. Ora, nossa demanda será sempre ilimitada! Afinal, sempre será possível adquirir um bem novo, mais moderno, trocar algum aparelho doméstico, acrescentar um novo produto a casa. Medir a penetração não serve para muita coisa além de lembrar que o Brasil ainda não é um país rico.

Garanto que na África a penetração é muito menor. Isso quer dizer que os governos podem estimular à vontade o consumo das famílias, com base em transferência de renda, bolsas e crédito? Claro que não! Se fizessem isso, gerariam apenas inflação, mais nada. Enriqueceriam alguns camaradas no processo, alguns vendedores, mas não a nação como um todo. O autor conclui:

Não devemos transigir na atenção que o consumo merece em um momento em que o aumento do emprego formal perde seu vigor, a expansão da renda real é menor, a oferta do crédito está mais limitada pela cautela do sistema financeiro privado e o nível de confiança do consumidor tem baixado desde o primeiro semestre de 2012, criando um indesejável cenário de tendência à contenção de gastos.

O país precisa de crescente atenção com sua debilitada infraestrutura, e qualquer pessoa de bom senso reconhece isso. Porém, fazê-lo à custa de uma redução de atenção e apoio à expansão do consumo é absoluta miopia.

Como, exatamente, ele pensa que é possível expandir tanto consumo como investimento? Pensemos em Robinson Crusoé na ilha. Para expandir seu investimento, talvez para construir uma rede de pescaria que o tornaria mais produtivo, ele teria, antes, que reduzir o consumo. Ambos são concorrentes pelos recursos escassos disponíveis.

Crusoé deixaria de pescar alguns peixes para consumo imediato e investiria seu tempo e sua energia, assim como os produtos que acumulou, para a construção da rede. Depois, sim, ele poderia aumentar seu consumo. Achar que é possível aumentar ambos de forma sustentável é crer em almoço grátis. Eles podem até subir ao mesmo tempo, desde que alguma poupança externa seja usada. Mas ela terá de ser paga eventualmente.

Ironicamente, o autor fala em miopia, mas a maior miopia de todas é dele próprio. Pensando somente no curto prazo, nas vendas maiores do consumo no varejo, ele defende um modelo irresponsável, em que o governo estimula com crédito sem lastro o consumo das famílias e investe mais ao mesmo tempo. Não dá para ter e comer o bolo. Para investir mais é preciso, sim, abrir mão do consumo corrente.

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