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A vitória de Angela Merkel para seu terceiro mandato consecutivo foi surpreendente, e repete na Alemanha o que Margaret Thatcher conseguiu no Reino Unido. Muitos, especialmente da oposição, apontam para suas características individuais como o grande responsável pela vitória, e não as bandeiras conservadoras em si. Há controvérsias.

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Não deixa de ser curioso, em uma época que a palavra “austeridade” passou a ser palavrão, ver vários governos caindo, mesmo pregando mais gastos públicos e fugindo da responsabilidade de encarar a crise de frente, enquanto Merkel permanece no poder com discurso contrário e mais firme, apoiada por seu poderoso ministro das finanças Wolfgang Schäuble.

“Você não pode viver além de seus meios no longo prazo”, foi a mensagem de Angela Merkel já em dezembro de 2008, na província de Suábia, sul da Alemanha. Ela falaria sobre Verantwortung, a palavra alemã para “responsabilidade”. O discurso tinha forte conotação simbólica, uma vez que o mundo estava no auge da crise de crédito após o colapso do Lehman Brothers. O local também não foi escolhido por acaso: a Suábia é conhecida na Alemanha pela frugalidade quase obsessiva de suas donas de casa, responsáveis ao extremo com as finanças domésticas.

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Merkel chegou a apontar a excessiva quantidade de dinheiro barato como principal causa da crise americana. No Parlamento, em 2008, ela se mostrou bastante preocupada com as medidas tomadas pelo governo americano para conter a crise, alegando que mais dinheiro barato e dívida iriam reforçar a tendência anterior e criar uma nova crise em cinco anos.

O socialista Hollande foi muito celebrado com seu discurso diametralmente oposto à ortodoxia, mas seu governo afunda em baixa popularidade e com resultados medíocres. Já a Alemanha é o pilar de sustentação da Europa nesse momento. Justamente o país que mais tem insistido na necessidade de ajustar as contas públicas e cortar na carne. A líder que encabeça essa postura acaba de der reeleita pela terceira vez. Austeridade é mesmo o grande inimigo?

Como podemos ver, as empresas alemãs têm tido um desempenho bem melhor do que as francesas no mercado acionário, valorizando-se, na média, quase 50% a mais em termos relativos nos últimos anos. Os indicadores econômicos também são bem melhores no caso alemão. Mas a lição que o mundo tira disso é que a austeridade é o problema, e o socialismo a solução?

Claro que não faltam desafios, mesmo para a Alemanha. A quantidade de transferências do país para os demais periféricos foi gigantesca nos últimos anos, e não há luz no túnel para os mais problemáticos ainda. Ainda dependem da Alemanha, que, por sua vez, tem muito a perder se eles afundarem de vez. É uma simbiose complicada, um relacionamento de dependência mútua, uma espécie de casamento forçado.

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No mais, o próprio jornal conservador Die Welt concluiu:

Angela Merkel ganhou sem seu partido. Os alemães gostam tanto dela porque ela é tão despretensiosa e aparentemente desprovida de narcisismo na forma como ela lida com o seu trabalho, ela não irrita o seu povo ou fica fazendo palestras para ele. “Ela vai fazer o trabalho”, as pessoas pensam. Mas será isso suficiente? Sua vitória foi uma vitória sem clareza ou direção – foi uma vitória por ela ser como é. Agora Angela Merkel não tem nada a perder. Ela poderia sair da sua concha. Ela poderia usar o que é provável que seja o último prazo para avançar com reformas não apenas na Europa mas em casa. Ela não vai ser capaz de passar mais quatro anos alimentando o legado de Gerhard Schröder.

De fato, o partido liberal aliado, Free Democrats, não conseguiu superar a barreira de 5% e deverá ficar fora do Parlamento pela primeira vez após a Segunda Guerra. Merkel terá de compor com os social-democratas para fechar uma coalizão de governo. Mas é inegável a vitória não só do estilo discreto e confiável de Merkel governar, como das próprias bandeiras de seu partido conservador.

Em resumo, Merkel tem méritos e foram eles que a trouxeram até esse terceiro mandado, em meio a uma grande crise que derrubou todos os governantes vizinhos. Ela não aderiu ao populismo de fazer promessas milagrosas e irresponsáveis, como seus pares. Não fugiu do discurso firme de ter que praticar mais austeridade, ainda que o conceito tenha se tornado pecado mortal para os políticos.

Agora ela terá de mostrar que realmente merece a fama de estadista. Thatcher atravessou várias crises no Reino Unido na década de 1980, e entregou um país mais forte. Espera-se de Merkel consiga o mesmo com a Alemanha. São muitos obstáculos ainda. A Alemanha não pode ser a eterna fonte de empréstimos para os vizinhos doentes. Em algum momento eles terão de andar com as próprias pernas, para que a própria Alemanha possa realizar reformas mais duras em casa.

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Estará ela à altura de tal desafio? Quem viver, verá…