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Criticar o Bolsa Família virou preconceito agora? Isso é fugir do debate!
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Fonte: Estadão

Com o Programa Bolsa Família tendo completado uma década de existência, surgiram muitos elogios oficiais e algumas críticas independentes.

Por exemplo: cerca de metade das famílias que estavam desde o início ainda estão penduradas no programa. Porta de saída? Ou então: por que o governo celebra cada vez mais gente dependendo de esmolas estatais? Não deveria ser o contrário para medir o sucesso de um programa social?

Enfim, o fato é que tem gente que não aceita críticas ou sequer o debate sério, calcado em argumentos. Monopoliza os fins nobres – só quem defende o programa defende os pobres – e rotula quem discorda, atacando não seus pontos, mas suas intenções: insensível, elitista, preconceituoso!

Foi o caso da socióloga (sempre a sociologia!) Walquiria Leão Rego, que fez um estudo com o filósofo italiano Alessandro Pinzani. Em entrevista para a repórter Isadora Peron (sinto muito, mas não tinha outro sobrenome para usar?), Walquiria sustentou sua tese de que os críticos do programa sofrem de preconceito e uma cultura de desprezo pelos mais pobres.

Antes de entrar no detalhe, vale abrir um parêntese: diz a matéria que foi um “exaustivo trabalho de pesquisa”, e logo depois afirma que foram ouvidas 150 mulheres beneficiadas pelo programa. Exaustivo trabalho de pesquisa? Um programa que atende dezenas de milhões de pessoas, avaliado pela conversa com 150 mulheres? Tenho outro critério para o termo exaustivo ou mesmo pesquisa. Mas vamos em frente. Fecho o parêntese.

Essa resistência em dar dinheiro ao pobres acontecia porque as autoridades intuíam que o dinheiro proporcionaria uma experiência de maior liberdade pessoal. Nós pudemos constatar na prática, a partir das falas das mulheres. Uma ou duas delas até usaram a palavra liberdade. “Eu acho que o Bolsa Família me deu mais liberdade”, disseram. E isso é tão óbvio. Quando você dá uma cesta básica, ou um vale, como gostavam de fazer as instituições de caridade do século 19, você está determinando o que as pessoas vão comer. Não dá chance de pessoas experimentarem coisas. Nenhuma autonomia.

Sei que fechei o parêntese acima, mas peço vênia para reabri-lo: uma ou duas mulheres falaram em liberdade, então fica óbvio que 30 milhões de beneficiados com o programa assimilam que as esmolas trazem mais liberdade e autonomia? Estranho…

Estamos tratando de pessoas muito pobres, muito destituídas, secularmente abandonadas pelo Estado. Quando falamos em mais autonomia, liberdade, independência, estamos nos referindo à situação anterior delas, que era de passar fome. O que significa dizer de uma pessoa que está na linha extrema de pobreza e que continua pobre ganhou mais liberdade? Significa que ganhou espaços maiores de liberdade ao receber o benefício em dinheiro.

Já que a pesquisadora usou uma ou duas mulheres para reforçar seu ponto, eu vou usar uma mulher também para reforçar o meu. Vejam o uso que ela queria dar ao benefício do Bolsa Família:

httpv://youtu.be/_iyopqgS_Og

Pois é. Não “tá” dando para comprar nem uma calça para a filha de 16 anos, que custa mais de R$ 300! Acho que essa senhora não foi uma das 150 entrevistadas pela pesquisadora.

O Bolsa Família é um programa barato, mas como incomoda a classe média (ela ri). Esse incômodo vem do preconceito.

Não consigo achar tanta graça. Preconceito? Por criticar uma relação de eterna dependência entre estado e pobres? Por temer que o voto de cabresto esteja de volta com força total ameaçando nossa democracia? Por saber que não é dessa forma que vamos resolver o problema da miséria, e sim com mais liberalismo?

Não, Walquiria. A classe média, ou parte dela, critica o Bolsa Família porque entende que ele pode gerar novos problemas, e não ataca as raízes dos nossos males, mas apenas sintomas, e de forma perigosa para nossa democracia. Conviva com isso. Aceite tais críticas sem chamá-las de fruto do preconceito. Isso, aliás, parece puro preconceito seu contra a classe média! Marilena Chauí fez escola…

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