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Levy será usado como “boi de piranha” pela esquerda. Ou: A lição grega
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Joaquim Levy deveria ter aceitado o ministério da Fazenda, mesmo sabendo da enorme dificuldade que teria ao tentar impor um pouco de bom senso a um governo esclerosado e ideológico? Há controvérsias. De um lado, alguns o enxergam como um corajoso patriota disposto a engolir muitos sapos em prol do país, ou seja, quase um herói. Do outro lado, há quem o veja como alguém extremamente vaidoso, tendo cedido por ser esta sua grande chance de ocupar o tão sonhado cargo.

Talvez a verdade esteja em algum lugar entre os dois extremos. Não resta dúvida de que Levy tem tentado pisar em ovos sem quebrá-los, atuando quase como um malabarista para não ofender demais seu antecessor e a gestão da presidente no mandato anterior. Com esse pragmatismo, foi capaz de convencer os analistas da Standard & Poor’s de que o país está no rumo das mudanças necessárias, e com isso evitar a perda do grau de investimento. O Brasil ganhou tempo para respirar, aliviado.

Mas excesso de pragmatismo pode ser prostituição. O mais pragmático dos seres é aquele desprovido de princípios, de valores dos quais não aceita se desfazer. Um pragmático radical pode muito bem fazer um pacto com o diabo, pesando apenas custos e benefícios sem levar em conta outras características na equação. Acho curioso que o termo pragmático tenha conquistado ares de extrema sabedoria, quando o termo maquiavélico, quase um sinônimo, seja algo completamente negativo.

Ou talvez devêssemos discutir o horizonte do pragmatismo. Pode ser pragmático evitar o pior hoje, se a alternativa for uma catástrofe. Mas também pode ser pragmático vislumbrar que o “pacto com o diabo” custará ainda mais depois, e que encarar um sofrimento maior no presente pode muito bem ser nossa salvação. Não é aderir ao “quanto pior, melhor”, mas compreender que no longo prazo esse pragmatismo míope poderá trazer uma desgraça ainda maior.

Por falta de tato político e jogo de cintura, o tecnocrata Levy já criou confusão com a presidente Dilma ao menos em quatro ocasiões, como lembra Ricardo Noblat em sua coluna de hoje. Noblat acha que Levy e Dilma são parecidos nesse aspecto, mas lembra que é Dilma quem detém o poder:

O que Dilma e Levy têm em comum? Falta-lhes jeito para manipular cristais sem destruir nenhum. Com uma diferença: a presidente da República é Dilma, eleita e reeleita pelo voto popular. Levy nunca foi votado. É ministro porque Dilma quer. Deixará de ser quando quiser ou quando ela quiser. A conjuntura obriga Levy a fazer política. E essa está longe de ser a praia dele. Daí as mancadas.

No presidencialismo brasileiro, por mais fraco que esteja o presidente, ninguém manda mais do que ele. A não ser que ele abdique de mandar. Getúlio Vargas matou-se. Mas, com seu gesto, permaneceu influente por mais de uma década. João Goulart fugiu para o exterior com medo de provocar derramamento de sangue. À Dilma não falta a coragem dos temerários. Ela já deu provas disso.

Levy?

Dilma pode ser refém de Levy em boa medida, por ter escolhido um ministro que não pode demitir, ao menos não sem causar um grande rebuliço nos mercados e afetar ainda mais uma economia combalida. Mas quem disse que governantes nunca tomaram o caminho da insensatez antes? Ora, ainda mais Dilma, ela mesma a prova viva de que é possível insistir no erro de forma asinina apesar de todos os sinais de alerta dos equívocos.

O que me traz ao ponto central do texto: a batata de Levy já começa a assar por sua falta de habilidade política, e também porque a esquerda, inclusive o próprio PT, adoraria ver sua cabeça numa bandeja como o responsável pelos problemas na economia. O ministro teve de “costurar” um discurso para senadores justificando sua fala “infeliz” (sincera) para alunos de Chicago, na qual disse que Dilma é “bem intencionada, mas nem sempre age da forma mais eficiente”.

O óbvio ululante, dito até de maneira bem sutil e elegante, mas que não pode ser dito, ponto. É a situação criada pelo pragmatismo exacerbado do ministro: pertence a um governo que sabe ser incompetente, mas que não pode dizê-lo em voz alta. E precisa mudar radicalmente os rumos da gestão econômica, convencer os investidores e analistas de que fará isso, mas sem evidenciar que isso deve ser feito porque os rumos anteriores eram péssimos. Haja malabarismo!

Por ser um “médico” entre “loucos”, Levy precisa simular um pouco de loucura também, para não ofender a sensibilidade de seus colegas. Mas têm ao menos dois problemas nisso: 1. ele fica com uma margem de manobra bastante reduzida para impor as mudanças que gostaria; 2. os “loucos” sempre poderão apontar o dedo para o “médico” como o culpado pelas sequelas de suas loucuras.

Mercadante, o braço-direito de Dilma, já cobrou de Levy explicações. Sabemos como Mercadante, alinhado ideologicamente a Guido Mantega (e também Dilma), adoraria poder culpar o “neoliberalismo” e a “ortodoxia” pelos males produzidos pelo desenvolvimentismo que defende. É justamente aqui que mora o maior perigo: nossa esquerda vai dar um jeito de imputar ao “neoliberalismo” a responsabilidade por suas trapalhadas.

Levy sequer tem agido como um legítimo liberal. Afinal, liberal algum aceitaria aumentar os impostos num país como o Brasil. Seu ajuste fiscal, ainda que necessário, vai pelo caminho mais fácil politicamente, subindo impostos em vez de cortar na carne os gastos públicos. Ele tenta curar com bandaid uma hemorragia. E dá a oportunidade à esquerda de depois condenar o… bandaid!

Podemos pensar no caso grego como parâmetro. A Grécia não seguiu as receitas liberais em momento algum. Sua crise foi causada pelo excesso de governo, pelas mordomias estatais, pela farra do crédito fácil estimulada pelo próprio governo. Mas como muitos pensaram que os liberais ortodoxos tinham imposto uma agenda de reformas, quando ficou claro que o buraco era mais embaixo deram um jeito de culpar o liberalismo.

Vários repetem por aí que a Grécia faliu por culpa do mercado e que as reformas ortodoxas “fracassaram”, sendo que nunca foram colocadas em prática. O resultado: um partido de extrema-esquerda assumiu o poder. Ou seja, não é impossível imaginarmos um cenário em que o “liberalismo” (Levy) é culpado pelo insucesso das mudanças, e que o PSOL é visto como a melhor alternativa.

Então você está dizendo, Constantino, que Levy deveria simplesmente parar de tentar mudar e deixar o barco afundar de vez sob o comando do PT? Não sei se seria o melhor. Ninguém sabe. Mas é meu dever trazer ao leitor esse ponto de vista, mostrar que Levy pode muito bem servir apenas como um “boi de piranha” a ser sacrificado para que os desenvolvimentistas consigam atravessar o rio. Não podemos descartar essa hipótese de forma alguma.

Rodrigo Constantino

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