As coisas estão escalando tão rápido no Brasil que ficamos zonzos, atordoados e até anestesiados com tanto bombardeio de abuso de poder. Nesta quarta, a decisão de Alexandre de Moraes sobre o IOF mereceu o maior destaque na farta lista de absurdos. Um Congresso basicamente humilhado vira cada vez mais uma peça decorativa – e extremamente cara e inútil.
Whatsapp: entre no grupo e receba as colunas de Rodrigo Constantino
Um conhecido meu, advogado extremamente competente, desabafou num grupo de debates: "Olha, eu me dedico ao estudo e a prática do direito há 30 anos. Alcancei a máxima titulação acadêmica que existe no país, tenho livros e artigos publicados aqui e no exterior, fui professor e orientador na graduação, mestrado , doutorado etc. Sabem para que serve isso atualmente? ZERO. Nada. É como se um físico descobrisse de repente que não há realidade a ser estudada por ele, na verdade é tudo uma simulação de Matrix. É desalentador. Deprimente".
Nunca tivemos uma República que merecesse tal nome em nosso país, mas é inegável que as coisas se deterioraram de uma maneira impensável há alguns anos
Tenho certeza de que ele fala em nome de muitos operadores do Direito, pois o Brasil virou terra sem lei. Outro advogado tarimbado, Leonardo Correa, interrompeu suas férias para escrever um texto explicando, de forma didática, o surrealismo da decisão alexandrina. Eis um trecho:
Há momentos em que uma decisão judicial deixa de ser apenas um ato técnico e se converte numa inflexão política. Foi exatamente isso que se viu na decisão monocrática do Ministro Alexandre de Moraes ao suspender, por liminar, os efeitos do Decreto Legislativo 176/2025, com o qual o Congresso Nacional havia sustado os decretos presidenciais que majoraram o IOF. A cena é de um simbolismo desconcertante: um único ministro se sobrepondo à deliberação de 383 deputados federais. E nem mesmo os 98 que votaram “não” devem ser ignorados, pois também deliberaram. Cada voto, ainda que vencido, é parte legítima do processo. A vitória, no jogo republicano, é sempre construída sobre o conflito legitimado pelas regras do debate.
Mas esse simbolismo não é apenas retórico — ele traduz uma patologia institucional. O Congresso, ao exercer o controle político previsto no art. 49, V da Constituição, atuou com base na percepção de que os decretos do Executivo, sob o pretexto de extrafiscalidade, estavam sendo usados com fins puramente arrecadatórios. Trata-se de uma avaliação política, não técnica. Ainda assim, o Judiciário decidiu que caberia a ele, e não ao Legislativo, aferir a “finalidade legítima” do decreto presidencial. A consequência? Um esvaziamento simbólico e jurídico da principal função de vigilância do Parlamento.
Leonardo Correa segue explicando em detalhes técnicos os erros grosseiros cometidos por Moraes na decisão sobre o IOF, e mesmo um leigo pode compreender que o ministro foi longe demais desta vez – até para seus padrões! Usando o clássico de Lewis Carroll como pano de fundo, Correa mostra que a lógica de Humpty Dumpty em diálogo com Alice é desconcertante:
"Quando eu uso uma palavra", disse Humpty Dumpty num tom um tanto desprezível, "ela significa exatamente o que eu decido que signifique – nada mais, nada menos". "A questão", retruca Alice, "é saber se se pode fazer as palavras significarem tantas coisas diferentes". "A questão", finaliza Humpty Dumpty, "é: quem é o mestre – só isso". "A disputa semântica que Carroll satiriza é, aqui, tragicamente real: não se trata mais – ou ao menos não apenas – de interpretar a Constituição, mas de dominá-la. E quem domina as palavras, domina os Poderes", escreve Correa. O advogado conclui:
O Congresso fez o que lhe cabia: fiscalizou, julgou, decidiu. Sua legitimidade não decorre de pareceres técnicos, mas do voto popular. Quando o STF desloca esse julgamento para si, com base em avaliações econômicas do Executivo, o que se impõe não é o direito – é o tecnocratismo judicial. A política, reduzida a ruído. A deliberação, condicionada à chancela dos intérpretes togados.
Há algo profundamente incompatível entre esse modelo de jurisdição e a ideia de República. O juiz, que deveria exercer autocontenção, passa a ser o protagonista. A Constituição, que deveria vincular, passa a ser um menu interpretativo. O Legislativo, que deveria ser o coração da deliberação democrática, passa a ser tutelado. E o povo? Emudecido com solenidade, expulso da cena pela liturgia do poder judicial.
Defender a Constituição é, antes de tudo, reconhecer que ela não é obra de iluminados, mas de um pacto. E pactos se honram na forma – sobretudo na forma. Quando o órgão máximo da democracia representativa decide, é a própria soberania popular que se manifesta. A decisão que nos impôs a suspensão do decreto legislativo pode até se dizer jurídica, mas é, antes, um ato de poder. E quando o poder se mascara de técnica para invadir o espaço da política, é a República que se ausenta – silenciosa, traída, ainda que vestida de legalidade.
Nunca tivemos uma República que merecesse tal nome em nosso país, mas é inegável que as coisas se deterioraram de uma maneira impensável há alguns anos. O deputado Marcel van Hattem, uma das vozes mais firmes na defesa do Legislativo independente, desabafou sobre a decisão de Moraes sobre o IOF: "Ou os presidentes da Câmara e do Senado reagem à altura ou o Congresso estará definitivamente fechado pelo Alexandre de Moraes e pelo STF". Não é exagero, mas um fato.
Constatamos que um "juiz" tem mais poder do que mais de 500 parlamentares eleitos pelo povo para decidir sobre o aumento do IOF. O advogado André Marsiglia fez uma pergunta retórica com a qual termino o texto, deixando no ar a reflexão: "Será que Moraes hoje deixou claro que é o STF quem mantém o governo Lula de pé e que aquilo que o Congresso faz e a Constituição diz já não importam mais, ou ainda tem gente que não entendeu?".
Motta isola governo e oposição e tenta manter controle da Câmara com bloco de centro
EUA dizem que sanções a Moraes eram “inconsistentes” com seus “interesses” e que dosimetria pesou
Dosimetria é alívio, mas ainda não é justiça
Viana diz que Toffoli retirou dados da quebra de sigilo de Vorcaro da CPMI do INSS