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As pessoas do mesmo ramo raramente se reúnem, mesmo para o lazer e a confraternização, sem que a conversa acabe numa conspiração contra o público ou em alguma manobra para aumentar os preços. – Adam Smith

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O ministro Guido Mantega anunciou, feliz da vida, que os bancos devem financiar até 70% das concessões de rodovias. O governo teria chegado a um acordo com oito dos maiores bancos privados que atuam no país (Bradesco, Itaú, HSBC, Santander, Bank of America, BTG Pactual, Safra e JPMorgan), para que essas instituições financiem as concessões de rodovias, que envolverão investimentos de R$ 50 bilhões.

Ficou acertado que esses bancos poderão financiar até 70% do total dos investimentos, em operações que terão prazo de 25 anos, mais cinco anos de carência, e taxa em torno de 7% ao ano (TJLP mais 2%). O ministro disse, após a reunião com os banqueiros:

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É fundamental, para viabilizar essas concessões, primeiro, que elas sejam bastantes rentáveis para atrair investidores. Em segundo lugar, que haja um modelo de financiamento para viabilizar os investimentos que serão feitos, que não são poucos.

Demorou a chegar à conclusão de que o retorno precisa ser atraente para os investidores. Até agora esse foi um dos grandes impeditivos de sucesso nos leilões, pois o governo vinha sinalizando que pretendia controlar e limitar tais retornos. É a ideologia acima do realismo e total falta de compreensão do funcionamento do mercado. Menos mal se esse obstáculo for mesmo favas contadas.

Mas confesso ter calafrios quando vejo reunião de grandes banqueiros e governo, com anúncios desse tipo em seguida. Procuro logo pelo busílis da questão. E há sinais. Sinais claros:

Segundo Mantega, a carência de cinco anos para início do pagamento dos financiamentos é um fator que aumenta “as condições favoráveis para o investimento”, já que nesse período “dá para fazer toda a duplicação (das áreas concedidas) e pedágios”. O funding dos empréstimos ficará a cargo do BNDES, que deverá cobrar um spread “menor que 0,5%” dos bancos, estimou o ministro.

Já começa a fazer mais sentido. O BNDES entra com os subsídios, e os bancos vêm depois. Mantega celebra o acordo pois, normalmente, os bancos não participavam de empréstimos tão longos. E por que será, ministro? A pergunta-chave não é feita. Arrisco algumas respostas.

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Em primeiro lugar, porque o próprio BNDES toma conta desse mercado, com taxas camaradas, expulsando os bancos privados da concorrência. Tem um elefante na sala agindo sem critérios econômicos. Como competir em igualdade de condições? Ou seja, o próprio BNDES é parte do problema.

Mas não é o único. Há insegurança jurídica no país, o arresto de bens inadimplentes não é rápido, o risco político tampouco pode ser desprezado, o econômico muito menos (olha a inflação aí de volta, gente!) etc. Enfim, o ambiente hostil criado pelo próprio governo reduz a visibilidade do futuro e demanda prêmios de risco maiores hoje.

Por que, então, os bancos aceitaram passar por cima desses fatos, desta vez? O que mudou? A-ha! Agora estamos no caminho certo. Elementar, meu caro Watson. Se os banqueiros não se encantaram com os lindos olhos de Mantega, então há algo de podre no reino da Banânia. O ministro até dá uma dica do que é: “Os bancos pediram a possibilidade de sair antes do final, e aí o banco público cobre (o período restante)”.

Entenderam? Precisa convocar Sherlock Holmes com sua lupa e argúcia? Creio que não. É assim: os banqueiros sempre ficaram receosos de conceder empréstimos arriscados por prazos tão longos, pois o governo gera incertezas e o BNDES ocupa o mercado de forma deslegal; após uma reunião com o governo, os banqueiros saem convencidos e decidem participar do esquema de financiamento.

Poder de persuasão técnica do ministro Mantega? Pouco provável. Logo, podemos estar certos de que o governo, uma vez mais, entra com garantias para mitigar os riscos de mercado dos bancos. É o “capitalismo” à brasileira: lucros privados, prejuízos socializados.

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O Brasil precisa, urgentemente, de investimentos em infraestrutura. O governo se mostrou totalmente incapaz de gerir esses setores. O ideal seria garantir regras claras do jogo, ter um arcabouço regulatório decente, e deixar o mercado funcionar, tanto do lado dos leilões, como do lado do financiamento. O ministro e a presidente podem não saber, mas o mercado funciona!

Mas é pedir demais para um governo “desenvolvimentista” ceder esse espaço para o mercado. Não. Esse governo quer controlar tudo, cada etapa do processo. Acaba afugentando investidores e afetando o próprio mercado. Para consertar o problema, vem com mais intervenção, mais participação estatal. Dessa vez com garantias e privilégios para grandes bancos.

Em nosso “capitalismo de estado”, quem se dá bem mesmo são os “amigos do rei”. O povo só paga a conta…